Como explorar o potencial de consumo dos idosos
É certo chamar quem tem mais de 60 anos de velhinho? Eles trabalham, fazem ginástica, vão jantar fora com amigos, entram toda hora no Facebook e não querem dormir cedo
Da Redação
Publicado em 8 de maio de 2014 às 13h20.
São Paulo - As noites da professora Viviane Heberle, de 62 anos, são reservadas para ler historinhas do tempo do Onça, como João e o Pé de Feijão e Chapeuzinho Vermelho, para seu neto Lucas, de 3 anos. "Cuido dele sempre que tenho um tempo livre, para ajudar a Cláudia, minha filha", diz ela. À tarde e à noite, Viviane dá aulas de literatura inglesa numa universidade de Florianópolis.
Faz ginástica com um personal trainer pelo menos três vezes por semana. Aos sábados, costuma jantar com amigos — ela gosta de experimentar pratos com tempero apimentado, como os das culinárias tailandesa, indiana e mexicana. "Neste ano vou fazer um curso de fotografia". (Viviane é ocupada mesmo: houve um dia em que tivemos de confirmar uma informação e foram vários telefonemas até encontrá-la em casa.)
Cada vez mais brasileiros como Viviane, com mais de 60 anos (idade a partir da qual o IBGE considera alguém idoso), continuam trabalhando e têm agenda cheia. O maior acesso a sistemas de saúde, planos médicos e tratamentos avançados aumentou a expectativa de vida do brasileiro para 74,5 anos — cinco mais do que em 2000.
No Brasil existem mais de 23 milhões de idosos — 50% mais do que no início da década passada. A consultoria Escopo, especializada em estudos de geomarketing, fez um levantamento recente com brasileiros acima de 50 anos. As projeções mostram que em 2013 eles gastaram algo em torno de 1 trilhão de reais — 34% do total gasto pela população inteira.
Há dez anos, eram 19%. Segundo a pesquisa, no fim da década essa participação poderá chegar quase à metade. O envelhecimento do consumidor brasileiro tem levado muitos empreendedores a adaptar seus negócios para agarrar as oportunidades geradas pelo público de terceira idade.
É o caso do administrador paulistano Humberto Munhoz, de 31 anos. Munhoz é sócio da FN Store, rede de lojas de suplementos alimentares à base de vitaminas e proteínas para quem faz atividade física. Das quatro unidades da FN Store, três estão em instalações internas de grandes redes de academias de São Paulo, frequentemente supervisionadas pessoalmente por Munhoz.
"Nas minhas visitas, notei que há cada vez mais gente de cabelos brancos levantando pesos e correndo nas esteiras", afirma. Poucos, porém, se tornavam seus clientes. "Esse público geralmente busca produtos para diminuir o risco de lesões na atividade física", diz ele. "Mas meus vendedores costumavam falar só dos que ajudam a ganhar músculos."
Há dois anos, Munhoz contratou uma nutricionista para treinar os vendedores da FN Store a atender o público de terceira idade. "Separamos no nosso portfólio os produtos com substâncias químicas que aumentam a resistência dos ossos, como cálcio e ômega 3", afirma. "Os vendedores tiveram aulas sobre como elas agem no corpo e foram orientados a passar esses conhecimentos aos clientes."
No ano passado, a FN Store faturou algo em torno de 3,7 milhões de reais — 30% acima do ano anterior. "Deu tudo muito certo. Os atletas da terceira idade foram responsáveis por grande parte da expansão”, diz Munhoz. "As vendas para esses consumidores já representaram 8% do faturamento."
Estudos revelam que a adesão das pessoas da terceira idade a novas tecnologias tem sido rápida. Segundo o Ibope, em 2013 cerca de 3 milhões de brasileiros acima de 55 anos acessaram a internet para bater papo, ler notícias e comprar produtos. Em 2009, pouco mais de 1 milhão tinham esses hábitos.
Quantas vovós de classe média, hoje em dia, usam o Skype para conversar com os netinhos que moram em outra cidade? Ou postam fotos da família inteira no Facebook? Perguntamos aos repórteres da redação como seus pais usam essas ferramentas. Num dos casos, a tia quer ver a jornalista quase todo dia no Skype para falar sobre como é bom ter Skype para que elas possam se ver todo dia.
Noutro, a mãe, que dormia às 21 horas, no máximo, agora fica até depois da meia-noite no Facebook, procurando pessoas com o mesmo sobrenome. Ela também usa a rede para entrar num site do governo em que há um campo para enviar mensagens à presidente Dilma.
Numa delas, perguntou por que Dilma nunca repete a roupa. Há ainda o pai de uma repórter que coloca na sua linha do tempo críticas de todos os flmes a que assiste. Faltam só dois anos para o empreendedor Wilson Giustino fazer parte da amostra da pesquisa do Ibope que estudou idosos e tecnologia.
Ele é fundador do Cebrac, rede paranaense de cursos profssionalizantes, fundada em 1995. No ano passado, o faturamento do Cebrac foi próximo de 150 milhões de reais — 30% mais do que em 2012. "No começo, vinham apenas jovens para aulas de informática e inglês", diz Giustino. "Com o passar dos anos, começamos a receber cada vez mais senhores e senhoras que queriam aprender a usar o computador."
No início, idosos e jovens assistiam à mesma aula. "Os idosos tinham muita dificuldade para acompanhar o ritmo", diz Giustino. A partir de 2005, o Cebrac abriu turmas específcas para a terceira idade. Nelas, o professor senta ao lado do aluno para passar instruções. Os cursos começam ensinando a ligar e a desligar o equipamento.
Depois, os alunos aprendem a entrar na internet, mandar e-mails e guardar arquivos na nuvem. "Hoje, os idosos correspondem a 5% das matrículas", afirma Giustino. "De um ano para cá a quantidade deles quase dobrou."
O que saber
Os principais hábitos dos idosos brasileiros e como aproveitar seu potencial de consumo
Mito: Depois de aposentados, os idosos ficam em casa cuidando da família e aproveitando o tempo livre. Homens, de pijama. Mulheres, tricotando. São pouquíssimos os que têm coragem — e disposição física — de se aventurar em projetos pessoais mais arrojados, como começar uma nova carreira, depois dos 60 anos. Afinal, já conquistaram tudo na vida e os filhos se encarregam das despesas.
Realidade: Muitos idosos são responsáveis por boa parte dos rendimentos da família — o que faz com que continuem trabalhando depois de aposentados, ainda que em período reduzido. Durante o tempo livre, eles gostam de atividades que exigem certa disposição e retardam a sensação de envelhecimento, como frequentar um curso, ir a botecos ou viajar com os amigos.
Oportunidade: O número de brasileiros com mais de 60 anos deverá triplicar até 2050. Fornecedores de serviços como academias de ginástica e outras atividades físicas, nutricionistas e agentes de viagens podem ser úteis para esse público atingir seus objetivos de inclusão.
Muitos idosos ainda têm dificuldade para incorporar a seu dia a dia produtos e serviços que envolvam novidades tecnológicas.Por mais interessados que estejam, poucos se tornam clientes fiéis se não tiverem explicações detalhadas de como usar smartphones e laptops.
São Paulo - As noites da professora Viviane Heberle, de 62 anos, são reservadas para ler historinhas do tempo do Onça, como João e o Pé de Feijão e Chapeuzinho Vermelho, para seu neto Lucas, de 3 anos. "Cuido dele sempre que tenho um tempo livre, para ajudar a Cláudia, minha filha", diz ela. À tarde e à noite, Viviane dá aulas de literatura inglesa numa universidade de Florianópolis.
Faz ginástica com um personal trainer pelo menos três vezes por semana. Aos sábados, costuma jantar com amigos — ela gosta de experimentar pratos com tempero apimentado, como os das culinárias tailandesa, indiana e mexicana. "Neste ano vou fazer um curso de fotografia". (Viviane é ocupada mesmo: houve um dia em que tivemos de confirmar uma informação e foram vários telefonemas até encontrá-la em casa.)
Cada vez mais brasileiros como Viviane, com mais de 60 anos (idade a partir da qual o IBGE considera alguém idoso), continuam trabalhando e têm agenda cheia. O maior acesso a sistemas de saúde, planos médicos e tratamentos avançados aumentou a expectativa de vida do brasileiro para 74,5 anos — cinco mais do que em 2000.
No Brasil existem mais de 23 milhões de idosos — 50% mais do que no início da década passada. A consultoria Escopo, especializada em estudos de geomarketing, fez um levantamento recente com brasileiros acima de 50 anos. As projeções mostram que em 2013 eles gastaram algo em torno de 1 trilhão de reais — 34% do total gasto pela população inteira.
Há dez anos, eram 19%. Segundo a pesquisa, no fim da década essa participação poderá chegar quase à metade. O envelhecimento do consumidor brasileiro tem levado muitos empreendedores a adaptar seus negócios para agarrar as oportunidades geradas pelo público de terceira idade.
É o caso do administrador paulistano Humberto Munhoz, de 31 anos. Munhoz é sócio da FN Store, rede de lojas de suplementos alimentares à base de vitaminas e proteínas para quem faz atividade física. Das quatro unidades da FN Store, três estão em instalações internas de grandes redes de academias de São Paulo, frequentemente supervisionadas pessoalmente por Munhoz.
"Nas minhas visitas, notei que há cada vez mais gente de cabelos brancos levantando pesos e correndo nas esteiras", afirma. Poucos, porém, se tornavam seus clientes. "Esse público geralmente busca produtos para diminuir o risco de lesões na atividade física", diz ele. "Mas meus vendedores costumavam falar só dos que ajudam a ganhar músculos."
Há dois anos, Munhoz contratou uma nutricionista para treinar os vendedores da FN Store a atender o público de terceira idade. "Separamos no nosso portfólio os produtos com substâncias químicas que aumentam a resistência dos ossos, como cálcio e ômega 3", afirma. "Os vendedores tiveram aulas sobre como elas agem no corpo e foram orientados a passar esses conhecimentos aos clientes."
No ano passado, a FN Store faturou algo em torno de 3,7 milhões de reais — 30% acima do ano anterior. "Deu tudo muito certo. Os atletas da terceira idade foram responsáveis por grande parte da expansão”, diz Munhoz. "As vendas para esses consumidores já representaram 8% do faturamento."
Estudos revelam que a adesão das pessoas da terceira idade a novas tecnologias tem sido rápida. Segundo o Ibope, em 2013 cerca de 3 milhões de brasileiros acima de 55 anos acessaram a internet para bater papo, ler notícias e comprar produtos. Em 2009, pouco mais de 1 milhão tinham esses hábitos.
Quantas vovós de classe média, hoje em dia, usam o Skype para conversar com os netinhos que moram em outra cidade? Ou postam fotos da família inteira no Facebook? Perguntamos aos repórteres da redação como seus pais usam essas ferramentas. Num dos casos, a tia quer ver a jornalista quase todo dia no Skype para falar sobre como é bom ter Skype para que elas possam se ver todo dia.
Noutro, a mãe, que dormia às 21 horas, no máximo, agora fica até depois da meia-noite no Facebook, procurando pessoas com o mesmo sobrenome. Ela também usa a rede para entrar num site do governo em que há um campo para enviar mensagens à presidente Dilma.
Numa delas, perguntou por que Dilma nunca repete a roupa. Há ainda o pai de uma repórter que coloca na sua linha do tempo críticas de todos os flmes a que assiste. Faltam só dois anos para o empreendedor Wilson Giustino fazer parte da amostra da pesquisa do Ibope que estudou idosos e tecnologia.
Ele é fundador do Cebrac, rede paranaense de cursos profssionalizantes, fundada em 1995. No ano passado, o faturamento do Cebrac foi próximo de 150 milhões de reais — 30% mais do que em 2012. "No começo, vinham apenas jovens para aulas de informática e inglês", diz Giustino. "Com o passar dos anos, começamos a receber cada vez mais senhores e senhoras que queriam aprender a usar o computador."
No início, idosos e jovens assistiam à mesma aula. "Os idosos tinham muita dificuldade para acompanhar o ritmo", diz Giustino. A partir de 2005, o Cebrac abriu turmas específcas para a terceira idade. Nelas, o professor senta ao lado do aluno para passar instruções. Os cursos começam ensinando a ligar e a desligar o equipamento.
Depois, os alunos aprendem a entrar na internet, mandar e-mails e guardar arquivos na nuvem. "Hoje, os idosos correspondem a 5% das matrículas", afirma Giustino. "De um ano para cá a quantidade deles quase dobrou."
O que saber
Os principais hábitos dos idosos brasileiros e como aproveitar seu potencial de consumo
Mito: Depois de aposentados, os idosos ficam em casa cuidando da família e aproveitando o tempo livre. Homens, de pijama. Mulheres, tricotando. São pouquíssimos os que têm coragem — e disposição física — de se aventurar em projetos pessoais mais arrojados, como começar uma nova carreira, depois dos 60 anos. Afinal, já conquistaram tudo na vida e os filhos se encarregam das despesas.
Realidade: Muitos idosos são responsáveis por boa parte dos rendimentos da família — o que faz com que continuem trabalhando depois de aposentados, ainda que em período reduzido. Durante o tempo livre, eles gostam de atividades que exigem certa disposição e retardam a sensação de envelhecimento, como frequentar um curso, ir a botecos ou viajar com os amigos.
Oportunidade: O número de brasileiros com mais de 60 anos deverá triplicar até 2050. Fornecedores de serviços como academias de ginástica e outras atividades físicas, nutricionistas e agentes de viagens podem ser úteis para esse público atingir seus objetivos de inclusão.
Muitos idosos ainda têm dificuldade para incorporar a seu dia a dia produtos e serviços que envolvam novidades tecnológicas.Por mais interessados que estejam, poucos se tornam clientes fiéis se não tiverem explicações detalhadas de como usar smartphones e laptops.