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É preciso mais produtividade

Um dos mais respeitados especialistas do mercado de imóveis brasileiro, o empreendedor Fabio Nogueira diz por que as pequenas e médias empresas são fundamentais para aumentar a eficiência do setor

O empreendedor Fabio Nogueira diz por que as pequenas e médias empresas são fundamentais para aumentar a eficiência do setor (Germano Lüders / EXAME PME)
DR

Da Redação

Publicado em 16 de junho de 2014 às 19h40.

São Paulo - O paulista Fabio Nogueira passou as últimas três décadas no mercado financeiro . Sua especialidade são mecanismos ligados a imóveis , como hipotecas, securitizações e créditos imobiliários. Mas, sinceramente, é um desperdício tomar o tempo dele para falar apenas de papéis. A parte mais interessante da conversa não está em prever se o preço dos imóveis está para subir ou cair, ou em especular se comprar apartamento para alugar é bom investimento.

Suas opiniões sobre o que precisa ser feito para que cada vez mais brasileiros possam morar decentemente é o que merece maior atenção — sobretudo da parte de empreendedores interessados em construir negócios que ajudem a resolver os grandes problemas do país. Nogueira está com 52 anos. “Estou numa idade em que me sinto muito tranquilo para fazer aquilo em que acredito”, diz ele. Conheça, pois, suas crenças.

EXAME PME - O crescimento no setor de imóveis fez a oferta de domicílios crescer mais de 9% desde 2007. Mas o déficit habitacional estacionou em torno de 5 milhões de residências. Por que não houve avanço?

Fabio Nogueira - Uma razão é o poder aquisitivo, que cresceu. A outra é o bônus demográfico, que está trazendo muitos jovens para o mercado de trabalho. O déficit teria subido muito mais se a oferta de imóveis e financiamento não tivesse crescido. O maior problema está no que chamo de déficit qualitativo.

O que é déficit qualitativo?

É a grande quantidade de famílias que têm onde morar, mas moram mal. São domicílios sem acesso a rede sanitária, água encanada e que carecem de algum tipo de manutenção.

O déficit qualitativo é um problema maior que a dificuldade de obtenção de crédito?

Até recentemente, a dificuldade de financiamento era gigante. Mas esse é um obstáculo que vem sendo enfrentado. Hoje é possível pagar uma casa em 35 anos. Pouco tempo atrás, o prazo máximo era de 15 anos. A relação entre crédito imobiliário e PIB hoje é de quase 7%. Era de 4% em 2010. O importante é a tendência — a previsão é chegar a 10% em quatro anos. Quantos setores estão evoluindo tanto assim?

Qual a importância dos empreendedores para atacar o déficit qualitativo?

É enorme. Muitos dos entraves estão em mercados que não interessam a grandes companhias, mas que são ótimas oportunidades para uma pequena ou média empresa. Cabe a elas diminuir vários gargalos.

Dê um exemplo.

Um deles é aumentar o nível de industrialização, que é baixo quando comparado com outros setores. Um dos negócios abordados na reportagem, a Tecverde (veja na pág. 67), está fazendo isso. [A fábrica da empresa produz estruturas que já incluem paredes e coberturas. Elas são transportadas para o local da construção, onde a obra é finalizada.] O produto da Tecverde estimula a celeridade e diminui o desperdício, na medida em que traz mais planejamento e profissionalismo para o setor.

Como a Tecverde traz profissionalismo?

Produzir uma estrutura pré-moldada exige um mínimo de controle de qualidade e gestão. É preciso cumprir cronogramas. De outra forma, uma empresa dessas não consegue bons clientes, não consegue entrar na cadeia produtiva. Ela ajuda a trazer qualidade de gestão — algo muito importante para a eficiência do setor.


A maioria das casas populares precisa de reforma, mas poucas estão sendo consertadas. Isso é déficit qualitativo?

A incompreensão da importância de manter a manutenção da casa em dia pode ter graves consequências. Uma torneira pingando é uma fonte de desperdício de água. Um encanamento de má qualidade pode estar ligado a uma infiltração. Infiltrações estragam paredes e aumentam a umidade da casa, o que pode agravar doenças. Somados, esses problemas comuns podem evoluir para danos que afetam a qualidade e o valor do imóvel.

Nossa reportagem encontrou uma startup, a Na Reforma, que faz cartilhas e workshops para explicar a comunidades carentes como fazer diagnósticos de problemas na casa. Esse negócio tem futuro?

Tudo o que vem para ampliar o conhecimento sobre moradias e despertar a consciência para os problemas é muito importante. Quem são os clientes?

São fabricantes de material de construção.

Isso diz muito sobre as mudanças que estão acontecendo neste país. Até pouco tempo atrás, seria impensável ver fabricantes promovendo algo que pudesse não gerar resultado direto. Começam a ser ligados elos importantes na cadeia produtiva. O bacana é que o impacto do trabalho da Na Reforma vai além de quem recebeu a aula. Esse cara vai ensinar ao filho, ao vizinho. Adorei essa empresa.

Outra empresa que achamos é a Centro Vivo, que compra edifícios depredados, os reforma e põe os apartamentos à venda.

Olha, essa empresa faz muito mais do que isso. Ela ajuda a mudar a cultura do brasileiro de classe média de querer só imóvel novo. Sou fã de imóveis usados. A gente entra neles, vê, toca. Não tem perigo de comprar um sonho. Reciclar imóveis é fundamental, senão eles viram sucata. É bom para o meio ambiente.

Qual a diferença entre a Centro Vivo e investidores que ganham dinheiro vendendo imóveis velhos depois de reformados?

Alguém que sai atrás de encanador, pedreiro, marceneiro é apenas uma pessoa fazendo reforma. Outra coisa é um empreendedor montar uma empresa que compra prédios problemáticos que ninguém quer, os restaura e transforma em moradia. É preciso ter processos, produtividade, saber diluir custos. A Centro Vivo ataca o desperdício [o imóvel abandonado], o custo [aproveita terrenos, que estão cada vez mais caros, sobretudo nos centros urbanos] e traz liquidez para um investimento encalhado.

Segundo algumas estatísticas, há mais de 6 milhões de domicílios vazios ou abandonados. É mais que o déficit habitacional brasileiro. Faltam casas, mas também sobram. O que fazer?

A questão vai muito além dos programas de financiamento governamentais. É um mercado complexo, com um monte de desafios — e, portanto, oportunidades. É uma realidade a ser mudada. E mudar realidades é a missão do empreendedor.

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São Paulo - O paulista Fabio Nogueira passou as últimas três décadas no mercado financeiro . Sua especialidade são mecanismos ligados a imóveis , como hipotecas, securitizações e créditos imobiliários. Mas, sinceramente, é um desperdício tomar o tempo dele para falar apenas de papéis. A parte mais interessante da conversa não está em prever se o preço dos imóveis está para subir ou cair, ou em especular se comprar apartamento para alugar é bom investimento.

Suas opiniões sobre o que precisa ser feito para que cada vez mais brasileiros possam morar decentemente é o que merece maior atenção — sobretudo da parte de empreendedores interessados em construir negócios que ajudem a resolver os grandes problemas do país. Nogueira está com 52 anos. “Estou numa idade em que me sinto muito tranquilo para fazer aquilo em que acredito”, diz ele. Conheça, pois, suas crenças.

EXAME PME - O crescimento no setor de imóveis fez a oferta de domicílios crescer mais de 9% desde 2007. Mas o déficit habitacional estacionou em torno de 5 milhões de residências. Por que não houve avanço?

Fabio Nogueira - Uma razão é o poder aquisitivo, que cresceu. A outra é o bônus demográfico, que está trazendo muitos jovens para o mercado de trabalho. O déficit teria subido muito mais se a oferta de imóveis e financiamento não tivesse crescido. O maior problema está no que chamo de déficit qualitativo.

O que é déficit qualitativo?

É a grande quantidade de famílias que têm onde morar, mas moram mal. São domicílios sem acesso a rede sanitária, água encanada e que carecem de algum tipo de manutenção.

O déficit qualitativo é um problema maior que a dificuldade de obtenção de crédito?

Até recentemente, a dificuldade de financiamento era gigante. Mas esse é um obstáculo que vem sendo enfrentado. Hoje é possível pagar uma casa em 35 anos. Pouco tempo atrás, o prazo máximo era de 15 anos. A relação entre crédito imobiliário e PIB hoje é de quase 7%. Era de 4% em 2010. O importante é a tendência — a previsão é chegar a 10% em quatro anos. Quantos setores estão evoluindo tanto assim?

Qual a importância dos empreendedores para atacar o déficit qualitativo?

É enorme. Muitos dos entraves estão em mercados que não interessam a grandes companhias, mas que são ótimas oportunidades para uma pequena ou média empresa. Cabe a elas diminuir vários gargalos.

Dê um exemplo.

Um deles é aumentar o nível de industrialização, que é baixo quando comparado com outros setores. Um dos negócios abordados na reportagem, a Tecverde (veja na pág. 67), está fazendo isso. [A fábrica da empresa produz estruturas que já incluem paredes e coberturas. Elas são transportadas para o local da construção, onde a obra é finalizada.] O produto da Tecverde estimula a celeridade e diminui o desperdício, na medida em que traz mais planejamento e profissionalismo para o setor.

Como a Tecverde traz profissionalismo?

Produzir uma estrutura pré-moldada exige um mínimo de controle de qualidade e gestão. É preciso cumprir cronogramas. De outra forma, uma empresa dessas não consegue bons clientes, não consegue entrar na cadeia produtiva. Ela ajuda a trazer qualidade de gestão — algo muito importante para a eficiência do setor.


A maioria das casas populares precisa de reforma, mas poucas estão sendo consertadas. Isso é déficit qualitativo?

A incompreensão da importância de manter a manutenção da casa em dia pode ter graves consequências. Uma torneira pingando é uma fonte de desperdício de água. Um encanamento de má qualidade pode estar ligado a uma infiltração. Infiltrações estragam paredes e aumentam a umidade da casa, o que pode agravar doenças. Somados, esses problemas comuns podem evoluir para danos que afetam a qualidade e o valor do imóvel.

Nossa reportagem encontrou uma startup, a Na Reforma, que faz cartilhas e workshops para explicar a comunidades carentes como fazer diagnósticos de problemas na casa. Esse negócio tem futuro?

Tudo o que vem para ampliar o conhecimento sobre moradias e despertar a consciência para os problemas é muito importante. Quem são os clientes?

São fabricantes de material de construção.

Isso diz muito sobre as mudanças que estão acontecendo neste país. Até pouco tempo atrás, seria impensável ver fabricantes promovendo algo que pudesse não gerar resultado direto. Começam a ser ligados elos importantes na cadeia produtiva. O bacana é que o impacto do trabalho da Na Reforma vai além de quem recebeu a aula. Esse cara vai ensinar ao filho, ao vizinho. Adorei essa empresa.

Outra empresa que achamos é a Centro Vivo, que compra edifícios depredados, os reforma e põe os apartamentos à venda.

Olha, essa empresa faz muito mais do que isso. Ela ajuda a mudar a cultura do brasileiro de classe média de querer só imóvel novo. Sou fã de imóveis usados. A gente entra neles, vê, toca. Não tem perigo de comprar um sonho. Reciclar imóveis é fundamental, senão eles viram sucata. É bom para o meio ambiente.

Qual a diferença entre a Centro Vivo e investidores que ganham dinheiro vendendo imóveis velhos depois de reformados?

Alguém que sai atrás de encanador, pedreiro, marceneiro é apenas uma pessoa fazendo reforma. Outra coisa é um empreendedor montar uma empresa que compra prédios problemáticos que ninguém quer, os restaura e transforma em moradia. É preciso ter processos, produtividade, saber diluir custos. A Centro Vivo ataca o desperdício [o imóvel abandonado], o custo [aproveita terrenos, que estão cada vez mais caros, sobretudo nos centros urbanos] e traz liquidez para um investimento encalhado.

Segundo algumas estatísticas, há mais de 6 milhões de domicílios vazios ou abandonados. É mais que o déficit habitacional brasileiro. Faltam casas, mas também sobram. O que fazer?

A questão vai muito além dos programas de financiamento governamentais. É um mercado complexo, com um monte de desafios — e, portanto, oportunidades. É uma realidade a ser mudada. E mudar realidades é a missão do empreendedor.

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