Sem a fusão com a Fiat Chrysler, qual o futuro da Renault?
O fim das conversas com a FCA levantou dúvidas, incluindo os próximos passos da montadora francesa para crescer em um mercado cada vez mais disputado
Juliana Estigarribia
Publicado em 11 de junho de 2019 às 06h00.
Última atualização em 11 de junho de 2019 às 07h42.
Repentina e fugaz. Assim foi a proposta de megafusão entre Fiat Chrysler e Renault, que em poucos dias foi retirada da mesa. Os motivos para o fim das conversas não são a única dúvida que paira no ar: sem a união, para onde vai a montadora francesa, que pouco a pouco perde espaço no mercado global?
As vendas totais das cinco marcas do grupo francês vêm apresentando oscilações nos últimos anos, chegando a 2018 com uma queda de 1,2%. No período, os volumes globais do selo Renault - que representam quase 70% da receita - recuaram 5,2% sobre o ano anterior. O desempenho das outras marcas do portfólio também mostra fragilidade em um mercado mais e mais disputado. A RSM, por exemplo, tem reportado quedas sucessivas, encerrando 2018 com retração de 14,9%. Somente a performance da Dacia cresce.
Ainda conforme levantamento de mercado obtido por EXAME, os emplacamentos da montadora ao redor do mundo - o que foi efetivamente vendido no varejo e no corporativo, não só na distribuição - mostram fragilidade. Nos últimos cinco anos, a marca Renault não só apresentou queda (em 2015 e 2018, de 0,5% e 6,2%, respectivamente), como teve tímida recuperação nos anos de alta. Alguns dos principais mercados para o selo vêm reportando resultados fracos, com destaque para retrações na França (-2,6%), Itália (-6,3%) e Rússia (-0,1%) no ano passado. O consenso entre analistas ouvidos pela reportagem é que a empresa está bem posicionada em alguns países da Europa, com bons volumes e produtos de qualidade, mas há um alerta globalmente para a queda das vendas.
No Brasil, a montadora conseguiu ganhar ampla participação com modelos sob a plataforma Dacia, que caíram no gosto popular. A companhia saiu de pouco mais de 3% de market share no início dos anos 2000 para quase 9% atualmente, desbancando o clã das quatro grandes (Volkswagen, General Motors, Fiat e Ford) e tornando-se a quarta marca mais vendida do país - se a conta incluir somente automóveis, a empresa sobe para o terceiro lugar. Além de resultados satisfatórios no varejo, também entra pesado nas vendas corporativas, o que garante volumes para manter a operação fabril do Paraná rodando com estabilidade.
Só que o mercado automotivo tem apontado cada vez mais para outras duas regiões, a Ásia e a América do Norte. A fusão seria a chance da Renault de entrar nos Estados Unidos, responsável por dois terços da receita líquida da FCA atualmente - talvez o maior trunfo do casamento entre Fiat e Chrysler até o momento.
No entanto, o oásis da indústria será mesmo a China e seu entorno. “Metade do volume de vendas de veículos no futuro vai estar na Ásia”, estima Rodrigo Custódio, diretor da consultoria Roland Berger e especialista do setor automotivo.
Velhos amigos
Nem só de volumes vive a indústria automotiva. Com uma agenda repleta de urgências, que incluem o desenvolvimento de veículos conectados, elétricos e autônomos, tudo ao mesmo tempo, as montadoras terão que unir forças para bancar essa missão. E a Renault já vem fazendo isso há quase 20 anos com a japonesa Nissan.
As duas empresas mantêm uma parceria global, que resultou em fortes sinergias de operações e custos. Apesar das equipes de vendas e marketing separadas, há um time administrativo dedicado a assuntos pertinentes à aliança. Além disso, as montadoras são líderes na corrida pelo veículo elétrico, com destaque para o Leaf (Nissan) e para o Zoe (Renault).
Neste cenário, o compartilhamento de novas tecnologias pode ter sido um dos entraves para a resistência demonstrada pela Nissan no curto processo de discussões para uma possível fusão entre FCA e Renault. A Fiat está, tardiamente, correndo atrás de se destacar na eletrificação e o know-how da montadora francesa encurtaria o caminho, como a própria proposta de fusão da italiana elucidava. Porém, no caminho havia a Nissan, que está intrinsecamente ligada a essas tecnologias, sugerindo que a união teria que necessariamente incluir a japonesa.
Mas sem um assento no conselho da nova empresa? A proposta do conglomerado ítalo-francês sem um lugar para a Nissan no board teria soado como algo aviltante para os executivos da montadora japonesa. O fato é que a ambição de uma megafusão acabou rápido demais e, segundo analistas do mercado, teria trazido à tona um insight: nem Renault nem Nissan sobrevivem mais sozinhas em um mercado em forte transformação. As estratégias das montadoras miram volumes cada vez maiores, entre 7 milhões e 10 milhões em vendas anuais. Renault persiste na casa de 3 milhões de unidades e, a Nissan, de 5 milhões.
Ambas ainda terão pela frente um sério problema de governança no Japão e na França, resultante das denúncias contra o ex-presidente do conselho da aliança, Carlos Ghosn, preso sob acusação de uso indevido de recursos corporativos. A situação se agravou mais neste final de semana, com a notícia de que a Renault travaria as reformas planejadas pela Nissan se a montadora japonesa não garantisse mais representação dos franceses nos novos comitês. O caso veio à tona com a divulgação de uma carta assinada pelo presidente do conselho da Renault, Jean-Dominique Senard, que segundo reportagem do Financial Times quer mais poder de decisão para a montadora na parceira japonesa.