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Aos 120 anos, Casa da Boia resiste em SP e une cultura e negócios

Instalada em casarão histórico no centro de São Paulo, tradicional loja de cobre cria centro cultural para resgatar sua memória.

A Casa da Boia, tradicional loja de cobres completa 120 anos (Foto/Divulgação)

A Casa da Boia, tradicional loja de cobres completa 120 anos (Foto/Divulgação)

Mariana Desidério

Mariana Desidério

Publicado em 23 de maio de 2018 às 06h00.

Última atualização em 23 de maio de 2018 às 06h00.

São Paulo – Dinheiro não é exatamente o que move o empreendedor Mário Roberto Rizkallah, dono da centenária Casa da Boia, a mais tradicional loja de cobre de São Paulo, que comemora 120 anos. Apegado às tradições, Mário mantém um ponto de resistência em meio à profusão de lojas chinesas e coreanas que tomaram conta da rua Florêncio de Abreu, no centro da capital paulista, ao lado da caótica 25 de março.

“Aqui só tem lojinha de chinês hoje. Nós ficamos porque existe uma ligação entre o casarão e a empresa. Se eu me mudasse para a Mooca estaria ganhando muito mais, mas não me sentiria bem alugando esse prédio, não quero depreciar o imóvel”, afirma o empreendedor, de 67 anos.

Erguido em 1909 por seu avô, o imigrante sírio Rizkallah Jorge Tahan, o casarão  já abrigou cultos da igreja armênia em seu sótão e chegou a se tornar uma pensão, período em que o imóvel foi mais degradado. Mas, no que depender do neto, isso não acontecerá de novo.

Desde que assumiu os negócios da família, em 1997, Mário iniciou o restauro do prédio, que é tombado pelo patrimônio histórico. Já passaram pelo processo a fachada, com seus adornos de estilo art-noveau, e as paredes de alguns dos cômodos superiores, onde já é possível conhecer os detalhes coloridos da pintura original.

A própria loja, que fica no amplo salão térreo, promove uma viagem no tempo para os poucos clientes que se deslocam até lá. As paredes são forradas por moldes antigos de peças hidráulicas, lembranças da época em que a Casa da Boia era uma fundição. O maquinário da época e até o antigo espelho decorado fachada também estão expostos para quem quiser dar uma voltinha no início do século passado. Na parte superior do salão, uma placa indica: “Executa-se qualquer trabalho pertencente a esta arte”.

O casarão que abriga a Casa da Boia, na rua Florêncio de Abreu, em São Paulo

O casarão que abriga a Casa da Boia, na rua Florêncio de Abreu, em São Paulo (Foto)

O ponto comercial sofre com as restrições urbanísticas impostas ao centro da cidade (um dos entraves ao negócio é a restrição na circulação de caminhões por ali) e o balcão da loja não é lá muito lucrativo. “O balcão dá pouco retorno, mas é nosso cartão de visitas e é muito divertido, recebe diversas tribos”, afirma Mário. Dentre os clientes que chegam para comprar no balcão estão desde profissionais do setor hidráulico em busca de peças, até hippies em busca de material para artesanato e estudantes de artes plásticas que procuram chapas de cobre para esculpir.

A maior parte do faturamento do negócio vem da venda de metais não ferrosos no atacado, para pequenas e médias empresas, muitas delas do interior do estado. O negócio sofreu alguns golpes com as mudanças no mercado. Um deles veio quando as próprias usinas fabricantes de metal passaram a vender o produto para o consumidor final, dificultando a vida das revendedoras. Outro baque veio com a popularização do plástico na fabricação de tubos hidráulicos.

O foco do empreendedor para manter seu negócio de pé é valorizar as vantagens do cobre como material e, mais recentemente, apostar na vocação cultural do local. Hoje, a Casa da Boia fatura em média R$ 2 milhões por mês.

Imigrante sírio

O nome do negócio remonta à época em que o patriarca, Rizkallah Jorge Tahan, se especializou na fabricação de boias para caixa d’água, no início do século passado. São Paulo vivia sérios problemas sanitários e a procura pelo item era crescente. “O nome oficial era Rizkallah Jorge e Cia, mas o povo chamava de Casa da Boia e pegou”, conta Mário.

Orgulhoso de seu antepassado, o neto lembra que Rizkallah Jorge veio da Síria para o Brasil em busca de trabalho, e se empregou como faxineiro numa loja de metais. Ele não sabia falar português, mas já dominava o trabalho com o material, aprendido com seu pai. Com o tempo, foi aprendendo a língua e mostrando seus conhecimentos ao patrão. Após três anos, Rizkallah Jorge já havia juntado dinheiro suficiente para, em 1898, comprar o negócio que o empregara como faxineiro. Onze anos depois, o empreendedor ergueu o casarão que abriga o negócio até hoje.

Ao longo de sua história, o prédio chegou a abrigar cultos da igreja armênia em seu sótão, e teve os salões superiores transformados em quartos de pensão. O negócio foi passado pelas gerações da família até que, em 1997, Mário assumiu o controle total da Casa da Boia.

Sob seu comando, a vocação cultural foi ganhando terreno em relação aos objetivos puramente comerciais. Agora, a Casa da Boia inaugura seu próprio espaço de exposições. Gratuita, a mostra inaugural conta a história do patriarca Rizkallah Jorge.

A exposição sobre o empreendedor Rizkallah Jorge Tahan, e as paredes restauradas ao fundo

A exposição sobre o empreendedor Rizkallah Jorge Tahan, e as paredes restauradas ao fundo (Foto)

A exposição foi organizada pela historiadora Renata de Almeida que estuda a vida do empreendedor. Um dos motivos que levaram a pesquisadora a procurar a Casa da Boia foi o papel de Rizkallah no mercado imobiliário paulistano – além de comerciante de cobre, o sírio investia em imóveis e deixou boa parte do património para seus descendentes.

Quem for visitar a exposição poderá também conhecer os espaços internos do casarão centenário, que mantém pisos, vidros e portas originais, além das paredes parcialmente restauradas.

“Temos registros que mostram que arquitetos como Ramos de Azevedo era nosso cliente. Há muitos elementos que fazem parte da história da Casa da Boia e queremos que as pessoas se apropriem dessa história. É um olhar não só de negócio, mas cultural também”, afirma Adriana Rizkallah, casada com Mário há 30 anos. Escultora, Adriana conheceu a loja quando cursava arte plásticas e vinha comprar chapas de cobre para suas obras. Ela sempre acompanhou de longe os negócios do marido até que, em 2014, se aproximou ajudar a redesenhar a loja. “Encontrei os moldes da fundição e vi como eram valiosos, então decidimos reconstituí-los e expor no salão principal”, conta a artista.

Para o casal, o futuro e a sobrevivência do negócio passam necessariamente pela valorização de sua história.

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