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Como vender para o povão

Cinco pequenas e médias empresas que conquistaram o consumidor popular mostram por que isso exige muito mais que prestações e preço baixo

Jaques Grinberg Costa, da Easycomp: Faturamento de 59 milhões de reais ao oferecer cursos para jovens que estão entrando no mercado de trabalho (Daniela Toviansky)

Jaques Grinberg Costa, da Easycomp: Faturamento de 59 milhões de reais ao oferecer cursos para jovens que estão entrando no mercado de trabalho (Daniela Toviansky)

DR

Da Redação

Publicado em 15 de setembro de 2011 às 06h00.

Nos últimos anos, poucas transformações foram tão significativas para quem faz negócios no Brasil como o aumento de renda da população e a inclusão de 50 milhões de pessoas no mercado consumidor desde 2003. Emergente, baixa renda, classe C, pobre — não importa o rótulo.

Segundo estimativas do instituto Data Popular, só neste ano a nova classe média brasileira tem 1 trilhão de reais para gastar — e um monte de exigências. Com mais escolaridade, mais informação e mais consciência de sua importância, esse consumidor está com a autoestima em alta.

Ele quer produtos que valorizem sua origem e seu modo de vida. Quer novidades. Quer gastar pouco e ser bem atendido. Quer... bem, não é fácil saber o que ele quer. Veja nas próximas páginas o que cinco pequenas e médias empresas fizeram para descobrir como vender para o povão.

O missionário da informática

São necessários dois dias e meio de viagem de barco de Manaus a Apuí, uma cidade amazonense escondida na floresta, onde moram pouco mais de 18 000 habitantes.

"Está aí o mercado ideal”, diz Jaques Grinberg Costa, de 34 anos, um advogado que deixou os livros de direito para liderar a expansão da  Easycomp, rede de escolas de informática fundada por seu pai.


Desbravar o país em busca de lugares onde a popularização do uso do computador é recente tem sido sua missão. "Nessas cidadezinhas há muita gente que precisa aprender a lidar com computador para obter o primeiro emprego", diz.

Com 400.000 alunos, neste ano a Easycomp deve faturar perto de 65 milhões de reais — 10% mais que em 2010. O estudante típico é um jovem de 16 a 18 anos, que vem de uma família que vive com até 1 500 reais por mês e está em busca de uma boa vaga no mercado de trabalho.

Mas, para isso, precisa suprir uma carência: saber um pouco mais sobre o funcionamento de programas básicos usados em escritórios para poder redigir uma carta ou agendar um compromisso. Que se apresente a paulista Suellen Pelais, de 20 anos. Há cinco anos, com a ajuda da família, ela fez um curso de webdesign na Easycomp de Osasco, na Grande São Paulo.

"Foi o empurrãozinho de que eu precisava", diz Suellen. Hoje, ela trabalha numa agência de publicidade e contribui com metade da renda familiar, de 4.300 reais mensais.

Costa participa da gestão da Easycomp desde a adolescência. Ao longo de quase duas décadas ele notou que, embora os jovens de hoje tenham nascido já com o mouse na mão, a maioria dos que procuram a Easycomp não sabe como tirar proveito disso para melhorar de vida.

"Muitos até têm computador em casa, mas eles o usam só para bater papo com amigos e jogar", diz Costa. Foi dessa observação que nasceu, por exemplo, um curso de MSN voltado para o mercado de trabalho. "Além de mostrar os recursos da ferramenta, explicamos por que não se deve usar certos termos ao enviar uma mensagem a um colega", diz Costa.

Outro curso muito procurado é o de informática para auxiliar de escritório, no qual se ensina a fazer cálculos básicos de contabilidade numa planilha. Por cursos desse tipo, pagam-se de 29,90 a 59,90 reais mensais pelo direito a 2 horas-aula semanais.

Desde sua origem, em 1993, a Easycomp se dedica ao consumidor popular. Hoje, está em mais de 500 cidades, o dobro de há dez anos. A grande abrangência foi possível devido ao sistema de ensino, que dispensa professor.


Há um time de instrutores para tirar dúvidas, o que dá margem para remanejá-los conforme a demanda. "O custo é menor do que numa escola comum, o que se reflete no preço", diz Costa.

O Chacrinha do refrigerante

Em maio, o empreendedor Ademar Bragatto, de 60 anos, sócio da Coroa, fabricante capixaba de refrigerantes, reuniu seus vendedores para dar um recado muito importante. "Lembro a vocês que amanhã é a Festa do Cafona em Colatina", disse. "É para usar camisa estampada, bermudão, óculos ‘cheguei’ e enfiar uma flor na lapela."

A festa, que tem patrocínio da Coroa, já teve a participação dos cantores Reginaldo Rossi, Perla, Sidney Magal e Falcão. Desta vez, foi um sucesso total — compareceram mais de 5  000 pessoas. Com uma atuação que se estende pelo Espírito Santo, norte do Rio de Janeiro, sul da Bahia e leste de Minas Gerais, a Coroa deve, neste ano, bater a meta dos 100 milhões de reais em receitas — 43% acima das obtidas em 2010.

Os preços da Coroa são, em média, 15% menores que os das marcas fortes. O crescimento da empresa, porém, não se explica apenas pelo menor preço. Atrás dos números também há um marketing bem-feito, que consiste em apoiar manifestações populares, como a Festa do Cafona, e valorizar diferenças culturais que sempre existem de região para região

Até o final do ano, mais de 10 milhões de garrafas sairão da linha de produção, em Vitória, enfeitadas com rótulos que variam de acordo com tradições de cada lugar.

Antes da Festa do Cafona, por exemplo, os rótulos que circularam na região de Colatina traziam, além de data e local do evento, a seguinte mensagem: deixe sua melhor roupa em casa. Durante os dois meses em que o convite-rótulo foi distribuído, as vendas dos guaranás subiram 15%.


Dono de uma personalidade extrovertida, Bragatto fala pelos cotovelos. Ele é uma espécie de Chacrinha do refrigerante — só falta gritar "quem queeerrr guaraná". A Festa do Cafona é uma das dezenas de eventos populares que ele apóia em troca da exclusividade na venda.

Também constam do orçamento o Festival de Forró, de Itaúnas, e a Festa da Polenta, de Venda Nova do Imigrante, ambas cidades do Espírito Santo.

"Onde o povão está, a Coroa está também", afirma Bragatto. Ele não fala por falar. Fundada há 75 anos, a Coroa chega a 45 000 pequenas redes de supermercados, mercearias, bares e botequins de periferias. Vários desses pontos de venda estão em locais de difícil acesso.

"No Morro do Quadro, os guaranás só sobem uma ribanceira que tem lá porque vão num 4x4", diz Bragatto. A Coroa conta ainda com 100 entregadores, que são despachados para todo tipo de fim de mundo, onde só se chega de bicicleta ou a cavalo.

"Os distribuidores das grandes marcas que concorrem com a Coroa nem sempre se dão a esse trabalho", diz Bragatto. "Eles têm dificuldade de entender que o jeito de conquistar o consumidor popular e falar com ele não pode ser o mesmo para todo lugar."

Trabalho de formiguinha

Aempreendedora Vania Scolaro, de 41 anos, é dessas pessoas que engatam uma conversa com a maior facilidade. Ela e o marido, Gervásio, são donos da Florallys, confecção de lingeries e roupa de cama, mesa e banho de Chopinzinho, no Paraná.

Com frequência, Vania faz longas viagens até São Paulo só para bater papo com donas de butiques que revendem produtos da marca. "Para certas coisas, não gosto de intermediários mesmo”, diz Vania. “Faço questão de ouvir a opinião delas sobre nossos produtos."


Esse jeito de pensar foi determinante quando, dois anos atrás, os Scolaro chegaram a uma conclusão que mudou o rumo da Florallys — a de que as vendas poderiam dar um salto se os enxovais da marca fossem apresentados a famílias da classe média emergente, cuja renda subiu 16% desde 2006. "São essas famílias que passaram a gastar mais com produtos para casa nos últimos tempos", diz Scolaro.

Vender para pessoas da parte de baixo da pirâmide social é novidade na Florallys. Fundada em 1994, a empresa começou sua história fornecendo enxovais a famílias ricas do interior paranaense. Na última década, diversificou e passou a fazer conjuntos de calcinha e sutiã — mas o alvo continuava a ser as mulheres de bom poder aquisitivo.

Para chegar a um público novo, um caminho certo seria fechar uma série de contratos com grandes magazines frequentados por esse tipo de consumidor. Um problema seria submeter a Florallys a negociações com empresas tão maiores que ela— algo provavelmente desgastante para a rentabilidade.

Outro inconveniente seria disputar espaço com marcas que chegaram bem antes. "Nossos enxovais ainda são pouco conhecidos do grande público", diz Scolaro.

Esses obstáculos pareciam grandes demais para a Florallys. Foi aí que Vania pensou em como o marketing natural que ela praticava de butique em butique trouxera bons resultados. "Tínhamos de fazer a mesma coisa, só que numa escala maior", diz Vania. "E é isso que o sistema porta a porta permite."

Ela e Gervásio percorreram dezenas de cidades de até 100.000 habitantes de estados do Sul, Sudeste e Centro-Oeste, visitando salões de beleza, farmácias e igrejas. A pergunta era sempre a mesma: quem é a melhor vendedora de cosméticos da região?


"Essa pessoa conhece todo mundo", diz Vania. "Ela sabe quem está precisando de lençóis e toalhas novos porque a família aumentou ou está procurando um presente de casamento para a sobrinha."

Hoje, há revendedoras Florallys em 200 cidades de seis estados, que vendem jogos de algodão bordado de até 500 reais, pagos em dez vezes. No ano passado, o faturamento da empresa aumentou 27%, fechando em 9 milhões de reais — 15% vieram das vendas porta a porta.

Arroz de festa

No dia em que decidiu montar restaurantes especializados em risoto, o empreendedor Adenilson Soares, de 41 anos, não tinha intenção de atender consumidor popular nenhum — Deus me livre e guarde.

"Eu queria vender risoto para rico", diz Soares, um amante da gastronomia e de outros prazeres da vida. Era 2001 e, com o irmão, Soares fundou a Risotto Mix, rede de fast food que deve faturar 40 milhões de reais em 2011 — 21% acima de 2010. "A maior parte da expansão veio justo de novas lojas em shoppings populares", diz ele.

O que fez a Risotto Mix virar de ponta-cabeça?

Voltemos a 2001. As primeiras unidades foram, de fato, inauguradas em shoppings onde circulam pessoas com ótimas, excelentes condições de vida, como é o caso do Iguatemi, em São Paulo. Deu certo. O plano era crescer com franquias — sempre servindo risoto, sempre em shoppings.


Desde 2006 foram inaugurados mais de 70 shoppings no país. Acontece que boa parte deles está fora das capitais ou longe de bairros de alta renda. E, impulsionados pelo aumento do poder aquisitivo, os consumidores emergentes passaram a entrar em shop­pings que já foram ponto de encontro de famílias consideradas de classe A.

"Esse pessoal gostou de nossos restaurantes", diz ele. Nas 40 lojas da rede, mais pratos passaram a ser servidos a um número cada vez maior de pessoas que sentavam ali pela primeira vez. "Muitas nunca tinham comido risoto antes", diz Soares. "Não era muito inteligente continuar insistindo naquela história de só vender risoto para a elite."

Para atrair e manter a clientela popular, pensou Soa­res, seria preciso pegar mais leve no preço. "Um prato da Risotto Mix no Iguatemi custa 29 reais", diz ele. "É muito para o povão gastar numa única refeição." Duas formas de fazer isso sem prejudicar a apresentação ou a qualidade da comida (e muito menos a rentabilidade do negócio) seria diminuir a quantidade servida ou trocar ingredientes.

Soares escolheu a segunda. "A carne é nossa matéria-prima mais cara e representa metade do custo do prato", diz ele. "Troquei filé mignon por alcatra e consegui diminuir os preços em 35%."

Com ajustes desse tipo, foi possível fazer outro cardápio, com preços a partir de 19 reais. O novo menu foi testado no Shopping Metrô Tatuapé, na zona leste paulistana. "Em poucos meses, a loja tirava 30% mais pedidos que as demais unidades", diz Soares. Antes de implantar de vez as mudanças, ele pediu a opinião de amigos, muitos de origem humilde.

Os votos a favor do cardápio reformado foram unânimes. Um deles resumiu: "O importante é poder comer risoto, que a gente não conhece direito. Fome, a gente mata em casa, com qualquer outra coisa".


Casas Bahia do dente

Em 1994, para aproveitar os descontos oferecidos por um fornecedor, o dentista Paulo Zahr, de 47 anos, comprou peças suficientes para montar mais de 1.000 aparelhos ortodônticos. Só havia um probleminha. "Eu não tinha essa quantidade de pacientes", diz Zahr.

Ele mandou imprimir milhares de panfletos e os distribuiu em supermercados da periferia e em ruas de comércio barato de São José do Rio Preto, no interior de São Paulo, onde ficava o consultório. No dia seguinte, apareceram dezenas de interessados. "Eram pessoas bem simples", diz Zahr. "Elas disseram que fariam o tratamento desde que pudessem pagar a prazo." 

Começa aqui a história da Odonto Company,  rede de clínicas que atende 75.000 clientes em cinco unidades, das quais quatro são franquia. Em 2010, a rede faturou 2,5 milhões de reais, o triplo em relação a 2009.

Ao usar no consultório a mesma lógica da Casas Bahia — que consegue vender até os produtos mais caros em prestações que cabem no bolso do consumidor de baixa renda —, Zahr atraiu uma multidão que antes não podia pagar por um aparelho.

O parcelamento em si, claro, não é nenhuma novidade nos consultórios. O que Zahr fez foi um modelo de negócios baseado nisso. A quem precisa de tratamento, as clínicas oferecem pacotes com diversos procedimentos que variam caso a caso.

O que não varia é a forma de pagar — sempre em parcelas que podem ser quitadas em prazos que superam 12 meses. Há pacotes, por exemplo, que dão direito a serviços como restaurações, branqueamento e até cirurgias, pagos em 18 parcelas de 19,90 reais por mês.


Atenção ao detalhe: não é 19 nem 20 — é 19,90. 

Para não comprometer o fluxo de caixa, Zahr cercou-se de alguns cuidados. Um deles é limitar cada consulta a 1 hora para poder atender um grande número de pacientes por dia. Ele também negociou prazos de pagamento mais longos com os fornecedores. "Recebo e pago em 18 vezes", diz Zahr.

O parcelamento de procedimentos caros, como implantes, é financiado em até 60 vezes pelo HSBC — os implantes, que proporcionam boas margens de lucro, já respondem por 45% do faturamento.

"As chances de uma empresa como a Odonto Company crescer são grandes", diz Herbert Gonçalves, sócio da Primeira Consulta, consultoria especializada em saúde. "A demanda reprimida por esses tratamentos é gigante."

A assistente financeira Geiziane Muller de Mattos, de 24 anos, é um exemplo. "Perdi quatro dentes quando era criança, mas nunca tive dinheiro para consertar o estrago", diz ela. No ano passado, Geiziane colocou quatro próteses na Odonto Company. "São 350 reais que pago com orgulho todo mês", diz Geiziane.

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