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Geração de resultados na sucessão das pequenas e médias empresas

Cinco empreendedores contam como deram novo impulso à expansão dos negócios da família ao abrir mercados, lançar novos produtos e aprimorar o que seus pais faziam

João Pedro Cabral de Menezes, da ACUAPURE.  (Marcelo Correa)

João Pedro Cabral de Menezes, da ACUAPURE. (Marcelo Correa)

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Da Redação

Publicado em 26 de abril de 2011 às 19h40.

A passagem de gerações num negócio familiar é  sempre um momento crítico. Não são poucas as histórias de empresas que tiveram a expansão prejudicada ou foram levadas à beira do abismo por desavenças entre os empreendedores e seus sucessores.

Muitas vezes, no entanto, a troca de comando acaba servindo para dar uma nova injeção de ânimo — principalmente no caso de pequenas e médias empresas cujos donos perdem o ímpeto para a expansão acelerada, tão comum nos estágios iniciais do negócio, quando ainda se está desbravando o mercado.

“É comum encontrar empresas que voltam a crescer depois que os filhos ou netos do fundador assumem funções de maior responsabilidade”, afirma Josenice Blumenthal, sócia da Mesa Corporate Governance, consultoria especializada em governança familiar. “Esse tipo de situação tem sido cada vez mais comum, na medida em que mais famílias se preocupam em preparar bem seus herdeiros.”

O resultado é uma geração que tem mais conhecimentos sobre gestão, finanças e mercado que seus predecessores. Exame PME ouviu quatro jovens empreendedores que trouxeram um novo impulso às empresas criadas por seus pais. São casos como o da paulista Paula Gomes, que abriu um novo mercado para a Impec ao transformar a fabricante de palmilhas fundada por seu pai numa marca de sapatos.

Ou o do gaúcho Celso Kiperman, que fez da editora de livros técnicos e científicos da família uma das concorrentes mais agressivas do mercado. Completam as próximas páginas as histórias do paulistano Moisés Sirvente, criador de um site de comércio eletrônico que hoje responde por um terço das receitas da rede de revendas de autopeças que seu pai fundou, e do carioca João Pedro Menezes, responsável por descobrir que o varejo era o melhor mercado para a fabricante de pastilhas para purificação de água Acuapure.

Com os pés confortáveis

Nos últimos meses, a paulista Paula Gomes, de 23 anos, esteve à frente da abertura de uma nova fonte de receitas para a Impec, fabricante de palmilhas e acessórios para calçados que seu pai, o empreendedor Orlando Gomes, fundou no começo dos anos 90 em Franca, importante polo calçadista do interior de São Paulo.


Após dois anos de estudo, a Impec lançou sapatos infantis e femininos, que hoje representam um quarto do faturamento mensal. “A Impec fazia quase tudo que era preciso para fabricar calçados”, diz Paula. “A maior dificuldade era convencer meu pai que montar um sapato completo podia ser um bom negócio.”

Em 2010, as receitas da Impec chegaram a 15 milhões de reais. Os novos produtos podem ajudar a empresa a atingir o objetivo de crescer 40% neste ano. 

Uma das primeiras funções de Paula na Impec foi vender. Ela passava dias fora de casa visitando sapatarias, lojas de confecção, farmácias e outros pequenos varejistas que compravam as palmilhas e outros acessórios fabricados pela empresa de seu pai.

Paula teve a ideia de transformar a fábrica de palmilhas numa marca de sapatos justamente durante suas andanças pelo interior paulista, em conversas com os clientes. Sobretudo nas pequenas cidades, os lojistas frequentemente se queixavam das dificuldades que enfrentavam para negociar com as grandes indústrias. 

Uma das principais reclamações frequentes estava relacionada ao desinteresse dos fabricantes de calçados infantis em atender lojas menores. Os clientes também diziam que estava ficando cada vez mais complicado encontrar fornecedores de sapatos femininos baratos, sem design, de couro e sola de borracha — um tipo de produto muito procurado por mulheres do interior, mais preocupadas com o conforto do que com a estética.

“Percebi, ali, que havia uma oportunidade para nós”, afirma Paula. “Poderíamos entregar exatamente o que o mercado estava buscando.”


Sua animação, porém, esbarrou no ceticismo do fundador. Para convencer o pai, que resistia à ideia de diversificar os negócios, no final de 2009 Paula o convidou a acompanhá-la numa série de visitas a clientes. “Pedi a ele que viajasse comigo para ouvir o que eles tinham a dizer sobre os meus planos”, diz Paula. “Foi a forma que encontrei para tentar amolecê-lo.”

Deu certo. Depois das visitas aos clientes no interior, Gomes autorizou a filha a seguir adiante com seus planos. 

Nos meses seguintes, Paula precisou defender seu projeto nas reuniões com o pai e os irmãos, que juntos formam um conselho de família responsável por tomar as decisões estratégicas da Impec. Paula é a segunda dos quatro filhos de Gomes — suas duas irmãs e seu irmão também trabalham na empresa e teriam de se transformar em aliados para que seus planos dessem certo.

“Comecei na Impec aos 17 anos de idade, e desde então passei boa parte do tempo cuidando das vendas da empresa no varejo”, afirma. “Tive de elaborar dezenas de planilhas de custos e análises com projeções de mercado para demonstrar que fabricar sapatos era um negócio promissor.”  

Após convencer a família, ela pôde começar a tirar os projetos do papel. A fábrica em Franca foi ampliada e, no final do ano passado, os primeiros pares de sapatos foram produzidos. Aos poucos, Paula espera que os calçados passem a ser o principal produto da Impec.

Hoje, boa parte das receitas da empresa ainda vem de palmilhas e outros acessórios, vendidos no varejo ou para outros fabricantes de sapatos. Para ela, abrir uma nova linha de produtos pode ser estratégico para que o negócio de sua família mantenha boas perspectivas de crescimento.



“A Impec já produz palmilhas há 17 anos”, diz. “Não há muito o que inovar nesse mercado e as oportunidades de crescimento rápido para uma empresa como a nossa parecem ficar cada vez mais limitadas.”  

Perder espaço para os concorrentes chineses era um dos riscos que a Impec poderia correr caso os Gomes decidissem continuar produzindo somente palmilhas. “Hoje, os produtos asiáticos chegam ao Brasil por uma pequena fração do custo das palmilhas nacionais”, afirma a empreendedora. “O mercado mudou muito nos últimos anos, e era preciso que acompanhássemos as transformações.”

Sucessão com conteúdo

Os últimos meses têm sido agitados na Grupo A, editora de livros técnicos e científicos com sede em Porto Alegre, no Rio Grande do Sul. Desde o começo do ano passado, a empresa, fundada no início da década de 70 pelo paranaense Henrique Kiperman, comprou dois concorrentes — a editora paulista Artes Médicas e o site Medicina.net, especializado em publicações científicas.

Recentemente, a Grupo A também fechou um acordo para assumir as operações brasileiras da editora americana McGraw Hill. Juntos, esses novos negócios ajudaram a empresa a faturar 100 milhões de reais no ano passado, 20% mais que em 2009.  

Parte da responsabilidade pelo novo impulso à expansão se deve ao gaúcho Celso Kiperman, de 44 anos, filho mais velho do fundador da Grupo A.

Em 2009, ele foi o responsável por negociar pela família a venda de 12,5% do negócio para dois investidores — o BNDESPar, braço de participações do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social, e o fundo de investimento gaúcho CRP. Os novos sócios investiram na empresa o dinheiro que agora está sendo usado para financiar as aquisições.


A compra dos concorrentes faz parte de um plano para levar as receitas da Grupo A a um patamar de 350 milhões de reais até 2015 — caso as metas traçadas pela família sejam atingidas, o resultado será um negócio muito diferente daquele assumido há pouco mais de dez anos por Celso Kiperman, quando o grupo ainda se chamava Artmed.

"Meu pai construiu uma boa base, mas nosso mercado está mudando muito rápido e temos de acompanhar as transformações”, diz ele. “Meu objetivo para os próximos anos é fazer com que a Grupo A deixe de ser apenas uma editora para se transformar numa empresa de educação, capaz de distribuir conteúdos nos novos formatos digitais que estão surgindo.”

Um dos principais objetivos de Kiperman é trazer para a empresa de sua família novas tecnologias — encontrar um modelo de negócios rentável para a publicação de livros em formatos digitais que possam ser lidos em leitores eletrônicos, como o Kindle, ou em tablets, como o iPad, pode ser fundamental para as perspectivas de futuro.

Hoje, a Grupo A tem em catálogo aproximadamente 2 000 títulos, dos quais apenas 150 estão em formato eletrônico. “Ao assumir as operações da McGraw Hill no Brasil, fizemos um acordo para receber da matriz americana novas tecnologias para livros digitais”, afirma Kiperman. “Por isso, esse foi um dos negócios mais importantes que fechamos.”

Atualmente, Kiperman divide o comando da Grupo A com a irmã, Adriane Rojas, de 41 anos, que é diretora editorial da empresa. Os dois começaram sua trajetória nos negócios da família no início dos anos 90. “Meu filho sempre teve um temperamento mais agressivo no trabalho”, diz o fundador, Henrique Kiperman, hoje presidente do conselho de administração. 


Uma das primeiras iniciativas de Celso Kiperman na empresa foi criar uma divisão para publicar livros nas áreas de ciências exatas, sociais e aplicadas, que na época recebiam pouca atenção na editora e hoje representam 25% das receitas.

Em 2003, ele contrariou a vontade do pai ao se associar a investidores argentinos e criar uma nova unidade, a Artmed Panamericana, para explorar cursos de atualização para médicos — um negócio que faturou 30 milhões de reais no ano passado.

“O desempenho da Artmed Panamericana foi importante para demonstrar que a Grupo A não precisava ser apenas uma editora”, diz Celso Kiperman. “Já começava a ficar claro que havia grandes oportunidades para aproveitar.”

Para mecânicos de fim de semana

Muitas vezes uma ideia simples pode abrir novas perspectivas para um negócio. O desafio do empreendedor, nessas horas, é permitir que as coisas sejam feitas de forma diferente. Foi o que aconteceu com a Jocar, revenda de autopeças de São Paulo.

No final de 2006, o engenheiro Moisés Sirvente, de 36 anos, achou que poderia aumentar um pouco as vendas da empresa, fundada no começo dos anos 70 por seu pai, o economista João Sirvente, se abrisse um site de comércio eletrônico na internet. “Queria saber como era ter uma loja online, e decidi experimentar”, afirma.

Os Sirvente resolveram arriscar. E o projeto, que começou de modo despretensioso, respondeu por um terço dos 10,8 milhões de reais faturados pela Jocar no ano passado. Desde que o site foi criado, as vendas vêm crescendo num ritmo mais acelerado na internet do que nas lojas tradicionais. Em 2010, as receitas da empresa no comércio eletrônico cresceram 83%, seis vezes mais que a expansão do faturamento das três lojas físicas, localizadas em São Paulo. 


O site permitiu que a Jocar tivesse acesso a um tipo de cliente que raramente aparece em suas unidades tradicionais. “Quem frequenta o varejo de autopeças são mecânicos e donos de pequenas oficinas, que compram peças para consertar os carros de seus clientes”, afirma Sirvente. “Na internet, mais de 95% das vendas são feitas para o consumidor final.”

É o caso, por exemplo, de colecionadores de automóveis, que procuram peças para recuperar modelos antigos. “São clientes que compram itens mais simples, que não exigem muito conhecimento técnico para que possam ser instalados”, afirma Sirvente.

Uma nova vocação para os negócios

Durante muito tempo, a carioca Acuapure padeceu de um mal comum entre empresas que nascem para explorar um negócio inovador — a dificuldade de seus donos para transformar ideias em resultados. Fundada no começo dos anos 90 pelo empreendedor João Marcos Cabral Menezes, a Acuapure produz um tipo de pastilha que mata germes e bactérias da água, tornando-a potável.

Até 2005, seu principal cliente eram as Forças Armadas, que compravam o produto para que os soldados pudessem purificar a água quando ficassem longos períodos em patrulhas ou treinamentos em regiões remotas, como a floresta Amazônica. “Para mim, aquilo era um absurdo”, diz João Pedro Menezes, de 31 anos, filho do fundador da Acuapure.

“Eu via um enorme potencial para vender as pastilhas no varejo, mas meu pai e o sócio dele só pensavam em vender para o Exército.”

É comum que os sucessores de um empreendedor tragam para o negócio as próprias ideias. É muito comum, também, que essas ideias sejam vistas com certo ceticismo pelas gerações anteriores. João Pedro Menezes encarava isso como uma frustração — a Acuapure existia havia mais de 15 anos, mas enfrentava dificuldades para crescer, com receitas que dificilmente superavam 700 000 reais por ano.


Em 2004, ele formou um grupo de representantes para levar as pastilhas da empresa para o varejo. As primeiras tentativas foram desanimadoras. Depois de bater às portas dos compradores de grandes supermercados, Menezes não encontrou ninguém interessado. “Diziam que o produto era praticamente desconhecido e que a embalagem parecia de remédio”, afirma.

“A situação só mudou depois que decidi fazer panfletos explicativos sobre as pastilhas e contratei uma promotora para ficar nos supermercados apresentando o produto aos clientes”. Um ano depois, as vendas no varejo já respondiam por 30% das receitas da Acuapure.

Desde então, o negócio começou a crescer mais rápido. “Antes crescíamos no máximo 5% ao ano, e agora nossa expansão supera os 20% anuais”, diz Menezes. Em 2010, as receitas da Acuapure atingiram 3 milhões de reais. 

Com as vendas no varejo crescendo, Menezes entrou em acordo com o pai e assumiu o comando dos negócios. “Ele preferiu se afastar do dia a dia e acompanhar a empresa como conselheiro”, diz. Hoje, a linha de produtos que a Acuapure vende em supermercados é a principal fonte de receita da empresa. “Demorou, mas provei que eu estava certo”, afirma Menezes. “Conseguimos descobrir a verdadeira vocação para os negócios da Acuapure.”

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