Edu Lyra, da Gerando Falcões, no Cubo Itaú: empreendedor define seu trabalho como “entrar nas favelas e resgatar a autoestima das pessoas” (Cubo Itaú/Divulgação)
Mariana Fonseca
Publicado em 18 de agosto de 2018 às 08h00.
Última atualização em 18 de agosto de 2018 às 08h01.
São Paulo - A maioria das histórias empreendedoras de sucesso vistas pelo Brasil contam com universidades de renome, conexões certas no bolso do blazer e um fácil acesso a centros empresariais. A trajetória do empreendedor Edu Lyra poderia ser todo esse quadro, mas de ponta-cabeça. Uma infância difícil em Poá, na Grande São Paulo, misturada ao desejo de ajudar jovens a trocarem a favela pela Faria Lima.
Seu esforço, que começou com uma força-tarefa de venda de livros pela comunidade, o levou às conexões certas: empresários como Carlos Wizard, Flávio Augusto da Silva e Jorge Paulo Lemann apostaram em um projeto que hoje é conhecido como Gerando Falcões.
A ONG, que leva educação para famílias por meio de cultura, esporte e qualificação tradicional, tem hoje mais de 20 programas como aulas de pintura, teatro, percussão, coral, tênis, boxe, futsal e aulas de logística, vendas, empreendedorismo, inglês e programação.
Em palestra realizada na inauguração do novo Cubo Itaú, Lyra contou detalhes de sua trajetória e de como conseguiu construir uma ONG financeiramente sustentável, da captação de recursos até estratégias de gestão e liderança.
Lyra morava em um barraco com chão de terra batida e seus pais não tinham dinheiro nem para comprar um berço ou uma cama - ele dormia na banheira. Seu pai se envolveu no crime. Mas a mãe se tornou sua maior inspiração para superar “o olhar de quem cresce na favela, um olhar de escassez.”
“Se a gente olha para a vida na perspectiva erradas, temos tudo para nos fazer de vítima. Se a gente olha para a vida na perspectiva certa, temos tudo para empreender, mesmo no caos”, conta. “O Brasil não é só meu, mas ele também é todo meu e posso pegar parte dele.”
Lyra recrutou cinquenta amigos para comercializar um livro com histórias inspiradoras, chamado Jovens Falcões. A obra foi publicada de forma independente por meio de patrocínios feitos por comerciantes da cidade de Poá. Em três meses, comercializou cinco mil livros, cada um vendido a 9,99 reais.
Com o dinheiro, ajudou sua mãe a reformar a casa e montou a ONG Gerando Falcões. Cada falcão é “um jovem que não se limita ao chão”, nas suas palavras. O empreendedor define seu trabalho como “entrar nas favelas e resgatar a autoestima das pessoas”.
Eventos beneficentes, cobrando milhares de reais por um jantar, foram essenciais para projetar a missão social da Gerando Falcões às classes mais altas. No primeiro jantar, arrecadou 420 mil reais. No segundo, 550 mil reais. No próximo, o empreendedor quer arrecadar mais de um milhão de reais. Ele viu que o Brasil não era apenas escassez, e que as pessoas ao seu redor poderiam ter mais acesso a oportunidades.
Tais relacionamentos o levaram a Silvio Genesini, que presidiu empresas como Oracle e Accenture e é hoje consultor e mentor de empresas inovadoras - e articulista em EXAME. Lyra afirma que Genesini foi fundamental para ajudá-lo a acelerar o crescimento de Gerando Falcões com governança.
Ter processos mais apresentáveis para o mercado criou pontes com empresas como Microsoft, Oracle e o próprio Cubo Itaú. Os cursos ganharam patrocínio de diversas organizações. Com isso, a ONG conseguiu expandir seu impacto social e imaginar um futuro no qual seus jovens poderiam trabalhar “na Faria Lima”, uma metáfora para as corporações mais endinheiradas de São Paulo (e do Brasil).
Inserido nos relacionamentos corporativos, Lyra descobriu que o maior referencial de gestão brasileira era o empresário Jorge Paulo Lemann, fundador da 3G Capital e presente em empresas como Ambev, Burger King e Kraft Heinz. O empreendedor da Gerando Falcões se encontrou com o homem mais rico do Brasil, que o aconselhou a “sonhar grande”.
Lyra levou o conselho a sério e montou um planejamento de verdade para a Gerando Falcões, incluindo metas mensuráveis para cada jovem. Tempos depois, o investimento veio - não só de Lemann, mas também de Carlos Wizard (Wizard, Mundo Verde), Daniel Castanho (Acima Educação) e Flávio Augusta da Silva (Geração de Valor).
A ONG se transformou de unidade para uma rede, com unidades em Poá (São Paulo), Vila Prudente (São Paulo), Maceió (Alagoas). De 1.200 famílias, a Gerando Falcões pretende pular para 20 mil, criando líderes que antes eram invisíveis. Até o final deste ano, a ONG quer colocar 200 jovens programadores em corporações.
Para Lyra, ir para a rua cavar oportunidades foi fundamental para que sua ONG crescesse. “É como em qualquer empreendimento: muitos focam no produto, mas ele também precisa ser vendido”, defende. “Tem que ser persistente. Minha história me ajudou a criar uma casca. Antes da captar investimento, temos de abrir uma bolsa de valores na nossa alma.”
Outra lição ele aprendeu de sua mãe, quando ela o chamava para ir dormir com ela nos dias mais frios. “Ela dizia: ‘no calor você dorme sozinho, mas no frio a gente tem juntar, porque, se a gente não se juntar, a gente morre’. Eu levo isso para minha vida. Tudo que a gente faz sozinho é uma tentativa frustrada de liderança.”
Na prática, liderança é unir os departamentos e fazer “o CEO olhar para a faxineira”. Saber juntar as pessoas e apontar o caminho certo é o que faz a diferença em qualquer empreendimento, incluindo a Gerando Falcões. Agora, o empreendedor quer que seus falcões protagonizem voos mais altos - e rápido.
“O Elon Musk está se preparando para ir à Marte e colonizar o planeta. Se ele chegar lá e fazer estrada e shopping antes de a gente levar a favela ao museu e fazê-la empreender, resolvendo problemas da educação e da saúde, vai ser um tapa na cara da sociedade. E eu não quero levar esse tapa”, diz Lyra. “A ambição do Elon Musk não é maior que a de todos nós juntos, para trabalhar e fazer a melhor coisa para esse país.”