O camelódromo Saara, no Rio de Janeiro: resistência a crises (Camila Marchon/Veja Rio)
Da Redação
Publicado em 19 de abril de 2012 às 16h08.
São Paulo - A economia informal praticada por camelôs, ambulantes e sacoleiros costuma ser vista pelos economistas como uma erva daninha no jardim dos negócios globais - uma praga difícil de exterminar, mas que deve ser combatida para que não se alastre.
Em seu mais recente livro, Stealth of Nations: The Global Rise of the Informal Economy ("A clandestinidade das nações: a ascensão global da economia informal", numa tradução livre), o jornalista americano Robert Neuwirth tenta trazer luzes que ajudem a enxergar e a entender melhor os agentes dessa economia que prospera nas sombras.
O livro é resultado de dois anos de imersão do autor na economia informal em países dos cinco continentes — incluindo o Brasil, onde visitou centros comerciais populares, como a rua 25 de Março, em São Paulo, ou o camelódromo Saara, no Rio de Janeiro. Neuwirth diz que o foco de sua investigação são apenas os produtos contrabandeados ou pirateados — e que deixou de lado outras atividades criminosas, como o tráfico de drogas e o comércio de produtos roubados.
Sua tese, bastante polêmica, é que a informalidade (ou ilegalidade) seria uma reação natural de gente com perfil empreendedor ao excesso de burocracia para formalizar seus negócios. "A economia informal é tão antiga quanto o comércio", diz Neuwirth. "Ela se mantém forte mesmo nas piores crises."
Seus cálculos dizem que, se a economia informal fosse um país, seu PIB seria inferior apenas ao dos Estados Unidos — e que metade dos trabalhadores do mundo participa, de alguma forma, da cadeia produtiva informal.
O título do livro faz um trocadilho com o clássico The Wealth of Nations (A Riqueza das Nações), do economista escocês Adam Smith, do século 18, que enxergava na liberdade de comércio o melhor caminho para a prosperidade. Neuwirth vê na redução das amarras legais ao comércio e aos negócios um caminho para diminuir a ilegalidade e trazer para a economia global milhões de pessoas com talento para empreender.
Num ambiente propício, diz ele, a economia informal poderia sair do escuro e se transformar num berço para novos negócios, formando empreendedores comprometidos com o desenvolvimento de produtos e serviços em mercados que não são do interesse das grandes empresas.
Ao traçar um perfil generoso de quem vive por baixo dos panos da lei, Neuwirth defende a ideia de que, em muitos casos, há mais inovação numa barraquinha de quem vive do contrabando, da pirataria e da sonegação de impostos do que numa empresa legal e com recursos, mas morosa demais para acompanhar o mercado.
Um exemplo de inovação trazida pela economia informal, segundo Neuwirth, são os celulares que recebem sinal de mais de uma operadora. "Eles foram produzidos primeiro pelos chineses, por encomenda de negociantes de países africanos", diz Neuwirth. "Essa adaptação foi feita antes de a Motorola lançar seu modelo dual."
A informalidade, diz Neuwirth, é forte demais para que as empresas do mundo legal vençam essa concorrência desleal só com protestos — sobretudo nos países africanos, em que é por meio dela que boa parte dos produtos de primeira necessidade chega aos consumidores mais pobres.
Em suas andanças, Neuwirth diz ter descoberto que grandes fabricantes de biscoitos, chocolates, água engarrafada e produtos de higiene fazem vista grossa para os esquemas que permitem que suas mercadorias percorram o caminho entre suas fábricas e as bancas dos camelôs, passando de um distribuidor para outro.
Em outros casos, os governos também são coniventes. Neuwirth afirma que na China clones de marcas famosas, batizados de Guuuci, Hogu Boss ou Motolola, muitas vezes saem das mesmas fábricas que fornecem esses produtos para as marcas originais — sem que o governo veja nada de mais nisso. "Os chineses não fazem distinção entre os clientes da economia formal e os do mercado informal", diz Neuwirth. “Para eles, o importante é que o negócio seja lucrativo."