Um golpe no queixo do Nubank
Thais Folego Apenas duas semanas depois de receber o maior investimento de sua história, de 80 milhões de dólares, o Nubank, a fintech mais bem-sucedida do Brasil, está nas cordas. O inimigo, como acontece com frequência no Brasil, está em Brasília. Uma canetada do governo pode reduzir o número de dias que as administradoras de […]
Da Redação
Publicado em 19 de dezembro de 2016 às 18h32.
Última atualização em 22 de junho de 2017 às 18h48.
Thais Folego
Apenas duas semanas depois de receber o maior investimento de sua história, de 80 milhões de dólares, o Nubank, a fintech mais bem-sucedida do Brasil, está nas cordas. O inimigo, como acontece com frequência no Brasil, está em Brasília.
Uma canetada do governo pode reduzir o número de dias que as administradoras de cartão de crédito têm para pagar os lojistas, dos atuais 30 dias para dois dias. Hoje, o prazo de um mês dado ao consumidor final entre a compra feita no cartão e o pagamento da sua fatura é financiado pelo varejo; com a mudança, passaria a ser do emissor do cartão. É o primeiro golpe na trajetória do Nubank, e pode ser decisivo.
“Uma das mudanças propostas pelo governo, especialmente a da redução do prazo de pagamento aos lojistas, tem um impacto significativo no nosso modelo de negócio e poderia ser drástica para as fintechs”, afirma Cristina Junqueira, uma das fundadoras do Nubank, junto com Edward Wible e David Vélez, o presidente da companhia. Ela informou que a companhia está analisando as alternativas e cenários para garantir o crescimento de maneira sustentável, caso uma medida como esta seja aprovada, mas que só haverá clareza se ajustes serão necessários após saber exatamente o que será proposto pelo Banco Central.
Na semana passada, o ministro da Fazenda, Henrique Meirelles, anunciou a intenção de reduzir o prazo do pagamento para o varejo para contribuir com a retomada da atividade econômica. “Ou se reduz o prazo de repasse para o lojista ou se reduz a taxa de juros [cobrada no rotativo]”, disse Meirelles. Ele afirmou que as medidas estavam sendo desenhadas e que uma proposta final seria anunciada dali a dez dias. No entanto, espera-se que algo já possa ser revelado nesta terça-feira 20, quando o presidente do BC, Ilan Goldfajn, vai apresentar “a agenda de medidas estruturais”.
A principal receita do Nubank vem da tarifa cobrada dos estabelecimentos comerciais a cada transação do cartão, uma vez que a empresa não cobra anuidade e oferece juros menores no rotativo (quando o consumidor não paga a fatura em dia ou parcela o valor) para o seu cliente. Se o prazo para pagar o lojista for encurtado para dois dias, o Nubank terá que fazer o pagamento antes mesmo de receber o valor da fatura do cliente e, para isso, teria que captar de alguma forma esses recursos no mercado. Isso pode encarecer a operação da empresa, que perderia seu diferencial competitivo frente aos bancos – eles também teriam maiores custos, mas têm o bolso muito mais fundo.
Se aprovada a medida, o sistema de pagamentos brasileiro se aproximaria do que é praticado no restante do mundo, onde os lojistas recebem as compras pagas no cartão de crédito em dois dias. Lá fora, o descasamento entre os prazos de pagamento do lojista e do recebimento da fatura do cliente é coberto por quem emite o cartão. No Brasil o sistema também era assim até o começo da década de 1980. Mas devido à hiperinflação, as administradoras de cartão passaram a pagar os lojistas em 30 dias e, em contrapartida, reduziram a tarifa cobrada por transação, que era próxima de 10%, caiu para algo em torno de 4%.
Segundo um executivo do setor, o maior custo de financiamento que os emissores de cartão podem passar a ter deverá ser repassado aos estabelecimentos comerciais, via a taxa cobrada por transação no cartão. Essa mudança poderia mudar a forma como os agentes desse mercado são remunerados.
O percentual pago pelo lojista por transação é dividido, não em partes iguais, entre o emissor do cartão (bancos e empresas como o Nubank), a empresa credenciadora (companhias como Cielo e Rede) e as bandeiras (Visa, MasterCard, Elo, etc). O que deve acontecer é que os emissores do cartão vão passar a querer uma fatia maior desse bolo para financiar o capital de giro. As credenciadoras também terão um impacto negativo em seu negócio de antecipação de vendas, porque com um prazo de pagamento mais curto os lojistas não vão mais precisar pagar para receber as vendas com cartão antes do prazo de 30 dias.
História de sucesso
A mudança de regras altera os fundamentos do Nubank. Desde que estreou, em meados de 2014, a empresa já recebeu cinco aportes de investidores, que somaram 179 milhões de dólares. O último, anunciado no começo deste mês, foi liderado pela DST Global, que tem no portfólio investimentos na varejista chinesa Alibaba e no serviço de música Spotify.
A empresa de cartões também tem conseguido fazer negócios com empresas tradicionais do sistema financeiro. Em abril, fechou com o Goldman Sachs a criação de um fundo de recebíveis para antecipar os financiamentos concedidos no cartão – quando um cliente opta por parcelar a fatura. A linha de crédito, que inicialmente era de 100 milhões de reais, já foi ampliada para 300 milhões de reais.
Como é comum em startups, o Nunbank ainda não tem resultados positivos, mas cresce em ritmo intenso. Em 2015, primeiro ano completo de operação, a companhia perdeu 32,7 milhões de reais, ante resultado negativo de 5,7 milhões de reais no ano anterior. A receita subiu de 2 milhões de reais para 26,9 de 2014 para 2015. Em 2016, faturamento e prejuízo certamente avançaram na mesma toada.
Além do baixo custo, o que tem atraído especialmente os clientes mais jovens é a simplicidade – a Nubank afirma ter 500.000 pessoas na espera por um cartão. Todos os gastos no cartão são organizados de forma automática no aplicativo desenvolvido pelo Nubank, onde o cliente resolve tudo via chat.
Abaixo dessa camada de sucesso, porém, há uma série de incertezas. A facilidade com o modelo pode ser replicado pelos bancos ou por outras startups concorrentes é frequentemente apontada como uma fragilidade do modelo de negócios da companhia.
Os grandes bancos estão adotando modelos semelhantes. O Bradesco e o Banco do Brasil lançaram uma plataforma digital para venda de cartões também sem anuidade e gerido por meio de aplicativo. O Santander lançou a plataforma Santander Way, que funciona como uma carteira digital, numa mistura de serviços ofertados por startups como o Nubank e o GuiaBolso. O Itaú tem feito uma massiva campanha publicitária sobre o seu novo aplicativo de celular com novas funcionalidades.
Outro ponto fraco apontado é a ausência de um programa de fidelidade, algo que a empresa está buscando resolver. “Atualmente já estamos em fase de testes com o nosso programa de recompensas e tão logo seja possível ele estará disponível para os clientes”, diz Cristina Junqueira, do Nubank.
A empresa não dá maiores detalhes de como ele vai funcionar, mas é possível que os clientes que optarem pelo programa tenham algum tipo de custo adicional com isso. Em agosto, o Nubank anunciou que aumentou de 7,75% para 14% a taxa para clientes que não pagam o total de suas faturas. A Caixa cobra taxas de 15%. Ou seja, o Nubank passou a ter taxa parecida com os dos bancões.
No duelo com o Banco Central, porém, Nubank e os maiores bancos do país, na teoria, estão do mesmo lado. A startup pode até se beneficiar da pressão feita pelos gigantes junto ao negócio. E se não der certo? Neste caso, o Nubank tende a afundar sozinho mesmo. “Se montou seu negócio baseado em uma jabuticaba [prazo de pagamento ao lojista de 30 dias], o Nubank deveria prever que uma mudança como essas poderia acontecer”, diz um executivo do mercado de cartões. Parte da resposta virá nesta terça-feira.