A herdeira que vestiu a camisa na Dudalina
Ainda criança, Sônia Hess de Souza ajudava a mãe, Adelina, a vender as camisas que a confecção da família produzia no interior catarinense. Hoje ela conduz uma nova fase de expansão na fabricante de camisas Dudalina
Da Redação
Publicado em 4 de junho de 2012 às 09h03.
São Paulo - Nos anos 60, a catarinense Sônia Hess de Souza, de 56 anos, costumava viajar de caminhão ao lado da mãe, Adelina, por estradas poeirentas do interior catarinense. Nessas viagens, acompanhadas de um motorista, as duas vendiam para pequenos comerciantes as camisas produzidas pela confecção da família.
Foi assim a origem da fabricante de camisas Dudalina, de Blumenau, que no ano passado faturou 274 milhões de reais. Sexta dos 16 filhos que Adelina teve com o marido, Rodolfo de Souza Filho, Sônia assumiu o comando da empresa em 2003. Neste depoimento a Exame PME, ela conta seus primeiros passos na empresa e o que fez nos últimos anos para levar o negócio a um novo ciclo de expansão.
Nasci em Luis Alves, município no interior catarinense, onde minha família tinha um pequeno armazém nos anos 50. A loja vendia sabonete, fumo de corda, trigo, óleo — enfim, um pouco de tudo. Guloseimas como leite condensado e bolachas ficavam nas prateleiras mais altas, para que eu e meus irmãos não acabássemos com o estoque.
Para abastecer o armazém, meus pais viajavam para fazer compras em São Paulo. Numa ocasião, em 1957, meu pai deixou minha mãe grávida em casa e veio sozinho. Ele era um homem maravilhoso e trabalhador, mas não tinha tanto talento para o empreendedorismo como minha mãe.
Acabou caindo na conversa de um comerciante árabe, que o convenceu a comprar um grande lote de um tecido que ficou meses encalhado nas prateleiras do armazém. Depois de um tempo, para não ficar no prejuízo, minha mãe decidiu usar o tecido para fazer camisas, por achar que seria mais fácil vendê-las.
Na época, alguns engenheiros trabalhavam na construção de uma estrada da região. Chovia muito e, como as roupas deles não secavam, foram à nossa loja e compraram todas as camisas feitas com aquele tecido feio. Minha mãe viu ali a oportunidade de ter um negócio promissor.
Ela procurou duas costureiras e começou a confeccionar camisas. Sempre que precisava de mais mão de obra, ela ia às casas das famílias da região que tinham filhas moças pedir permissão para que trabalhassem e morassem na pequena fábrica, porque não havia ônibus para locomoção. A garantia era que elas voltariam virgens para casa!
Para vender a produção, minha mãe enchia um caminhão de camisas e saia pela região, acompanhada de um dos filhos e de um motorista. Ela era uma mulher de muita fibra. Lembro-me bem de uma dessas viagens, que me marcou muito. Estávamos numa cidade chamada Doutor Pedrinho.
Já era tarde, escurecia e ainda tínhamos muitas camisas para vender. Minha mãe estava grávida e eu, menina, pedi que a gente voltasse para casa. Ela disse que ainda não era hora, que estava esperando o dono de uma loja e não voltaríamos enquanto não vendêssemos para ele a última camisa do caminhão. E, de fato, só pegamos o caminho de volta horas depois, quando minha mãe fechou negócio com aquele comerciante.
Passávamos as férias em Balneário Camboriú, no litoral catarinense. No verão de 1964, durante as férias, com muitos filhos em casa, minha mãe resolveu ocupar a criançada. Abriu duas lojas na praia, ambas na mesma rua. Ela cuidava de uma comigo e minhas irmãs — éramos cinco meninas.
Na outra loja, ficavam meu pai e meus irmãos. As lojas abriram por muitos verões, e a unidade das meninas sempre vendeu o dobro da dos meninos. Eu era a melhor vendedora.
Em 1974, fui à Espanha para participar de um treinamento numa empresa que estava ajudando a reorganizar o processo de produção da Dudalina. Ao chegar lá, acabei me tornando instrutora de costura. Eu não tinha nenhuma habilidade para costurar. Mesmo assim, fiz o curso e me tornei uma boa instrutora.
Voltei da Europa direto para a fábrica da Dudalina em Santa Catarina, onde reorganizei todo o sistema de produção. Em 1977, decidi trabalhar fora do negócio da família. A empresa espanhola me convidou para trabalhar no Brasil como instrutora de costureiras para outras confecções que usavam seu sistema de produção. Aceitei. Eu tinha 21 anos, mas já tinha uma longa experiência no setor e queria ser independente.
Meu primeiro trabalho fora da Dudalina foi como instrutora em Montes Claros, no interior de Minas Gerais. No final de 1983, decidi me mudar para São Paulo. Meus irmãos souberam e me chamaram de volta para trabalhar na Dudalina. Na época, eles queriam que eu ajudasse a abrir o mercado paulista para as camisas que produzíamos.
Aceitei o convite dos meus irmãos e, em 1984, assumi a direção comercial da empresa. Parte do meu trabalho era negociar com as grandes redes de varejo, como C&A e Pernambucanas. Também trabalhei com o desenvolvimento de produtos e marketing .
Participei de lançamentos importantes da Dudalina, como a marca Individual, de camisas mais casuais, com a assinatura do estilista Fernando Barros, mais sofisticadas, e da Base, nossa marca de roupas casuais e esportivas.
No começo dos anos 80, meus pais começaram a transferir o comando da empresa para os filhos. Primeiro, eles entregaram a meus irmãos a direção das fábricas. Em 1983, meu irmão mais velho, Anselmo, assumiu a presidência da Dudalina.
Minha mãe e meu pai foram cuidar de outros negócios da família, mas permaneceram no conselho de administração durante os anos seguintes. Os dois trabalharam até morrer — ele em 1996, e ela em 2008.
Nos anos 90, outro irmão, Armando, assumiu a presidência da empresa. Ele ficou no comando até o final de 2002, quando foi convidado para assumir um cargo de secretário no governo de Santa Catarina. Com a saída dele, havia chegado minha vez de assumir o comando dos negócios. Fui escolhida pelo conselho de administração, composto por alguns de meus irmãos e também por profissionais de fora da família.
Chegamos a ser sete irmãos trabalhando na empresa. Hoje somos apenas dois. Os demais irmãos continuam como acionistas. A Dudalina deve ser perenizada e, querendo ou não, quando toda a família está envolvida, sempre acaba ocorrendo uma rusga, uma ruptura.
Há dois anos, decidi que era hora de entrar num novo mercado. Criei uma linha de camisas femininas e um modelo de loja para mulheres. Os homens começaram a entrar nas lojas femininas e pedir camisas masculinas. Então criamos a Dudalina Double, na qual metade é masculina, metade é feminina.
Graças a essas iniciativas, as receitas da empresa dobraram nos últimos dois anos. Hoje, temos 15 lojas próprias e 15 franqueadas. Até o final do ano espero ter 75 lojas no total, das quais 30 franqueadas.
Já comecei a me preparar para o dia que deixarei a Dudalina. Acredito que, depois de mim, chegará o momento de entregar o comando a alguém de fora da família. Meu sucessor deverá ser um executivo da empresa. Tenho orgulho de tudo que fiz pelos negócios que meus pais fundaram. Sempre trabalhei muito, e não tive filhos.
Quando me casei, meu marido tinha três meninas, e eu me considero mãe delas. Mesmo assim, nunca achei difícil conciliar a vida pessoal com a profissional. Acho que herdei o lado prático de minha mãe e espero sempre ser corajosa como ela.
São Paulo - Nos anos 60, a catarinense Sônia Hess de Souza, de 56 anos, costumava viajar de caminhão ao lado da mãe, Adelina, por estradas poeirentas do interior catarinense. Nessas viagens, acompanhadas de um motorista, as duas vendiam para pequenos comerciantes as camisas produzidas pela confecção da família.
Foi assim a origem da fabricante de camisas Dudalina, de Blumenau, que no ano passado faturou 274 milhões de reais. Sexta dos 16 filhos que Adelina teve com o marido, Rodolfo de Souza Filho, Sônia assumiu o comando da empresa em 2003. Neste depoimento a Exame PME, ela conta seus primeiros passos na empresa e o que fez nos últimos anos para levar o negócio a um novo ciclo de expansão.
Nasci em Luis Alves, município no interior catarinense, onde minha família tinha um pequeno armazém nos anos 50. A loja vendia sabonete, fumo de corda, trigo, óleo — enfim, um pouco de tudo. Guloseimas como leite condensado e bolachas ficavam nas prateleiras mais altas, para que eu e meus irmãos não acabássemos com o estoque.
Para abastecer o armazém, meus pais viajavam para fazer compras em São Paulo. Numa ocasião, em 1957, meu pai deixou minha mãe grávida em casa e veio sozinho. Ele era um homem maravilhoso e trabalhador, mas não tinha tanto talento para o empreendedorismo como minha mãe.
Acabou caindo na conversa de um comerciante árabe, que o convenceu a comprar um grande lote de um tecido que ficou meses encalhado nas prateleiras do armazém. Depois de um tempo, para não ficar no prejuízo, minha mãe decidiu usar o tecido para fazer camisas, por achar que seria mais fácil vendê-las.
Na época, alguns engenheiros trabalhavam na construção de uma estrada da região. Chovia muito e, como as roupas deles não secavam, foram à nossa loja e compraram todas as camisas feitas com aquele tecido feio. Minha mãe viu ali a oportunidade de ter um negócio promissor.
Ela procurou duas costureiras e começou a confeccionar camisas. Sempre que precisava de mais mão de obra, ela ia às casas das famílias da região que tinham filhas moças pedir permissão para que trabalhassem e morassem na pequena fábrica, porque não havia ônibus para locomoção. A garantia era que elas voltariam virgens para casa!
Para vender a produção, minha mãe enchia um caminhão de camisas e saia pela região, acompanhada de um dos filhos e de um motorista. Ela era uma mulher de muita fibra. Lembro-me bem de uma dessas viagens, que me marcou muito. Estávamos numa cidade chamada Doutor Pedrinho.
Já era tarde, escurecia e ainda tínhamos muitas camisas para vender. Minha mãe estava grávida e eu, menina, pedi que a gente voltasse para casa. Ela disse que ainda não era hora, que estava esperando o dono de uma loja e não voltaríamos enquanto não vendêssemos para ele a última camisa do caminhão. E, de fato, só pegamos o caminho de volta horas depois, quando minha mãe fechou negócio com aquele comerciante.
Passávamos as férias em Balneário Camboriú, no litoral catarinense. No verão de 1964, durante as férias, com muitos filhos em casa, minha mãe resolveu ocupar a criançada. Abriu duas lojas na praia, ambas na mesma rua. Ela cuidava de uma comigo e minhas irmãs — éramos cinco meninas.
Na outra loja, ficavam meu pai e meus irmãos. As lojas abriram por muitos verões, e a unidade das meninas sempre vendeu o dobro da dos meninos. Eu era a melhor vendedora.
Em 1974, fui à Espanha para participar de um treinamento numa empresa que estava ajudando a reorganizar o processo de produção da Dudalina. Ao chegar lá, acabei me tornando instrutora de costura. Eu não tinha nenhuma habilidade para costurar. Mesmo assim, fiz o curso e me tornei uma boa instrutora.
Voltei da Europa direto para a fábrica da Dudalina em Santa Catarina, onde reorganizei todo o sistema de produção. Em 1977, decidi trabalhar fora do negócio da família. A empresa espanhola me convidou para trabalhar no Brasil como instrutora de costureiras para outras confecções que usavam seu sistema de produção. Aceitei. Eu tinha 21 anos, mas já tinha uma longa experiência no setor e queria ser independente.
Meu primeiro trabalho fora da Dudalina foi como instrutora em Montes Claros, no interior de Minas Gerais. No final de 1983, decidi me mudar para São Paulo. Meus irmãos souberam e me chamaram de volta para trabalhar na Dudalina. Na época, eles queriam que eu ajudasse a abrir o mercado paulista para as camisas que produzíamos.
Aceitei o convite dos meus irmãos e, em 1984, assumi a direção comercial da empresa. Parte do meu trabalho era negociar com as grandes redes de varejo, como C&A e Pernambucanas. Também trabalhei com o desenvolvimento de produtos e marketing .
Participei de lançamentos importantes da Dudalina, como a marca Individual, de camisas mais casuais, com a assinatura do estilista Fernando Barros, mais sofisticadas, e da Base, nossa marca de roupas casuais e esportivas.
No começo dos anos 80, meus pais começaram a transferir o comando da empresa para os filhos. Primeiro, eles entregaram a meus irmãos a direção das fábricas. Em 1983, meu irmão mais velho, Anselmo, assumiu a presidência da Dudalina.
Minha mãe e meu pai foram cuidar de outros negócios da família, mas permaneceram no conselho de administração durante os anos seguintes. Os dois trabalharam até morrer — ele em 1996, e ela em 2008.
Nos anos 90, outro irmão, Armando, assumiu a presidência da empresa. Ele ficou no comando até o final de 2002, quando foi convidado para assumir um cargo de secretário no governo de Santa Catarina. Com a saída dele, havia chegado minha vez de assumir o comando dos negócios. Fui escolhida pelo conselho de administração, composto por alguns de meus irmãos e também por profissionais de fora da família.
Chegamos a ser sete irmãos trabalhando na empresa. Hoje somos apenas dois. Os demais irmãos continuam como acionistas. A Dudalina deve ser perenizada e, querendo ou não, quando toda a família está envolvida, sempre acaba ocorrendo uma rusga, uma ruptura.
Há dois anos, decidi que era hora de entrar num novo mercado. Criei uma linha de camisas femininas e um modelo de loja para mulheres. Os homens começaram a entrar nas lojas femininas e pedir camisas masculinas. Então criamos a Dudalina Double, na qual metade é masculina, metade é feminina.
Graças a essas iniciativas, as receitas da empresa dobraram nos últimos dois anos. Hoje, temos 15 lojas próprias e 15 franqueadas. Até o final do ano espero ter 75 lojas no total, das quais 30 franqueadas.
Já comecei a me preparar para o dia que deixarei a Dudalina. Acredito que, depois de mim, chegará o momento de entregar o comando a alguém de fora da família. Meu sucessor deverá ser um executivo da empresa. Tenho orgulho de tudo que fiz pelos negócios que meus pais fundaram. Sempre trabalhei muito, e não tive filhos.
Quando me casei, meu marido tinha três meninas, e eu me considero mãe delas. Mesmo assim, nunca achei difícil conciliar a vida pessoal com a profissional. Acho que herdei o lado prático de minha mãe e espero sempre ser corajosa como ela.