O Pasquim, bar de São Paulo: estabelecimento suspendeu operação para preservar saúde de funcionários e clientes (O Pasquim/Facebook)
Carolina Ingizza
Publicado em 19 de março de 2020 às 06h00.
Última atualização em 19 de março de 2020 às 15h00.
Em meio à crise de circulação de pessoas, causada pela pandemia de coronavírus, a Associação Brasileira de Bares e Restaurantes (Abrasel) tenta negociar alternativas para o setor junto aos governos federal, estadual e municipal. Esta semana, o fluxo de pessoas nesse tipo de estabelecimento foi praticamente zero, o que representa uma “queda brutal” no faturamento desses negócios, segundo a entidade.
Obedecendo aos protocolos de saúde recomendados pelos médicos, para garantir a segurança de funcionários e clientes, a associação defende a manutenção dos serviços de bares e restaurantes, ainda que com operação reduzida. “Algumas atividades econômicas precisam ser mantidas: hospitais, farmácias, transportes, bem como bares e restaurantes, que atendem 80% da população”, afirma Percival Maricato, presidente da Abrasel São Paulo.
Em paralelo, a Abrasel negocia com o governo federal a liberação de uma verba de financiamento para o setor, de modo que os empresários consigam pagar a remuneração dos funcionários por 90 dias, no mínimo. Segundo a associação, bares e restaurantes somam 1 milhão de estabelecimentos no Brasil, empregando, ao todo, cerca de 6 milhões de funcionários.
“Sem ajuda, se os estabelecimentos ficarem sem faturar 20 ou 30 dias, veremos uma quebradeira e os empresários vão ter que colocar na rua boa parte dos funcionários”, diz Maricato. A Abrasel estima que, se nenhuma medida emergencial for tomada, 3 milhões de vagas podem ser cortadas nos próximos 40 dias. Caso o fechamento se estenda por 50 ou 60 dias, o número pode subir para 4 milhões.
A Abrasel tem divulgado recomendações para os proprietários de bares e restaurantes sobre como se portar durante a crise causada pelo novo coronavírus. O objetivo da associação é deixar o setor "tão bem informado a ponto de os funcionários se tornarem verdadeiros formadores de opinião sobre o tema”, segundo Maricato.
A associação recomenda que os estabelecimentos tentem manter o quadro de funcionários completo, mesmo com a queda de atividade. Nos casos em que for possível, os proprietários podem negociar férias coletivas para todos os trabalhadores.
Maricato ressalta que é importante que os donos de bares e restaurantes deixem claro para seus funcionários que se algum deles apresentar sintomas de covid-19, será dispensado das tarefas, mas com a remuneração mantida. “Se, por medo, um funcionário não revela, imagina o que pode acontecer?”, questiona o presidente.
Para tentar compensar a falta de faturamento no modelo tradicional, a Abrasel recomenda um investimento no delivery, com disponibilização de álcool gel para entregadores e instruções sobre como receber e entregar o produto. “Eles podem voltar a fazer publicidade na região, usar motoqueiros próprios para entrega”, diz Maricato.
A associação também está conversando com os aplicativos de entrega para que eles reduzam a taxa que cobram dos restaurantes pelo uso da plataforma — que pode chegar a 30% do valor do pedido. “Está na hora de a gente ver uma forma de cada um se sacrificar um pouquinho para todo mundo sair vivo do outro lado”, diz o presidente da associação.
A Abrasel também está em negociação com fornecedores, fabricantes de bebidas, emissoras de cartões de crédito e vale refeição, prestadores de serviço e bancos para tentar melhorar as condições de pagamento dos empreendedores.
Maricato aponta que uma das vantagens do setor nesta crise é o conhecimento prévio das boas práticas no manuseio de alimentos para evitar contaminações. Em adição a isso, a associação recomenda algumas mudanças de hábito para minimizar os riscos de contaminação por covid-19:
Ainda que os restaurantes e bares sigam as recomendações da Abrasel, é importante planejar também o aspecto financeiro da operação — especialmente porque poucos negócios possuem caixa suficiente para continuar cobrindo os custos fixos sem faturamento.
Igor Senra, fundador da fintech Cora, focada em oferecer soluções bancárias para pequenas e médias empresas, recomenda que a primeira coisa a ser feita seja uma conversa franca com os funcionários. “Tem que ser verdadeiro e falar que não sabe como vão ser as coisas daqui para frente”, afirma Senra.
Para ele, a melhor opção, se possível, seria dar férias coletivas aos trabalhadores. Dessa forma, a empresa evitar ter que pagar o funcionário duas vezes — uma agora, com o restaurante fechado, e outra mais para frente, durante as férias remuneradas.
Na sequência, Senra recomenda que se faça uma negociação com os fornecedores e proprietários de imóveis. “Essa é a hora de pedir ajuda, de mostrar parceria. As empresas que aproveitaram o momento para construir essa relação, vão ter clientes para o resto da vida”, opina.
Humberto Munhoz, dono de cinco operações de bares e restaurantes no Brasil, adotou estratégia similar nos dois bares que possui em São Paulo: O Pasquim, na Vila Madalena, e o Vero! Coquetelaria, em Pinheiros. Com o faturamento dos últimos dias um pouco abaixo da média e percebendo a apreensão dos quase 60 funcionários com a saúde, ele decidiu se antecipar e fechar as operações.
Pelas suas contas, o prejuízo com a paralisação das duas unidades por 90 dias vai somar um milhão de reais. “Estamos esperando o posicionamento do governo. Se for mesmo aprovada, a liberação do seguro desemprego para pagamento de salários melhoraria nossa vida”, diz Munhoz. Enquanto isso não acontece, o empresário adotou duas estratégias para conseguir pagar gastos fixos e salários durante o período sem faturamento.
Primeiro, ele pegou uma linha de crédito com o banco Itaú. “Mesmo tendo dinheiro em caixa, não sabia até quando ele iria dar. Preferi tomar agora em vez de esperar o crédito ficar mais escasso e caro lá na frente”, explica.
Com a reserva garantida, Munhoz começou um processo de renegociação das contas com fornecedores e prestadores de serviço. “Estou ligando um por um, pela ordem de vencimentos. Tem coisa que vou pedir desconto, outras vou pagar em 90 dias”, diz.
O empresário recomenda que outros donos de negócio no setor adotem postura similar. “A primeira coisa é imaginar a operação fechada por 90 dias e entender o tamanho total do prejuízo”, afirma. Depois, ele diz que o melhor seria tentar negociar para ver se é possível reduzir as perdas.
Na conta, precisa ficar claro para o empresário se é necessário buscar crédito no mercado ou se as reservas de capital bastam. “Se precisar, busque uma linha logo”, orienta.
Se, mesmo com as reservas e o crédito, a conta não fechar, Munhoz recomenda que os donos de estabelecimentos sejam mais enfáticos com os fornecedores, coloquem os funcionários de férias coletivas ou optem por uma redução de quadro.
Na visão do empresário, se a crise ultrapassar os 90 dias, o setor como um todo será forçado a tomar “medidas mais fortes”.