Distribuição do jornal em Moçambique: um exemplar vale sete pães (Divulgação)
Da Redação
Publicado em 1 de dezembro de 2011 às 05h00.
Nas manhãs de sábado, as ruas de Maputo, a capital de Moçambique, são tomadas por uma centena de motos de três rodas pintadas de verde e amarelo. Abarrotadas de jornais empilhados na parte traseira, elas passam diante dos prédios do centro da cidade, construídos no período colonial português. Depois, espalham-se em direção à periferia, onde barracas de comércio, vendedores ambulantes e casas feitas de alvenaria ou barro e cobertas com telhados de zinco se amontoam em estreitas vielas de terra.
As motos carregam exemplares de A Verdade, jornal semanal gratuito de 32 páginas que, com a missão de dar acesso à informação num dos países mais pobres do mundo, tornou-se a maior publicação impressa de Moçambique.
Com até 50 000 unidades circulando todas as semanas, o jornal tem 400.000 leitores — mais do que todos os outros somados, segundo a consultoria GfK Group. "Em menos de dois anos, A Verdade se tornou o principal jornal do país", diz o emprendedor Erik Charas, seu fundador.
Formado em engenharia e especializado em robótica, Charas criou um modelo de negócios diferente dos concorrentes. Ele considerou que, num país onde 75% de seus 22 milhões de habitantes vivem com menos de 1 dólar por dia, é difícil um jornal pago conquistar penetração.
"Informação, aqui, é um luxo", diz o jornalista brasileiro Eduardo Castro, consultor de uma rede de TV moçambicana. Enquanto os outros semanários do país custam, em média, 1 dólar, A Verdade é distribuído de graça. "Com 1 dólar se compram sete pães. É claro que quem tiver de optar entre levar comida para casa ou ler jornal vai escolher a comida", diz Charas. "Nosso jornal permite fazer as duas coisas."
Com mais leitores que os concorrentes, A Verdade obtém mais anúncios. Noutros países, essa lógica que garantiu o crescimento de muitas publicações vem sendo desafiada — consequência da diluição das verbas de marketing dos anunciantes em novas mídias. Em Moçambique esse modelo ainda funciona, pois são poucas as opções de mídia acessíveis à maioria da população.
Mas como é preciso se preparar para o futuro, as receitas não vêm só de publicidade. As motos pertencem ao jornal, que as aluga para os taxistas que distribuem a publicação. Além disso, Charas fechou acordos com as duas empresas de telefonia celular do país, a mcel e a Vodafone, para disseminar notícias e ringtones enviados por SMS.
O celular também é usado para campanhas cívicas do jornal, como a que incentivou a população a votar para presidente em 2009. Um estudo da Universidade de Oxford mostrou que a distribuição do jornal na época aumentou 10%, o mesmo índice de aumento da participação dos moçambicanos na eleição.
Segundo as contas de Charas, em menos de um ano o equilíbrio financeiro foi atingido. Um empecilho para o crescimento é a impressão, hoje feita na África do Sul, que deixa os custos vulneráveis a alterações cambiais. No ano passado, por exemplo, o metical, a moeda moçambicana, perdeu metade do valor diante do dólar.
Para seu criador, A Verdade é muito mais do que simplesmente um jornal. É, também, um instrumento de mudança social. "Apenas pessoas bem informadas sabem reivindicar seus direitos para conseguir transformar a realidade", afirma Charas.