Contra assédio no transporte, "Uber" só para mulheres chega a empresas
O aplicativo FemiTaxi lançou uma versão corporativa - e espera adicionar 140 mil reais ao seu faturamento neste ano com a inclusão do serviço
Mariana Fonseca
Publicado em 3 de julho de 2018 às 06h00.
Última atualização em 3 de julho de 2018 às 06h00.
São Paulo - O FemiTaxi, aplicativo de mobilidade urbana que une passageiras e motoristas mulheres , acaba de expandir sua atuação: agora, empresas também poderão contratar o serviço para suas funcionárias.
“Decidimos criar o FemiTaxi corporativo porque, ao longo do nosso tempo de operação, recebemos em torno de 800 pedidos para oferecer uma opção corporativa. Recentemente adaptamos a nossa plataforma para atender essa demanda”, afirma Charles-Henry Calfat, CEO do FemiTaxi.
A novidade traz ao universo corporativo um alívio parcial diante de um problema que aflige muitas mulheres: o medo de assédio ao praticar um ato tão simples quanto se locomover. Se depender das estatísticas, o FemiTaxi e outros aplicativos de mobilidade urbana ainda possuem muita demanda a explorar.
Necessidade de mercado
A ideia de negócio surgiu quando o administrador franco-brasileiro começou a ouvir, há três anos, reclamações de assédio de diversas amigas ao usarem serviços privados de transporte. Os problemas iam desde olhares invasivos pelo retrovisor até perguntas sobre se elas tinham namorado e sobre o número de celular - sem falar sobre o medo e a insegurança que elas sentiam quando o motorista resolvia fazer um caminho alternativo.
Calfat juntou o relato das amigas a algumas pesquisas sobre o tema. A cada segundo, uma mulher é vítima de assédio no Brasil. Na época, outra pesquisa também mostrou que 56% preferem ser conduzidas por motoristas também do sexo feminino. Com a proposta de dar mais conforto, segurança e tranquilidade para o público feminino, o empreendedor lançou o FemiTaxi em dezembro de 2016.
O FemiTaxi funciona de maneira similar a outros apps de transporte urbano: basta abrir a aplicação, colocar endereços de partida e destino e selecionar ou o serviço de taxistas ou de motoristas particulares, todas mulheres.
A cada corrida, uma taxa de 18% sobre o valor da viagem é redirecionada para a motorista particular, e de 10% a 11,9% no caso das taxistas. O ticket médio de uma viagem é de 29,50 reais. A ferramenta está disponível para Android e iOS.
Além do foco no público feminino, outro serviço diferencial do FemiTaxi é o de “crianças desacompanhadas”. Em troca de uma taxa adicional de 10 reais, a mãe pode agendar uma viagem a seu filho com uma motorista particular ou taxista de sua escolha na plataforma. A motorista usa o próprio celular para gravar o que se passa dentro do carro e envia um link de transmissão para a mãe, que acompanha em tempo real o trajeto.
O negócio começou em São Paulo, mas hoje já opera também em Belo Horizonte, Brasília, Campinas, Goiânia, Rio de Janeiro e Santos.
Além de enfrentar gigantes como 99, Cabify e Uber, a FemiTaxi ganhou uma concorrência mais direta com o passar do tempo. O aplicativo Lady Driver, por exemplo, surgiu em março de 2017.
“Hoje em dia, existe uma grande demanda por motoristas mulheres. Inclusive, diversas motoristas já conseguem trabalhar unicamente com aplicativos femininos”, diz Calfat, que acrescenta que a concorrência é uma oportunidade de inovar e colocar em destaque os diferenciais do FemiTaxi. Além do agendamento de corridas e do serviço para crianças, o app possui um projeto piloto com câmeras de segurança e um “botão de pânico” no interior dos veículos.
Desde seu lançamento, o FemiTaxi recebeu 500 mil reais em investimentos e registra crescimento de 25% ao mês em suas corridas, diz Calfat. O aplicativo deve voltar a buscar aportes em breve, com uma projeção de levantar 4 milhões de reais em 2018.
O faturamento médio mensal do serviço está em 300 mil reais, com mais de 40 mil passageiras cadastradas na plataforma e mais de 5 mil motoristas. O negócio fez 140 mil viagens em 2017 e planeja realiza 360 mil delas neste ano. Cerca de 10% do custo total da viagem serve para pagar as despesas administrativos do FemiTaxi.
Versão corporativa
De acordo com Calfat, a solução corporativa visa atender três perfis empresariais. Primeiro, diretoras com cargo alto em pequenas e médias empresas, que querem utilizar e oferecer o serviço para suas funcionárias mulheres (ainda que o negócio também tenha funcionários homens). O segundo o perfil é o de homens com cargo alto em empresas e que querem melhorar a imagem da companhia em relação à cultura organizacional, dando voz às mulheres e oferecendo mais bem-estar a elas. Por fim, o último perfil é o de ONGs formadas por mulheres, que valorizam e lutam pelo empoderamento feminino.
Com a solução, as funcionárias podem ir a eventos, reuniões externas e outros compromissos pela cidade de forma mais tranquila. Se a empresa selecionar a categoria mais barata, Economy - Particular, a viagem fica até 40% mais econômica do que por outras categorias do app, como Select e Top.
A empresa só precisa se cadastrar e fazer a integração da plataforma com seu próprio sistema. Após esse trabalho, a empresa pode optar por táxis ou transportes particulares. Depois, faz uma solicitação imediata da motorista mais próxima ou agenda a corrida. A viagem é finalizada automaticamente e a cobrança é feita por um sistema pós-pago. Funcionários do sexo masculino poderão usar o app apenas se estiverem acompanhados de uma mulher.
De acordo com Calfat, o FemiTaxi já fechou um acordo com uma associação de defesa dos animais para implementar o transporte corporativo. Nesta semana, começa a divulgação do novo serviço às usuários, por meio do próprio aplicativo. O serviço está disponível apenas em São Paulo, por enquanto.
O futuro do “Uber” para as mulheres
A expectativa do FemiTaxi é chegar ao final do ano com pelo menos 200 empresas cadastradas e um volume de 20 mil corridas. Isso seria o equivalente a 500 mil reais em viagens, adicionando 140 mil reais ao faturamento do app.
Segundo o empreendedor franco-brasileiro, o FemiTaxi (e aplicativos similares) não são uma solução em longo prazo, e sim alternativas para um momento em que tantas denúncias de assédio aparecem pelo Brasil.
Porém, esse é um problema que não parece ceder. Segundo pesquisa do Datafolha, 42% das brasileiras em São Paulo já sofreram assédio - e o medo de denunciar pode significar que o número é ainda maior na realidade.
Um estudo da ActionAid, por exemplo, informou que 86% das brasileiras já haviam sofrido assédio sexual em público. O último caso de proporção sobre o tema foi o de um grupo de brasileiros assediando uma mulher russa durante a Copa do Mundo de 2018.
Do lado das motoristas, a situação não é mais apaziguadora. Segundo levantamento realizado pelo aplicativo, 75% das motoristas se sentem inseguras em transportar homens à noite, 68,6% já recusaram corridas de homens por medo de serem assediadas e 47,9% já sofreram algum tipo de assédio enquanto trabalhavam. Por enquanto, o FemiTaxi atende uma demanda que vai muito bem, obrigada.