Exame Logo

Entre dois mundos

Depois de dar aulas em escolas públicas, Heloisa Melillo entendeu o que as pessoas mais pobres querem. Hoje, ela ajuda empresas a se comunicar com o consumidor popular

Heloísa Melillo, dona da H.Melillo (Daniela Toviansky)
DR

Da Redação

Publicado em 18 de fevereiro de 2011 às 11h48.

 Em 1983, em seu primeiro contato com estudantes de baixa renda numa escola da periferia de São Paulo, a professora Heloisa Melillo, de 48 anos, quase foi atingida por uma cadeira, lançada por um jovem que fazia arruaça na classe. "Era uma sala cheia de repetentes tidos como sem salvação", diz Heloisa. Naquele instante, perplexa com a recepção agressiva, ela se arrependeu de ter aceitado o emprego. "Mas, no momento seguinte, pensei: se eles continuam a frequentar a escola depois de tantos anos sem conseguir avançar, é porque devem ter alguma vontade de aprender", diz. Heloisa foi em frente — e permaneceu, por mais de uma década, lecionando para moradores de favelas<br>
e de bairros pobres da cidade.</p> 

Durante esse período, Heloisa acumulou uma experiência de vida incomum que deu origem a seu próprio negócio, a H. Melillo. A empresa deve faturar 26 milhões de reais neste ano assessorando negócios, como a concessionária de energia elétrica AES Brasil, a mineradora Vale e a concessionária EcoRodovias, que patrocinam campanhas educativas e outros tipos de ação social para se comunicar com o público de baixa renda.

A H. Melillo está avançando depressa. "Neste ano, o faturamento deve dobrar em relação a 2009", diz ela. O mercado em que Heloisa atua vem crescendo de forma acelerada nos últimos tempos. Segundo uma pesquisa feita com 4 000 empresas de diversos tamanhos pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), no ano passado os gastos delas com projetos de caráter voluntário e de combate à pobreza chegaram a 8,5 bilhões de reais — valor 54% mais alto que o apontado no levantamento anterior, de 2006. "Em 1996, quando minha empresa começou, poucos executivos de grandes companhias se interessavam por esse assunto", diz Heloisa. "Hoje eles procuram nossa ajuda para entender como suas empresas podem se aproximar das comunidades de baixa renda sem ser invasivas."

Veja também

Há algum tempo, a H. Melillo foi contratada pela AES para organizar uma campanha que tinha como objetivo reduzir acidentes com a rede  elétrica, combater ligações clandestinas e ensinar moradores de bairros pobres a economizar energia. "Não adianta passar uma mensagem dessas apenas afirmando que isto é certo e aquilo é errado", diz Heloisa. "É preciso explicar como, exatamente, fazer a coisa certa os beneficia."

Foi por isso que ela organizou encontros em que alguém explicava, por exemplo, que uma conta de luz serve de comprovante de residência para abrir um crediário. Nessas conversas, os moradores também recebiam recomendações simples, como não deixar o chuveiro elétrico no modo inverno em dias quentes para economizar nos gastos com luz.

Para despertar o interesse por essas minipalestras, a H. Melillo providenciou lâmpadas fluorescentes (justamente por serem mais econômicas que as comuns) para ser dadas como brinde a quem comparecesse portando uma lâmpada usada para fazer a troca.


Foi também à empresa de Heloisa que a AES confiou o desenvolvimento de um projeto de grande monta, a Casa de Cultura e Cidadania — uma espécie de escola alternativa onde crianças e adolescentes de famílias pobres entre 6 e 18 anos fazem aulas de música e de circo, ginástica artística e dança contemporânea. Iniciado há três anos, o projeto já gerou seis unidades em São Paulo — cada uma representa um investimento de 20 milhões de reais. "Procuramos por um bom tempo uma empresa capaz de criar projetos úteis para as comunidades e que trouxesse resultados para nós. Até que encontramos a Heloisa", diz Luciana Alvarez, executiva responsável pelo patrocínio da AES em ações
sociais. "Ela faz bem essa ponte entre o mundo corporativo e o das pessoas carentes."

Heloisa começou a transitar nesses dois mundos em meados dos anos 90, quando um problema nas articulações a obrigou a diminuir o ritmo das aulas. Um amigo soube que ela andava com algum tempo livre e a indicou para organizar festas e cerimônias para empresas. Muito antes que expressões como "incorporação de práticas sociais" e "eventos socialmente sustentáveis" fossem repetidas tão exaustivamente a ponto de hoje ser utilizadas por muita gente que quer emprestar importância a qualquer distribuição de salgadinhos, Heloisa começou a trazer —
de verdade — relevância social para alguns desses eventos empresariais. "Em vez de contratar uma banda profissional para alegrar uma festa, eu trazia um coral de crianças carentes", diz ela. "Na época, não era comum. Muita gente se emocionava."

Cidadania à parte, Heloisa tem pela frente o mesmo desafio de muitos outros pequenos e médios empresários — conduzir a H. Melillo a um crescimento tão sustentável quanto as iniciativas que ela organiza. Isso inclui, por exemplo, melhorar a gestão da empresa. Veio ajudá-la nessa tarefa o administrador Fabio Melillo, de 47 anos, seu marido. Ele é sócio desde o começo da empresa, mas não participava de sua administração. Seis meses atrás, ele deixou a diretoria da área de auditoria do Walmart no Brasil para tocar o dia a dia da H. Melillo. "A empresa já tem 350 funcionários e dezenas de clientes, mas continuava a operar como se ainda fosse pequenininha", diz ele.

Agora a empresa está organizada em unidades de negócio separadas. Uma promove festas e eventos para empresas. Outra é encarregada
de montar palestras e campanhas educativas. Uma terceira divisão foi criada com um objetivo especialmente valorizado por Heloisa. "Estamos dando treinamento para que as pessoas do próprio público-alvo trabalhem nos nossos projetos futuramente", diz ela. "Esse é um sonho meu."

Com a casa arrumada e mão de obra treinada, a H. Melillo está mais preparada para aproveitar novas oportunidades de expansão que podem aparecer como decorrência do aumento recente do poder de compra das famílias de classes populares. Uma das hipóteses é Heloisa ser muito assediada por um tipo de cliente que ela ainda não atende — companhias de bens de consumo interessadas em vender produtos aos mais pobres, exatamente o público que ela conhece tão bem. A H. Melillo atua principalmente em comunidades cujas famílias têm renda mensal de até 1.200 reais — a chamada classe D. "Trata-se de um mercado que movimenta 400 bilhões de reais ao ano no país", diz Renato
Meirelles, sócio do Data Popular, consultoria especializada em consumidores de baixa renda que atende clientes como o Magazine Luiza. "Não deve demorar para a empresa de Heloisa despertar maior interesse de marcas que precisam chegar lá ."

Acompanhe tudo sobre:[]
exame no whatsapp

Receba as noticias da Exame no seu WhatsApp

Inscreva-se

Mais de PME

Mais na Exame