David Gutelius, do Data Guild, teve dificuldades em descobrir a origem do dinheiro dos fundos de investimento (Tiffany Brown Anderson/The New York Times) (Tiffany Brown Anderson/The New York Times)
Mariana Desidério
Publicado em 16 de novembro de 2018 às 06h00.
Última atualização em 16 de novembro de 2018 às 06h00.
San Francisco – Este ano, quando John Vrionis e Jyoti Bansal decidiram levantar dinheiro para seu primeiro fundo de capital de risco, o Unusual Ventures, os colegas do setor os aconselharam a ir atrás do dinheiro fácil – fundos soberanos como os geridos pela Arábia Saudita e por Abu Dhabi, que se tornaram grandes investidores no Vale do Silício.
"As pessoas diziam: 'É bem fácil – eles vão lhe dar quanto dinheiro você quiser'", contou Vrionis.
Mas a dupla disse que não se sentia confortável com investimentos em nome de governos repressivos. Em vez disso, a dupla procurou fundos com grupos sem fins lucrativos, como universidades negras e hospitais infantis.
Essa opção permitiu que evitassem conversas difíceis nas últimas semanas, quando detalhes horríveis surgiram sobre Jamal Khashoggi, jornalista que criticava o governo saudita e que foi assassinado em Istambul. Algumas pessoas detidas em conexão com o crime eram ligadas ao príncipe herdeiro Mohammed bin Salman.
"Com isso, começou a conversa de 'de onde vem o dinheiro?'", disse Bansal.
Outros investidores do Vale do Silício estão em uma posição mais desconfortável. Alguns fundadores de startups perguntam agora a seus investidores se eles têm conexões financeiras com algum governo estrangeiro envolvido em casos de violação de direitos humanos. Outros dizem que, a partir de agora, vão querer saber a fonte do dinheiro do investimento.
Porém, para os fundadores, é fácil perguntar de onde vem o dinheiro, mas muito mais difícil tomar uma atitude. Muitas vezes, é complicado descobrir a fonte das empresas de capital de risco, porque elas raramente divulgam essa informação. E mesmo que os executivos de uma startup descubram que parte de seu dinheiro vem de uma fonte indesejável, é complicado devolver o que já foi aceito – e possivelmente gasto.
Esses movimentos e a necessidade de ação são coisas novas. Luis von Ahn, executivo-chefe de um aplicativo de aprendizagem de línguas, o Duolingo, disse que recentemente havia examinado com mais atenção os cerca de US$ 100 milhões que sua empresa recebera de investidores, entre eles a Union Square Venture e a Kleiner Perkins. Ele disse não acreditar que haja alguma ligação com a Arábia Saudita, mas acrescentou que não dava para ter certeza, dada a rede de veículos de investimento complexa e opaca que banca os fundos de capital de risco.
Von Ahn afirmou que a informação seria mais útil para avaliar potenciais investimentos futuros, não para reavaliar os que já foram recebidos, e que planejava levantar a questão caso o Duolingo buscasse mais investimentos.
"Há muitos lugares de onde eu, pessoalmente, não gostaria de receber dinheiro", afirmou.
Amol Sarva, um dos fundadores da Knotel, uma startup de coworking, contou que disse a banqueiros e consultores que quer evitar o dinheiro de certos grupos, incluindo "governos do mal".
"Dinheiro é dinheiro, e há bastante por aí. Se pudermos escolher com quem falar, é o que faremos", disse ele.
Fred Wilson, da Union Square Ventures, firma famosa de Nova York, escreveu em seu blog que o executivo-chefe de uma empresa em sua carteira havia, pela primeira vez, lhe perguntado sobre seus laços financeiros. Ele disse que esperava mais e-mails como esse nas próximas semanas.
Wilson escreveu que não tinha "as mãos completamente limpas", porque sua firma já havia vendido ações de uma empresa para um "comprador que representava os interesses do Golfo". Mas disse que os fundos da Union Square Ventures não tinham levantado dinheiro de governos repressivos, e pediu que empresas de capital de risco e startups descobrissem se poderiam se orgulhar de seus investidores.
"Infelizmente, a resposta para muitos é 'não', e será difícil se desvincular dessas relações", escreveu Wilson.
Investidores de capital de risco arrecadam dinheiro de uma variedade de fontes, incluindo fundos de pensão, doações de faculdades, fundos soberanos de riqueza, indivíduos ricos e fortunas familiares. Eles então usam o dinheiro para investir em startups com potencial de crescimento rápido.
Uma vez que os fundos de capital de risco são privados, não há grande obrigação de divulgar informações sobre suas atividades. Alguns de seus executivos dizem que mantêm as informações privadas por razões competitivas. Outros o fazem a pedido das pessoas e organizações que investem, conhecidas como parceiras limitadas.
Algumas grandes empresas, incluindo a Andreessen Horowitz e a Kleiner Perkins, são tão sigilosas que não aceitam dinheiro de fundos públicos de pensão, que publicam os resultados de seus investimentos. Essas divulgações permitem que o público saiba quanto dinheiro as empresas ganharam para seus investidores.
A falta de divulgações necessárias dificulta o rastreamento do dinheiro. Quando contatadas para este artigo, muitas das principais empresas do Vale do Silício, incluindo Sequoia Capital, Kleiner Perkins, Accel, Lightspeed, Andreessen Horowitz, Greylock, Benchmark e New Enterprise Associates, preferiram não discutir publicamente seus parceiros limitados.
Mas a Arábia Saudita é uma grande investidora em tecnologia. O Fundo de Investimento Público do reino fez investimentos diretos em algumas startups, como Uber e Magic Leap, empresa de realidade aumentada. Nenhuma das duas deu qualquer indicação de que iria devolver o dinheiro.
O reino também investiu em empresas de alto risco. Às vezes, os negócios são fechados por meio de outras entidades, como o fundo de doação da Universidade de Ciência e Tecnologia Rei Abdullah, um centro de pesquisa saudita que leva o nome do antigo governante que o criou. Apenas o maior e mais poderoso investidor em startups, o SoftBank, que levantou US$ 45 bilhões da Arábia Saudita para seu Vision Fund, revelou sua associação.
Após a notícia da morte de Khashoggi, David Gutelius, parceiro da Data Guild, investidora e incubadora de startups, começou a perguntar a potenciais investidores sobre as fontes de seu dinheiro. Segundo ele, descobrir quais eram foi mais difícil do que esperava, porque muitos investimentos em fundos de risco vêm de empresas de fachada e outras entidades. Mas afirmou que havia encontrado laços com governos que têm histórico de violação de direitos humanos, incluindo Rússia, China e Arábia Saudita.
Gutelius disse que, como resultado de suas descobertas, encerrou negociações com três grupos, incluindo fundos de capital de risco, e planeja eliminar mais dois. Ele preferiu não dar nomes. Anunciou recentemente que sua empresa não aceitaria dinheiro de regimes repressivos nem faria parcerias com empresas que os tivessem como clientes, investidores ou membros do conselho.
"Quero voltar a montar empresas importantes para o mundo, sem me preocupar com qual conselho está ligado a qual regime. Isso não deveria nem ser discutido", afirmou.
Roy Bahat, investidor da Bloomberg Beta, o braço de capital de risco da Bloomberg, disse que as perguntas faziam parte de uma percepção crescente no Vale do Silício sobre a natureza global do dinheiro de investimento. Ele contou que alguns fundadores começaram a lhe perguntar sobre os parceiros limitados do fundo de risco cerca de um ano atrás, quando os fundos soberanos de riqueza se tornaram mais agressivos na indústria de tecnologia. A Bloomberg Beta tem um parceiro limitado: sua empresa-mãe, a Bloomberg.
"Os fundadores agora realmente se preocupam, e estão ficando mais sofisticados em relação a isso", concluiu Bahat.
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