Fábio Tiepolo, da DocWay: consultas a domicílio (Germano Lüders/Exame)
Maurício Grego
Publicado em 7 de novembro de 2017 às 14h18.
Última atualização em 23 de outubro de 2019 às 21h51.
São Paulo — Ao mesmo tempo que permitem diagnosticar e tratar doenças de forma mais efetiva, a tecnologia tende a encarecer muitos tratamentos, já que o custo dos equipamentos e drogas mais recentes é alto. Na contramão dessa tendência, duas startups brasileiras contaram, no EXAME Fórum Saúde, como estão empregando tecnologia para oferecer serviços de saúde eficientes a preços acessíveis.
O evento de EXAME, que acontece nesta terça-feira em São Paulo, reúne especialistas e empreendedores para discutir o futuro da saúde no Brasil. Nele, Renato Velloso Dias Cardoso, sócio da Dr. Consulta, e Fábio Tiepolo, fundador da DocWay, falaram sobre como essas empresas vêm oferecendo novas opções a médicos e pacientes.
“Meus amigos dizem que a verdadeira fundadora da DocWay foi minha filha de sete anos”, diz Fábio Tiepolo, que trabalhou anos na indústria farmacêutica antes de criar esse aplicativo para a marcação de consultas a domicílio. Ele conta que, há dois anos, ao chegar em casa, encontrou sua filha febril. A primeira reação foi a que muitos pais e mães brasileiros teriam: “Íamos levá-la a um pronto-socorro”, diz.
A pequena Beatriz, porém, enxergou uma opção melhor: “O médico não pode vir aqui em casa?”. Tiepolo telefonou a uma amiga médica, que concordou em ver a menina. “Ela foi atendida com seus brinquedos prediletos, sem ficar exposta aos riscos hospitalares e sem ter de esperar pelo atendimento”, conta ele.
A notícia acabou se espalhando pela escola onde Beatriz estudava. “Vários pais e mães vieram me pedir o telefone da médica que atendia em casa. Eu brinco que o primeiro aplicativo da DocWay foi o WhatsApp, que usávamos para trocar mensagens com outros pais”, diz. O interesse dos pais impulsionou a ideia de criar um app que facilitasse a busca de atendimento médico a domicílio.
Hoje, o DocWay tem 1.800 médicos cadastrados em 160 cidades. E Tiepolo diz que a empresa está iniciando uma fase de crescimento mais acelerado. “A capilaridade de um app é muito grande. Basta que o médico e os pacientes tenham celular com acesso à internet”, diz.
A empresa tem parcerias com operadoras de planos de saúde, clínicas e laboratórios de análise, o que facilita a troca de informações. Assim, o médico pode rapidamente consultar dados sobre o paciente. “Também acumulamos dados epidemiológicos, que são compartilhados com os órgãos oficiais de saúde”, diz.
“O atendimento em casa não é novo. Já foi mais comum no passado. Agora, estamos resgatando essa forma humanizada de medicina”, afirma Tiepolo. “Os médicos têm a liberdade de escolher quanto vão cobrar pela consulta. E os pacientes têm a liberdade de escolher o médico”, prossegue ele.
Assim como Fábio Tiepolo, os fundadores da Dr. Consulta enxergaram uma demanda não atendida no mercado. “A saúde, no Brasil, estava dividida entre os planos de saúde privados, a que muitos brasileiros não têm acesso, e o sistema público, com as deficiências que conhecemos. Criamos uma terceira alternativa entre essas duas”, diz Renato Velloso Dias Cardoso, sócio da Dr. Consulta.
A empresa possui uma rede de 45 clínicas médicas na região metropolitana de São Paulo com 1.300 médicos de 56 especialidades. As consultas tem preços típicos entre 100 e 150 reais (o valor varia conforme a especialidade). E há também exames clínicos. “Tudo está no mesmo prontuário eletrônico. O médico tem todas as informações à mão na hora de orientar o tratamento, fazer uma prescrição ou mesmo decidir sobre a necessidade de internação”, diz Cardoso.
Para manter os preços baixos, a Dr. Consulta emprega um sistema de inteligência artificial que prevê a ocupação dos consultórios todas as semanas. Os médicos são alocados em função dessa previsão, com o objetivo de manter a taxa de ocupação em 75%. “Se for maior do que isso, o paciente não encontra horário conveniente para o atendimento. Se for menos, o médico não tem recuperação adequada”, explica Cardoso.
A empresa tem convênio com hospitais para a realização de procedimentos de baixa complexidade. “Quando é necessário algum procedimento de alta complexidade, o paciente geralmente se dirige ao SUS”, diz Cardoso. “Resolvemos 96% dos casos. Só 4% são de alta complexidade”, afirma ele.
A rede atende a 1 milhão de pacientes. É um número respeitável. “Nenhum plano de saúde tem 1 milhão de usuários na região metropolitana de São Paulo”, diz Cardoso.
Segundo Cardoso, 72% dos pacientes afirmam que recomendariam a Dr. Consulta a um amigo. “Esse índice é maior que o de empresas como Amazon, Apple e Netflix”, afirma ele. Nas avaliações feitas após cada consulta, a nota média dos médicos é 9,6, acrescenta.
Tanto Tiepolo como Cardoso veem com entusiasmo o cenário das startups de saúde no Brasil. Os dois debateram o tema com Fabiane Stefano, editora de EXAME. “O ecossistema de startups de saúde é muito rico. Há muitas empresas com soluções interessantes”, diz Tiepolo.
Os dois empreendedores ressalvam, porém, que há entraves que restringem as inovações nessa área. O corporativismo dos conselhos regionais de medicina e a burocracia dos órgãos oficiais são barreiras que afetam especificamente o setor de saúde.
“É difícil aparecerem soluções num ambiente tão regulado como o brasileiro. Mas acho que, em algum momento, teremos avanços. A teleconsulta é um exemplo. Nos EUA há um grande volume de atendimentos à distância. Se essa modalidade de atendimento fosse permitida no Brasil, resolveria muitos problemas de locais remotos, onde não há médicos disponíveis”, diz Tiepolo.
“Órgãos reguladores como a Agência Nacional de Saúde (ANS) e os conselhos regionais de medicina (CRMs) impõe regras muito rigorosas sobre divulgação dos serviços e a forma de operar. Mas vemos um movimento da ANS, que parece estar se tornando mais sensível ao problema. Esses órgãos deveriam ser fomentadores dos mercado; não inibidores. A reserva de mercado não é boa.”, afirma Cardoso.