Startups: as empresas de inovação podem ajudar o país no processo de retomada econômica (Hispanolistic/Getty Images)
Carolina Ingizza
Publicado em 1 de outubro de 2020 às 10h40.
Última atualização em 2 de outubro de 2020 às 12h14.
Nem mesmo as startups, empresas conhecidas por sua capacidade de inovação e agilidade, estão imunes à crise econômica causada pela pandemia do novo coronavírus. De acordo com uma análise feita em maio pelo Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID), 75% dessas empresas foram negativamente impactadas pela covid-19.
A crise chegou depois de um ano recorde para o mercado brasileiro de startups. O país terminou 2019 com 12 empresas de inovação avaliadas em mais de 1 bilhão de dólares (conhecidas como unicórnios), segundo a Associação Brasileira de Startups. O volume investido nessas empresas também atingiu seu patamar máximo, de 2,3 bilhões de dólares, 1 bilhão a mais que em 2018.
A análise feita pelo BID mostra que, com a chegada da pandemia ao Brasil, as startups sofreram consequências distintas. Um quarto delas foi severamente impactada, com quedas de receita superiores a 80%, por atuarem em setores fortemente atingidos pela crise, como turismo, entretenimento e varejo físico.
Outras 25% conseguiram crescer, já que tecnologias para telemedicina, trabalho remoto e automação de processos foram mais demandadas devido ao isolamento social. No entanto, a maioria delas (50%) foi negativamente impactada pela crise, mas de forma menos severa que o primeiro grupo.
“Ainda que o ecossistema de inovação do Brasil seja o mais robusto e sofisticado da América Latina de longe, a crise ainda é difícil. As empresas são adaptáveis, mas dependem da interação com fornecedores e clientes. O processo de inovação é feito quase que em rede”, diz Morgan Doyle, representante do BID no Brasil.
Assim como o restante das empresas brasileiras, as startups precisaram controlar o fluxo de caixa para garantir dinheiro suficiente para passar pelo período de crise. Demissões, renegociações de contrato e ajuste de contas foram usados como estratégia de sobrevivência. Depois disso, foi a hora dessas empresas buscarem capital externo.
Segundo o BID, relatos de empreendedores revelam que as linhas de crédito voltadas para pequenas e médias empresas não chegam até as startups, que muitas vezes não possuem garantias reais e não são se enquadram nos critérios usados para análise de crédito dos bancos.
Os investidores que normalmente apoiam o ecossistema precisaram se movimentar. Os fundos optaram por desacelerar os novos aportes no começo da crise e ajudar as empresas já investidas a navegar pelo período de instabilidade.
Gradualmente, o ritmo de aportes voltou. De janeiro a setembro, já foram investidos 2,2 bilhões de reais em startups, quase a mesma quantidade investida nos três primeiros trimestres de 2019. As aceleradoras, por outro lado, tiveram que transpor seus programas de apoio a startups iniciantes para o mundo digital e ainda estão ajustando seus modelos de negócio.
Para a economista Vanderleia Radaelli, que comandou o estudo do BID sobre o efeito da pandemia no setor, a crise escancarou os problemas que já existiam no país.
“Startups, governo, investidores, todos querem contribuir com o ecossistema. Mas falta um entendimento geral sobre o papel das startups em um país com uma heterogeneidade regional como o Brasil. Precisamos entender como organizamos a estrutura para que tanto o setor público e privado possam se beneficiar da capacidade instalada do ecossistema brasileiro”, diz a economista.
Felipe Matos, um dos autores do estudo e vice-presidente do Dínamo, movimento de articulação por políticas públicas para startups no Brasil, acredita que entender como ajudar as startups é uma forma de garantir que o país saia dessa crise de forma mais rápida.
Como nos últimos meses houve uma valorização dos processos digitais, essas empresas poderiam ajudar o governo e as grandes companhias a inovar. Em termos de recuperação econômica, o banco afirma que investir em scale-ups de alto crescimento pode ser até 90% mais eficiente para gerar novos empregos no futuro do que investir em empresas tradicionais.
1- Fomento direto
Como forma rápida de ajudar as startups, o BID propõe duas saídas: apoio financeiro direto para atividades de pesquisa na área de saúde que possam ajudar a combater a pandemia e subsídios para as startups. O relatório cita como exemplo Portugal, que deu um salário mínimo a até 10 funcionários de cada startup do país, além de uma bolsa de 600 euros para os empreendedores do ecossistema de inovação.
2- Crédito
O BID propõe que sejam feitas alterações nos critérios de concessão de crédito considerando as especificidades das startups. Essas empresas, por exemplo, costumam operar no negativo para investir na expansão do negócio. Como muitas trabalham com tecnologia, não possuem ativos para serem usados como garantia. Por isso, para o banco, seria importante que o governo ampliasse e criasse fundos garantidores voltados para o mercado de inovação. Na Itália, um fundo do tipo já proporcionou mais de 1 bilhão de euros em crédito para o setor.
3- Incentivos fiscais
Para apoiar as empresas na crise, o banco ressalta a importância da postergação de impostos e isenções fiscais. Esse tipo de benefício poderia estimular a manutenção dos empregos ou a geração de novas vagas para jovens.
4 - Apoio aos investimentos
Outra forma de ajudar as startups seria incentivar o ecossistema de investidores anjos e de fundos de investimento que já atuam no país, ampliando o capital disponível para investimentos em startups.
5 - Apoio ao emprego
O BID recomenda que poder público ofereça vouchers e subsídios para que as empresas de inovação consigam pagar seus funcionários e sócios, que muitas vezes estão incluídos na folha.
6- Concursos e premiações
Essas atividades competitivas poderiam ser usadas pelo governo para fomentar e direcionar os esforços de inovação para o combate da crise sanitária e econômica provocada pela covid-19.
7 - Uso do poder de compra do setor público
Outra forma de incentivo seria o governo usar seu alto poder de compra para encomendar produtos e serviços das startups. Para isso ocorra de forma efetiva, o banco ressalta que seria preciso primeiro entender como essas empresas trabalham e alterar os processos tradicionais de compras públicas.
8 - Qualificação de talentos
Olhando a longo prazo para o setor, o BID recomenda um investimento na formação de profissionais altamente especializados. Como as startups costumam empregar profissionais de tecnologia, é preciso que o país siga formando pessoas com alta capacidade técnica para garantir a continuidade do ecossistema.
9- Marco Legal das Startups
Para o banco, a legislação brasileira está atrasada em termos societários, trabalhistas e tributários, o que desestimula o setor de inovação. O relatório feito pelos especialistas da instituição cita os dois projetos vigentes para o Marco Legal das Startups como boas alternativas para melhorar o ambiente de negócios.
“É preciso tornar as ferramentas mais simples, facilitar a governança das startups, facilitar a captação de investimentos. Isso tem poder para mexer com a competitividade do país como um todo”, diz Felipe Matos.
O estudo completo está disponível no site do BID.