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5 PMEs brasileiras que apostaram na África

As histórias de empreendedores brasileiros que estão investindo numa economia que vem crescendo mais de 5% ao ano na última década

Mario Spaniol, da Carmen Steffens: Na África, além de duas unidades em Angola, a Carmen Steffens tem uma loja em Moçambique, três  na África do Sul e uma no Egito. "Neste ano, planejo abrir duas unidades na Tunísia", diz Spaniol. (Fabiano Accorsi / EXAME PME)

Mario Spaniol, da Carmen Steffens: Na África, além de duas unidades em Angola, a Carmen Steffens tem uma loja em Moçambique, três na África do Sul e uma no Egito. "Neste ano, planejo abrir duas unidades na Tunísia", diz Spaniol. (Fabiano Accorsi / EXAME PME)

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Da Redação

Publicado em 5 de março de 2013 às 06h00.

São Paulo - As cenas de leões, zebras e antílopes correndo pelas savanas compõem um dos dois principais estereótipos do continente africano no imaginário das pessoas — o outro é o cenário de guerras, miséria e fome. De uns tempos para cá, no entanto, a África está mudando. Muitos países estão renascendo graças à diminuição de conflitos armados e aos investimentos estrangeiros.

Há na África, agora, cidades a reconstruir, estradas, portos e aeroportos para erguer do zero e uma classe média formada por 326 milhões de pessoas ávidas por consumir. "Ainda há grandes dificuldades para fazer negócios na África", diz o consultor Cláudio Ribeiro, especialista no mercado africano. "Mas as oportunidades de crescimento podem ser muito maiores." Veja, nas próximas páginas, cinco histórias de pequenas e médias empresas brasileiras que estão crescendo no continente africano.

Uma boa semente

Pelo menos uma vez por mês, o engenheiro Paulo Hegg, de 62 anos, deixa seu escritório, em São Paulo, para embarcar numa viagem de mais de 26 horas para Cartum, capital do Sudão, no nordeste africano. De lá, ele comanda a Bsac, empresa fundada em 2009. Seu negócio é cultivar algodão nas planícies férteis às margens de rios como o Nilo, que corta o país antes de entrar no Egito e desembocar no mar Mediterrâneo.

"As lavouras do Sudão têm potencial para estar entre as mais produtivas do mundo", diz Hegg. "A África tem tudo para passar por uma revolução agrícola."

No ano passado, a Bsac faturou 15 milhões de dólares. As receitas vêm de um contrato com o Ministério da Agricultura sudanês para plantar 80.000 hectares de algodão nos próximos cinco anos. Em 2012, na primeira etapa do projeto, a empresa cultivou 7.200 hectares.

Pelo acordo, Hegg é responsável por levar ao país técnicas de plantio desenvolvidas no Brasil, além de dar treinamento a agrônomos e lavradores sudaneses. O governo do Sudão cede terras e banca parte do investimento. O projeto já consumiu 40 milhões de dólares — a previsão é que outros 15 milhões a 20 milhões sejam necessários até o fim do contrato. "Estou trazendo a tecnologia que fez do Brasil um dos cinco maiores produtores mundiais de algodão", diz Hegg. 


A ideia de investir numa empresa agrícola no Sudão surgiu há pouco mais de uma década. Em 2002, Hegg prestava serviços para a Usiminas na Líbia quando conheceu representantes do governo sudanês. O Sudão enfrentava o desafio de encontrar uma atividade para substituir a extração de petróleo — 75% das reservas do país ficavam no território do Sudão do Sul, que estava se separando e se tornou oficialmente independente em 2011.

Hegg não era um novato no agronegócio. No Brasil, sua família é dona do laticínio Tirolez, de São Paulo, onde ele é diretor de relações internacionais. Ele viu a oportunidade e, em 2004, começou a exportar produtos brasileiros e a investir em projetos de irrigação e de agricultura.

A agricultura é um dos setores com maior potencial de crescimento na África. Segundo um estudo da Organização das Nações Unidas para Agricultura e Alimentação, o continente tem 20% das terras disponíveis para a agricultura no mundo, mas apenas metade é cultivada — e, ainda assim, com pouca produtividade, devido aos baixos investimentos em fertilizantes e tecnologia para aumentar o rendimento das lavouras.

"Muitos países africanos têm condições climáticas e solos semelhantes aos do Brasil", diz Celso Marcondes, coordenador para a África do Instituto Lula, que fomenta projetos de transferência de tecnologia brasileira para a África. "Há um potencial enorme para exportar serviços, máquinas e insumos agrícolas brasileiros."

Hoje, Hegg passa 60% do mês no Sudão. Nos próximos anos, ele pretende expandir seus negócios na África. "Além do contrato com o governo, estou tocando outros projetos de irrigação e plantio com investidores privados", diz ele. "Também estou negociando um projeto de 1 bilhão de reais para implantar usinas de açúcar e álcool no Sudão."

Hegg também estuda oportunidades no Sudão do Sul e na Etiópia. Para levar seus planos adiante, ele tem investido no desenvolvimento da mão de obra local. No ano passado, a Bsac enviou um grupo de 18 agrônomos sudaneses para um estágio de seis meses em fazendas de algodão em Mato Grosso e Mato Grosso do Sul. "Agora, quero inaugurar uma escola técnica agrícola no país", diz Hegg. "Os melhores alunos farão parte dos estudos no Brasil."

Tempo de mudança

O gaúcho Marcos Brandalise, de 53 anos, tem sido testemunha de um período de grandes transformações na África. Ele chegou ao continente no final dos anos 80 para trabalhar numa companhia de aviação em Angola — na época, o país era devastado por uma guerra civil que matou mais de 1 milhão de pessoas.

De lá, foi transferido para o Quênia, de onde os aviões da empresa decolavam para sobrevoar áreas de conflito em países como Somália e Congo, lançando de paraquedas caixas de mantimentos enviadas por organizações de ajuda humanitária. "Muita coisa mudou desde então", diz ele. "A África está renascendo e abrindo novas oportunidades para os empreendedores." 


Hoje, Brandalise vive em Nairóbi, capital do Quênia. Nos últimos anos, ele vem aproveitando uma fase de relativa paz e prosperidade na região para fazer negócios. Brandalise é dono da Brazafric. A empresa faturou 15 milhões de dólares no ano passado vendendo uma lista de produtos que inclui de chuveiros elétricos a máquinas utilizadas pelos agricultores nas lavouras de café e grãos. 

Como é comum na trajetória de muitos empreendedores, Brandalise buscou inspiração para abrir sua empresa nas dificuldades que enfrentava como consumidor. Ao se mudar para Nairóbi, no fim da década de 90, ele e sua família perceberam como o mercado local era carente de produtos e serviços. "Havia um pouco de tudo, mas com pouca variedade e quantidade", afirma ele. "Percebi uma boa oportunidade para trazer produtos importados que atendessem à demanda dos consumidores locais." 

Além do Quênia, a Brazafric tem escritórios em países do leste da África, como Moçambique, Etiópia, Uganda, Ruanda e Tanzânia. Apesar de ainda ser um bolsão de pobreza, a economia da região vem registrando um crescimento constante nos últimos anos.

O PIB dos países do leste africano aumentou 6,8% em 2011 — uma expansão superior à do continente, que foi de 4,2% no mesmo período. Neste ano, a região deve crescer mais 7%, de acordo com projeções do Fundo Monetário Internacional.

Agora, Brandalise está investindo a fim de levar mais empresas brasileiras para o leste africano. Desde o ano passado, a empresa organiza a Brazil Eastern Africa Expo, uma feira de produtos brasileiros — a segunda edição, prevista para julho, já tem 40 expositores confirmados. "De modo geral, muitos empreendedores brasileiros ainda enxergam na África um continente cheio de problemas", diz ele. "Com a feira, quero que os brasileiros venham aqui e vejam como esta pode ser uma terra repleta de oportunidades."

Uma nova energia

Até algum tempo atrás, a gaúcha Márcia Werle, de 39 anos, andava à procura de novos mercados para sua empresa, a Biotechnos. Com sede em Santa Rosa, no interior do Rio Grande do Sul, seu negócio é fabricar equipamentos utilizados na produção de biocombustíveis de matérias-primas como óleo de cozinha usado e babaçu.


"Eu estava avaliando as oportunidades de exportação para países como China e Coreia do Sul", diz ela. "Nunca passou pela minha cabeça investir na África, que para mim era sinônimo de miséria."

Sua opinião começou a mudar em 2009, depois de conhecer África do Sul, Angola e Moçambique numa viagem organizada pelo Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior. Foi quando ela percebeu que havia um enorme mercado para os produtos da Biotechnos na África, onde há demanda por fontes de energia alternativa — mais de dois terços da população africana não têm acesso à eletricidade, e é comum residências, empresas e órgãos públicos ser iluminados por geradores barulhentos movidos a óleo diesel. "Voltei de lá impressionada", diz Márcia. "Desde então, crescer na África tornou-se prioridade em nossas estratégias."

Assim como a Biotechnos, muitas outras pequenas e médias empresas que hoje operam ou exportam para a África foram incentivadas por missões empresariais promovidas por entidades como federações estaduais de indústrias e a Agência Brasileira de Promoção de Exportações e Investimentos (Apex).

"A última missão empresarial que promovemos, no final de 2011, levou 53 empresas à África e gerou 122 milhões de dólares em negócios", afirma Mauricio Borges, presidente da Apex.

O primeiro negócio da Biotechnos com clientes africanos foi fechado em 2010, durante a Copa da África do Sul. Pouco tempo depois, a empresa abriu um escritório em Johannesburgo. "Já negociamos algo em torno de 1,5 milhão de dólares em contratos", afirma Vinicius Puhl, sócio da Biotechnos.

Além da África do Sul, a empresa gaúcha tem negociações em andamento em Angola, Moçambique e Zimbábue. Hoje, cerca de 7% do faturamento da empresa vem da África — no ano passado, as receitas da Biotechnos chegaram a 4 milhões de reais. "Ainda é pouco, mas, considerando que o continente não estava nos planos da empresa, trata-se de um valor bastante significativo", diz Márcia. 

No rastro dos clientes

Em 2009, os pernambucanos Kátia Mello, de 52 anos, e Álvaro Jucá, de 56, estavam incumbidos de uma missão delicada para os planos de expansão da mineradora brasileira Vale na África. Sua empresa, a Diagonal, era responsável por remover cerca de 700 famílias de uma área no norte de Moçambique — um local onde a Vale começava a investir 1,7 bilhão de dólares para abrir a segunda maior mina de carvão a céu aberto do mundo.


No meio do projeto, seus funcionários descobriram que não teriam de tirar de lá apenas os vivos. Para a maioria dos povos desse pedaço da África, os mortos também fazem parte da família e devem acompanhá-la — por isso, seria preciso remover também os cemitérios. "Tivemos de contratar uma empresa local, especializada em prestar esse tipo de serviço", diz Kátia.

Compreender a diversidade cultural entre os diferentes povos e países africanos é um dos desafios da Diagonal. Nos últimos anos, a empresa cresceu ao atender grandes companhias brasileiras que investem na África. Fundada em Recife há 23 anos, a Diagonal se especializou em projetos de reurbanização, recuperação de territórios degradados e estudos de impactos sociais de grandes obras.

Desde então, conquistou grandes clientes no Brasil, como a Vale e a empreiteira Odebrecht. Quando essas empresas começaram a fazer projetos na África, a Diagonal acabou indo junto. 

A trajetória da Diagonal é um exemplo de como as pequenas e médias empresas do Brasil podem abrir as portas do mercado africano ao fornecer para grandes clientes que atuam lá. Nos últimos anos, muitas companhias brasileiras têm voltado sua atenção para a África — Vale e Petrobras, por exemplo, estão em busca de reservas de minério e petróleo, enquanto empreiteiras como Odebrecht e Camargo Corrêa fecharam contratos de obras de infraestrutura e moradia popular com os governos locais.

Investimentos como esses ajudaram a aumentar o comércio entre o Brasil e a África nos últimos anos — de 2000 a 2010, a soma das importações e exportações entre brasileiros e africanos aumentou mais de cinco vezes, chegando a 22 bilhões de dólares. 

Em 2009, por causa do contrato com a Vale, a Diagonal abriu um escritório em Maputo, capital de Moçambique. Atualmente, lá trabalham cerca de 100 funcionários — 90% deles moçambicanos. Além da Vale, eles atendem clientes locais, como o Ministério para Coordenação da Ação Ambiental de Moçambique. A empresa ainda tem outras três bases em Moçambique e uma no Malawi.


Hoje, 10% das receitas da Diagonal, que giram em torno dos 100 milhões de reais por ano, vêm da África. “Nossos planos são que, até 2020, os negócios africanos representem 30% das receitas”, diz Kátia. “Nosso futuro está aqui.”

Africanos emergentes

Numa avenida do bairro de Talatona, em Luanda, capital de Angola, prédios neoclássicos e condomínios luxuo­sos dividem espaço com uma enorme construção térrea cujo estacionamento costuma ficar abarrotado de carros luxuosos como Hummer e Land Rover. Trata-se do Belas, o primeiro — e até agora único — shopping da cidade, frequentado pela parcela mais abastada da população. Em seu interior, vitrines exibem roupas, sapatos, bolsas, móveis e artigos de decoração. 

Foi ali que o empreendedor Mario Spaniol, de 58 anos, iniciou a expansão de sua empresa, a fabricante de calçados Carmen Steffens, na África. Com sede em Franca, no interior de São Paulo, a marca tem 250 lojas franqueadas em 16 países — as receitas da empresa chegaram a 290 milhões de reais em 2012.

Na África, além de duas unidades em Angola, a Carmen Steffens tem uma loja em Moçambique, três  na África do Sul e uma no Egito. "Neste ano, planejo abrir duas unidades na Tunísia", diz Spaniol. 

Empresas de produtos de consumo, como a Carmen Steffens, costumam contar com uma vantagem no mercado africano: a influência das novelas brasileiras, sobretudo nos países de língua oficial portuguesa. A moda brasileira espalha-se pelo continente africano com a mesma intensidade que os sinais das duas maiores emissoras brasileiras — Globo e Record — alcançam o continente. "As marcas brasileiras são bem recebidas pelos africanos", diz Mauricio Borges, presidente da Apex.

Para muitas redes de franquias brasileiras, o mercado africano se tornou um bocado atrativo. Um estudo do Banco de Desenvolvimento Africano mostrou o surgimento de uma classe média africana, formada por consumidores que gastam de 2 a 20 dólares por dia. De acordo com a pesquisa, 34% da população africana se encaixa nesse perfil — são 326 milhões de pessoas, 30 milhões a mais do que no ano 2000.

Trata-se de um fenômeno de consumo semelhante ao que aconteceu no Brasil com o crescimento do poder aquisitivo da classe C. Nos últimos cinco anos, empresas como Bob’s, O Boticário, Mister Sheik e Via Uno passaram a operar na África, principalmente em Angola, atrás desses novos consumidores. "Para aproveitar o crescimento na África, é importante chegar primeiro", afirma Spaniol. "Por enquanto a concorrência aqui ainda é pequena, o que aumenta as chances de crescer rapidamente."

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