Zica de Assis: "Só quem tem cabelo crespo sabe o trabalho que dá " (Filipe Redondo)
Da Redação
Publicado em 18 de julho de 2013 às 08h37.
São Paulo - Na noite da última sexta-feira do mês de maio, a produtora de eventos Bruna Esteves, de 26 anos, juntou-se a um grupo de 45 mulheres para fazer uma viagem incomum. Elas saíram de São Paulo num ônibus fretado para chegar ao Rio de Janeiro nas primeiras horas da manhã seguinte.
O objetivo era estar bem cedo num dos salões do Instituto Beleza Natural, rede carioca especializada em tratar cabelos enrolados. Logo após o meio-dia, depois de passarem por uma sessão que deixa os cachos controlados e soltos, Bruna e suas companheiras viajaram de volta para São Paulo.
“Desde 2011, quando descobri o Beleza Natural, não trato meus cabelos em nenhum outro lugar”, diz ela. “Resolvi montar as caravanas para ajudar outras pessoas com cabelos difíceis, como o meu.”
A existência de caravanas como as de Bruna, cuja frequência é mensal e já tem 150 participantes, dá uma ideia da força da marca criada há 20 anos pela empreendedora carioca Heloisa Helena de Assis, de 52 anos, a Zica.
“Há uma porção dessas caravanas, que vêm de vários lugares do Brasil. Uma delas sai de Camaragibe, em Pernambuco. Há outra que vem de Muqui, no Espírito Santo”, afirma Zica. “Atrair gente de tão longe me dá a certeza de que estamos no caminho certo.”
No fim de junho, Zica e seus três sócios — Leila Velez, Rogério Assis e Jair Conde — venderam, por 70 milhões de reais, um terço da empresa para o GP, um dos mais agressivos fundos de investimento do Brasil (o GP tem participação em empresas que estão entre as líderes de seus mercados, como a rede de lojas Centauro e as faculdades Estácio).
No fato relevante publicado pelo GP na imprensa, seus executivos revelam que as receitas do Beleza Natural crescem, em média, 30% ao ano desde 2001. No ano passado, o faturamento atingiu 140 milhões de reais, com a prestação dos serviços e a venda de cremes para manutenção do tratamento.
Os recursos do aporte serão destinados à expansão da marca — em cinco anos, o Beleza Natural deverá ter 120 unidades em estados do Sudeste e do Nordeste.
Pelas poltronas dos 13 salões do Beleza Natural de cidades do Rio de Janeiro, do Espírito Santo e da Bahia passaram todos os meses, em média, 90.000 mulheres no ano passado. O procedimento que as atrai tem o nome de super-relaxamento. A promessa é, em vez de alisar os fios, modelar os cachos e os manter sob controle por pelo menos um mês.
A história da fundadora do Beleza Natural não é muito diferente da de boa parte das clientes da empresa. Muitas já chegaram a chorar diante do espelho por não conseguir domar a cabeleira rebelde com cremes e tratamentos comuns.
“Só quem tem cabelo crespo sabe o trabalho que dá”, diz Zica. Antigamente, conta ela, as donas de casa a olhavam com certa desconfiança nas entrevistas de emprego para trabalhar como empregada doméstica. “Meu cabelo não ficava em ordem e parecia que eu era desleixada.”
Aos 21 anos, Zica resolveu fazer um curso de cabeleireira — mais para resolver o próprio problema do que para ganhar dinheiro. Os tratamentos não davam muito certo — ora o resultado alisado era muito artificial, ora os fios ficavam danificados e, quase sempre, ambas as coisas. Zica começou, por sua conta e risco, a misturar produtos com uma colher de pau numa bacia de plástico. Ela testava a gororoba na própria cabeça.
“Foram várias as vezes que o cabelo caiu devido à mistura química”, afirma. No começo dos anos 90, Zica chegou a um composto que lhe agradou. “Comecei a receber elogios na rua e me empolguei”, afirma. “Orientada por uma patroa, convidei uma química para aperfeiçoar minha fórmula e registrar a patente.”
Em 1993, depois de abrir a primeira loja, Zica se tornou sócia de Leila Velez, de 39 anos, hoje presidente da empresa. Leila implantou um método muito parecido com o da linha de preparação de alimentos do McDonald’s, onde trabalhou como atendente.
Como no McDonald’s, o trabalho é feito por etapas, muito bem definidas. Uma sessão básica é dividida em sete fases, cada uma feita por um funcionário treinado para aquela parte.
O processo obedece a padrões de qualidade e produtividade, o que permite controlar bem os custos e gerir o negócio. Até agora, o preço — cerca de 70 reais no Rio de Janeiro — vem cabendo na bolsa das mulheres de classe C, o maior público do Beleza Natural.
Há pouco mais de dois anos, durante um curso de negócios feito na Universidade de Colúmbia, Leila começou a pensar como teria de ser uma loja que viabilizasse a expansão da marca. “Alguns dos salões mais antigos têm 1.500 metros quadrados de área e 130 funcionários”, diz Leila.
“É um formato que requer um custo alto para ser replicado.” Leila contratou arquitetos e engenheiros de produção para desenhar uma loja-modelo otimizada. Adaptações nos móveis e nos equipamentos permitiram aproveitar melhor o espaço. As lojas-modelo ocupam apenas um pouco mais da metade das unidades antigas e seu custo de implantação é um terço.
A possibilidade de crescer muito foi fundamental nas conversas com o GP e com os outros seis fundos e empresas com as quais o Beleza Natural chegou a negociar aportes.
Zica e Leila são antigas conhecidas do GP. Desde 2005, quando o Beleza Natural entrou para a Endeavor, organização de fomento ao empreendedorismo, elas têm contato frequente com seus gestores. É possível que o GP ajude-as a internacionalizar a marca. “O mercado é gigante nos Estados Unidos”, afirma Leila.
A operação não seria novidade para o GP. O fundo liderou a expansão da rede de churrascarias Fogo de Chão no mercado americano. Em 2012, a Fogo de Chão foi vendida por 400 milhões de dólares — 70% das receitas vinham das unidades americanas.