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Da cervejaria à padaria, uma farinha para combater o desperdício

A Rise Products, converte o grão em uma farinha e está chegando a padarias e cozinhas sustentáveis em Nova York e Itália

Farinha de cevada: na cozinha temporária da Rise Products, em Nova York, Bertha Jimenez prepara a farinha feita com grãos usados na fabricação de cerveja fornecidos pelas cervejarias locais (George Etheredge/The New York Times)
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EXAME Hoje

Publicado em 11 de julho de 2018 às 08h28.

Última atualização em 11 de julho de 2018 às 10h18.

Nova York – Para algumas pessoas, a cerveja é o fim perfeito para um dia de trabalho; para Bertha Jimenez, é o início de uma nova forma de eliminar o desperdício de alimentos.

Todos os dias, as cervejarias jogam fora milhões de quilos de grãos que poderiam ter outros usos. Parte deles é reutilizada como ração animal, na compostagem ou como combustível para aquecimento, mas pouco é usado por seu valor alimentar.

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Mas Jimenez, 35 anos, criou uma pequena empresa, a Rise Products, que converte o grão em uma farinha que está chegando a padarias e cozinhas sustentáveis em Nova York, e até na Itália.

O potencial de reciclagem dos resíduos da cerveja surgiu pela primeira vez para a imigrante equatoriana enquanto ela fazia seu doutorado, em 2015, na Faculdade Tandon de Engenharia da Universidade de Nova York. Com a intenção de encontrar maneiras de reduzir os resíduos industriais, iniciou um projeto paralelo com amigos que pensavam como ela – a maioria também de imigrantes – e a cerveja artesanal foi um alvo fácil: todo mundo adorou a ideia, mas havia problemas.

Jimenez vive no Brooklyn, que na última contagem tinha 20 cervejarias artesanais desperdiçando grãos. Jimenez e Ashwin Gopi, amigo e um dos fundadores da Rise, começaram a pedir amostras para que pudessem descobrir a melhor forma de reutilizá-los.

Gopi ligou para Jeff Lyons, que era então o mestre cervejeiro da Greenpoint Beer & Ale Co. "Eles me disseram que estavam tentando reduzir o desperdício", disse Lyons, que rapidamente concordou em fornecer alguns grãos – três Tupperwares de resíduos, tudo que os alunos poderiam levar. "O grão ainda tem valor nutricional, e estávamos jogando tudo fora."

A fermentação é baseada em grãos, geralmente a cevada maltada, que são primeiramente embebidos em água quente. Essa etapa libera os açúcares, cruciais para a produção posterior do álcool. Uma vez que isso acontece, eles são descartados.

Sabendo que a cevada era saudável, Gopi, Jimenez e uma terceira fundadora, Jessica Aguirre, partiram para experimentá-la. Tinha a aparência e o gosto de arroz integral, mas era mais leve. Eles transformaram o material em um mingau, e produziram cookies e bolos, mas quando levaram o grão seco aos padeiros para avaliar seu interesse, foram recebidos com indiferença.

Por fim, Peter Endriss, proprietário da padaria Runner & Stone, no Brooklyn, sugeriu que eles fizessem uma farinha. "Parecia uma reutilização lógica dos grãos usados na cerveja", disse ele.

"Farinha de cerveja": os grãos fornecidos pelas cervejarias locais são preparados para secar na Rise Products, em Nova York (Reprodução/The New York Times)

Hoje, a equipe da Rise Products produz sua farinha em uma cozinha comercial em Long Island City, no Queens. Os grãos são secos em um forno e depois moídos e peneirados, tornando-se um pó fino. O processo é todo feito à mão, por isso custa US$18 o quilo no atacado, e US$35 no varejo. Segundo os sócios, o preço vai cair quando conseguirem mais dinheiro, a mudança para um espaço maior e a automatização do processo.

Mas, por causa do crescente interesse em reduzir o desperdício, muitos chefs e padeiros já estão ansiosos para trabalhar com o que a equipe chama de "super farinha".

Na Runner & Stone, Endriss faz cookies no estilo shortbread, usando metade de farinha da Rise e metade da comum. A Bien Cuit, outra padaria do Brooklyn, criou um bolo de chocolate, cevada e doce de leite com a farinha da Rise. Na Sfoglini, fabricante de massas no Brooklyn, ela entra na produção dos radiatori, em uma combinação de sêmola de trigo duro e centeio.

Outro campeão de reciclagem de resíduos alimentares é o chef italiano Massimo Bottura, a quem Jimenez, por impulso, enviou um e-mail, em 2017, para ver se ele gostaria de uma amostra. Ele aceitou, e mais tarde sua equipe pediu mais 7 quilos. Não se sabe ainda o que vão fazer, mas um dia ela pode aparecer no cardápio no restaurante Bottura Osteria Francescana, em Modena, na Itália, que foi recentemente agraciado com o primeiro lugar na lista dos 50 melhores restaurantes do mundo.

A farinha de cevada da Rise Products tem um terço do carboidrato da farinha tradicional e, por ser feita de cevada, tem o dobro da proteína e 12 vezes mais fibra (Reprodução/The New York Times)

Os sócios da Rise dizem que algumas grandes marcas também solicitaram amostras, incluindo a Kellogg's, o Whole Foods e fabricantes terceirizados da Nestlé e sua subsidiária DiGiorno Pizza. (A Barilla, fábrica italiana de massas, investiu na ReGrained, uma pequena startup em San Francisco, que está fazendo barras de granola com resíduos de cervejarias e sua própria farinha de grãos.)

Joel Gamoran, chef nacional das lojas Sur La Table, adorou o aroma da farinha da Rise quando abriu uma embalagem no ano passado. "Ela tem essa coisa maluca das nozes que você não percebe na farinha", disse ele. Gamoran quer usá-la em suas aulas de culinária, mas, até que o preço baixe, tudo fica apenas na conversa.

Como a cevada contém menos glúten que o trigo, funciona melhor com os alimentos que não precisam crescer muito, como biscoitos ou pão. Gamoran usou a farinha da Rise para fazer biscotti, shortbread e wafers, que acredita serem "400 vezes melhor do que qualquer coisa que já fiz".

E, porque a fermentação remove açúcares, a farinha da Rise tem um terço do carboidrato da farinha tradicional; feita de cevada, tem o dobro da proteína e 12 vezes mais fibra.

A Rise agora usa cerca de 545 quilos de grãos por semana, adquiridos de várias cervejarias artesanais do Brooklyn; é preciso cerca de 2 quilos para fazer meio quilo de farinha.

Para crescer, a empresa recorreu a diversos aceleradores de negócios que poderiam fornecer dinheiro e orientação. Em 2016, depois que Jimenez concluiu o doutorado, a Rise se juntou à Food-X, uma aceleradora na cidade de Nova York, e concluiu planos para um processo mecânico que poderia acelerar sua produção. O programa os colocou em contato com um advogado que os ajudou a registrar a patente do método em 2017.

Nesse mesmo ano, a equipe juntou-se à Laudato Si' Challenge, uma aceleradora de Roma focada na resolução de problemas globais como restos de alimentos, inspirada pelo Papa Francisco.

Em preparação para a exposição final, Jimenez e Aguirre conseguiram fazer uma xícara de farinha usando um micro-ondas em seu apartamento Airbnb em Roma. As duas fizeram um pão de banana e o serviram ao cardeal Peter Turkson, de Gana, o representante do Vaticano na apresentação. Ele gostou. "Foi um momento de orgulho", disse Aguirre.

A equipe espera ir além das sobras de cervejarias, podendo também usar subprodutos de adegas ou bares de sucos. Qualquer coisa com um teor de umidade de mais de 70 por cento funciona. Com um fluxo infinito de resíduos a ser aproveitado, os fundadores – que vêm da Índia, da Lituânia, da Coréia e de outras nações – planejam ir além dos Estados Unidos.

"Em longo prazo, podemos levar isso para países como os nossos. Buscamos tecnologias que não sejam proibitivas para outros povos", disse Jimenez.

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