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Da Redação
Publicado em 10 de outubro de 2010 às 04h10.
Fortalecer sua posição no mercado brasileiro não deve ser o único benefício da parceria que a Cosan costura com a Shell. A assinatura do memorando de entendimentos, que estabelece um prazo de 180 dias para que as companhias cheguem a um acordo, foi anunciada nesta segunda-feira (1º/2). Se o namoro virar casamento, a Cosan também poderá ganhar um parceiro estratégico para explorar o maior mercado de biocombustíveis do mundo - os Estados Unidos. "Com a Shell, a Cosan tem tudo para ficar bem posicionada no mercado americano", diz o analista Erick Scott, da corretora SLW.
A Shell possui uma das maiores redes de postos de combustíveis dos Estados Unidos, com quase 14.000 unidades em 49 dos 50 estados do país. Isso representa 31% dos 45.000 postos que a companhia detém no mundo inteiro. A Shell vende cerca de 3,5 bilhões de litros de biocombustíveis por ano. Cerca de 85% desse volume, ou 2,97 bilhões de litros, são de etanol. "O mais difícil é encontrar um comprador fixo nos Estados Unidos", diz Scott. "E, agora, a Cosan pode ter descoberto o seu."
Sobretaxa
Mas, para explorar realmente o mercado americano, a Cosan terá de enfrentar alguns desafios. O principal é o protecionismo. Atualmente, o etanol de cana brasileiro enfrenta uma barreira tarifária para entrar nos Estados Unidos. Para proteger os produtores locais, que fabricam álcool a partir de milho, o governo americano sobretaxa o combustível brasileiro em 0,54 centavos de dólar por galão. A eleição de Barack Obama para a presidência americana levou esperança aos produtores brasileiros de que a situação fosse revista. Mas o novo líder dos Estados Unidos jogou um balde de água fria nas expectativas, quando declarou, no ano passado, que não enxergava uma solução imediata para o problema.
Maior produtora de açúcar e álcool do país, a Cosan também sofre com a sobretaxa americana. Segundo o relatório do terceiro trimestre de 2010 (referente aos meses de outubro, novembro e dezembro de 2009), a companhia exportou 369 milhões de reais no acumulado de nove meses - uma alta de 15% sobre a base de comparação. (Continua)
Mesmo a confirmação de Thomas Shannon para o posto de embaixador americano no Brasil - uma novela que se arrastou por meses - não desperta muita esperança. Shannon já defendeu publicamente o fim da sobretaxa, e isso lhe custou a ira dos parlamentares da bancada ruralista de seu país - a ponto de um deles, o senador republicano Charles Grassley, manobrar o Congresso para adiar ao máximo sua indicação. Grassley representa o estado de Iowa, maior produtor de etanol dos Estados Unidos.
Mercado interno
Outro desafio da Cosan é equilibrar a demanda interna com a externa. No relatório do terceiro trimestre, por exemplo, a companhia observa que a "janela de exportações" para os Estados Unidos e a Europa estava fechada não por causa de sobretaxas mas porque o preço de venda do etanol, no mercado brasileiro, compensava mais.
"Sempre que há problemas no mercado de etanol, o ajuste ocorre via preço", afirma Victor De Figueiredo, analista da corretora Planner. É isto o que vem ocorrendo nos últimos meses, quando a quebra da safra na Índia fez os produtores brasileiros produzirem mais açúcar e menos etanol. O preço do combustível disparou a ponto de o governo cogitar medidas para facilitar a importação do produto. "Mas se a Cosan tiver uma possibilidade real de aumentar as exportações, pode também aumentar a produção", diz o analista.
Para isso, a empresa poderia recorrer tanto à construção de usinas quanto a aquisições. O mercado calcula que haja cerca de 50 usinas à venda atualmente, após a crise que varreu a economia mundial nos últimos 18 meses. Com o sumiço do crédito, muitos usineiros não conseguiram manter a atividade, se endividaram e agora tentam se desfazer do negócio. (Continua)
Ativo estratégico
Explorar a rede de distribuição da Shell nos Estados Unidos via exportações é a opção, por ora, mais difícil para a Cosan. Mas a parceria em estudo com a companhia anglo-holandesa também incorpora um ativo estratégico - a Iogen, empresa canadense dedicada à pesquisa e produção de etanol a partir de celulose. As ações da Iogen em poder da Shell - que correspondem a 50% da companhia - devem ser transferidas para a joint-venture com a Cosan.
A Iogen seria estratégica para a Cosan por dois motivos. O primeiro é que colocaria a empresa brasileira na briga pelo etanol do futuro. O segundo é mercadológico. Por ser canadense, o etanol da Iogen não é sobretaxado ao entrar nos Estados Unidos. Quando o governo americano impôs restrições à importação de etanol, deixou de fora os membros do Nafta e seus parceiros comerciais do Caribe. Controlar uma empresa canadense abriria, portanto, uma possibilidade de a Cosan driblar as barreiras americanas.
Por enquanto, a Iogen possui uma planta-piloto em Ottawa, que produz cerca de 40.000 litros mensais de biocombustível, mas os planos são de alcançar uma escala industrial de produção. Em junho do ano passado, a Shell e a Iogen anunciaram o primeiro posto de combustível da rede a vender, em caráter experimental, gasolina misturada com etanol celulósico. A unidade fica também em Ottawa. Caso os testes sejam positivos e a Iogen ganhe escala, poderá ser uma forma indireta de a Cosan explorar o promissor mercado americano de etanol.