Complexo Siderúrgico do Atlântico (CSA), no Rio de Janeiro: parceria da Vale com a alemã ThyssenKrupp (.)
Da Redação
Publicado em 10 de outubro de 2010 às 04h11.
Não é exagero dizer que há quase um século o governo tenta incentivar o desenvolvimento da indústria siderúrgica brasileira. Na década de 1920, Arthur Bernardes, que comandava Minas Gerais e depois viria a se tornar presidente da República, já alertava que o "minério só dá uma safra" e que era necessário agregar valor a ele. O sonho de Bernardes se transformou em realidade entre as décadas de 1950 e 1980, quando a indústria siderúrgica brasileira se desenvolveu apoiada em investimentos estatais e na instalação de grandes montadoras no país.
Apesar de terem conseguido construir um dos polos siderúrgicos mais competitivos do mundo, as empresas brasileiras investiram muito pouco na expansão da capacidade nas últimas duas décadas. E o país ficou para trás. A China, líder mundial, produziu 500 milhões de toneladas de aço no ano passado, enquanto o Brasil, nono do ranking, colocou no mercado 33,7 milhões de toneladas - menos de um décimo do país asiático. Paralelamente, a Vale se consolidou como a maior exportadora de minério de ferro do mundo, fornecendo o produto para a China transformá-lo em aço.
Só recentemente o Brasil resolveu retomar os projetos siderúrgicos. O que chama a atenção em todo esse processo é que a empresa que lidera esse movimento não é uma siderúrgica, mas a mineradora Vale. Mesmo assim, a maior empresa privada do Brasil tem sido constantemente criticada pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Primeiro por investir demais no exterior. Depois por exportar o minério de ferro para a China, "deixando os buracos" no Brasil. Então por comprar navios de estaleiros chineses, exportando empregos ao país asiático.
A irritação teria começado no final do ano passado, quando, em meio à maior crise financeira mundial das últimas décadas, a Vale demitiu cerca de 1.300 funcionários e cortou o plano de investimentos deste ano de 14 bilhões para 9 bilhões de dólares. Apesar dos rumores de que os ânimos do governo teriam se acalmado nas últimas semanas, o festival de delírios continua. Nesta semana, o ministro Edison Lobão (Minas e Energia), por exemplo, afirmou que a Vale deveria se tornar a maior exportadora de aços laminados do Brasil e concorrer com a ArcelorMittal, a maior siderúrgica do mundo.
Projetos siderúrgicos da Vale já anunciados | ||||
Projeto
|
Local
|
Sócio
|
Investimento
|
Capacidade (mi de toneladas/ano de aço)
|
Aços Laminados do Pará |
Marabá (PA)
|
não há
|
US$ 3,3 bi
|
5
|
Companhia Siderúrgica de Pecém |
São Gonçalo do Amarante (CE)
|
Dongkuk
|
US$ 4 bi
|
6
|
Companhia Siderúrgica Ubu |
Anchieta (ES)
|
não há
|
US$ 3 bi
|
5
|
Companhia Siderúrgica do Atlântico (CSA) |
Santa Cruz (RJ)
|
ThyssenKrupp
|
US$ 6,6 bi
|
5
|
Total: |
|
|
US$ 16,9 bi
|
21
|
Fonte: Vale e analistas |
Três fatos, no entanto, comprovam a visão míope do governo em suas críticas à Vale. O mais óbvio é que raras são as grandes empresas que não demitiram ninguém nem cancelaram investimentos em meio à crise. Além disso, a Vale pode criar um mal-estar com seus clientes produtores de aço se investir demais em siderurgia. Por último, a Vale está diretamente envolvida em quatro grandes projetos siderúrgicos no Brasil, que devem consumir investimentos totais - incluindo o de parceiros - que encostam em 17 bilhões de dólares. Em volumes, essas quatro siderúrgicas vão agregar até 21 milhões de toneladas de aço à capacidade brasileira - ou seja, 50,6% de tudo o que pode ser produzido no país hoje (41,5 milhões de toneladas).
O primeiro projeto a ser entregue pela Vale será o do Complexo Siderúrgico do Atlântico (CSA), no Rio de Janeiro. O empreendimento, que tem como sócio o alemã ThyssenKrupp, terá capacidade para produzir 5 milhões de toneladas anuais de aço e vai consumir um investimento total de 6,6 bilhões de dólares. Segundo a Vale, esse é o maior investimento industrial em construção no Brasil e a primeira siderúrgica de grande porte a ser construída no país desde meados da década de 80. A mineradora terá participação de 26,87% no projeto e, em troca, ganhou o direito de ser fornecedora exclusiva de minério de ferro para a CSA. O início da produção está previsto para o próximo ano. (Continua)
Segundo o Instituto Aço Brasil (IABr), além da Vale/Thyssen apenas a Votorantim Siderurgia e a Vallourec & Sumitomo possuem projetos para ampliação da capacidade de produção de aço já em fase de implantação no país. A Votorantim está prestes a finalizar a construção de uma nova usina em Resende (RJ) que terá capacidade para produzir 1 milhão de toneladas de placas de aço por ano. Já o complexo siderúrgico da Vallourec, que está em fase de instalação em Jeceaba (MG), terá capacidade para 1 milhão de toneladas de aço bruto - também bem abaixo da CSA.
Projetos siderúrgicos em andamento no Brasil | ||||
Empresa
|
Projeto
|
Local
|
Investimento inicial
|
Capacidade (mi de toneladas/ano de aço)
|
Vale |
Companhia Siderúrgica do Atlântico (CSA)
|
Santa Cruz (RJ)
|
US$ 6,6 bi
|
5
|
*Vallourec&Sumitomo |
Complexo Siderúrgico
|
Jeceaba(MG)
|
US$1,6 bi
|
1*
|
Votorantim Siderurgia |
Usina siderúrgica
|
Resende (RJ)
|
não informado
|
1
|
* Além de aço bruto, o complexo terá capacidade para produzir 600 mil toneladas/ano de aço sem costura | ||||
Fonte: Empresas |
Os projetos da Usiminas em Ipatinga (MG) e Cubatão (SP) também não chegam a fazer sombra aos projetos da Vale. Eles não são voltados para ampliação de capacidade de produção de aço, mas para melhorias na qualidade do processo, afirma o consultor e professor da Universidade Federal de Uberlândia (UFU), Germano Mendes de Paula. Os projetos de expansão da CSN, por sua vez, estão emperrados há anos. Uma das alternativas da empresa seria vender parte de seu negócio de mineração - que inclui a Casa de Pedra - para deslanchar os investimentos em siderurgia. Nesta semana, no entanto, o controlador da CSN, Benjamin Steinbruch, disse que nenhum outro projeto da empresa poderia lhe dar rentabilidade semelhante à da Casa de Pedra, colocando dúvidas sobre o negócio.
Projetos siderúrgicos anunciados no Brasil | ||||
Empresa
|
Capacidade (mi de toneladas/ano de aço)
| |||
CSN |
6,8
| |||
Usiminas |
5
| |||
Gerdau |
3
| |||
Arcelor Mittal |
2,5
| |||
Aços Villares |
0,5
| |||
Total: |
17,8
| |||
Fonte: analistas com base em dados do IBS |
As vantagens da siderurgia
Em geral, investir em mineração é mais rentável do que em siderurgia devido às características de cada mercado. Cerca de 70% do minério de ferro produzido no mundo está concentrado nas mãos de três empresas: Vale, BHP e Rio Tinto. Já a indústria siderúrgica é bastante fragmentada e, por esse motivo, dificilmente consegue margens de lucro próximas às da mineração.
O governo pressiona a Vale a investir em siderurgia porque, ao agregar valor ao minério, a empresa ajudaria o país a gerar mais riqueza e empregos. A construção de um polo siderúrgico costuma incentivar a implantação de toda uma cadeia de empresas que consomem o aço, como metalúrgicas ou montadoras. É muito mais fácil consolidar a vocação econômica de um polo do que criar algo novo do nada. E as siderúrgicas promovem um encadeamento muito maior do que as mineradoras, uma vez que a gama de clientes é muito maior, diz uma fonte. (Continua)
A própria Vale obtém algumas vantagens ao investir em siderurgia. "Esse tipo de operação permite às mineradoras agregar valor. Hoje a cotação de uma placa de aço é de 380 dólares por tonelada, contra 60 dólares a tonelada de minério de ferro, afirma o analista do Banco Banif, Gilberto Cardoso. Segundo a Fator Corretora, os novos investimentos da Vale também a ajudariam a diminuir sua dependência da China. O país asiático é o mais importante cliente da Vale, mas, devido à distância do Brasil, os custos de frete para o transporte do minério acabam sendo pesados. Ao trazer grandes clientes para o Brasil, a mineradora reduz as vantagens competitivas das mineradoras australianas, que têm despesas com frete bem menores para entregas na China.
A situação também é vantajosa para os parceiros. Os sócios estrangeiros da Vale nos projetos brasileiros - a ThyssenKrupp e a sul-coreana Dongkuk - têm garantido um suprimento de minério e podem se instalar em um país com baixos custos de produção. Os gigantes da siderurgia mundial também estão de olho no potencial de crescimento do mercado interno brasileiro, no qual os preços praticados são tradicionalmente superiores aos de exportação. Se o Brasil crescer como se espera nos próximos anos, a demanda por aço deve aumentar exponencialmente.
Viés político
Isso mostra que os investimentos da Vale em siderurgia estão longe de ter um viés meramente político. Segundo fontes ouvidas pelo Portal EXAME, o único projeto que sofreu interferência é o do Pará. Entre os motivos estão a menor competitividade quando comparado aos outros três projetos (CSA, CSP e CSU) e a contradição com a filosofia logística da empresa. Ao invés de ser construída no litoral, como os demais projetos da Vale, essa usina estará localizada no interior do estado. "Lá, outros fatores pesaram. Ainda hoje Carajás [no Pará] é a maior mina da Vale. Dessa forma, o governo do Pará tem muito interesse em sediar mais um projeto da mineradora que, certamente, irá recolher impostos e gerar empregos", afirma uma das fontes.
Embora oficialmente a Vale descarte que os projetos siderúrgicos sejam uma forma de diluir as pressões do governo, a empresa lançou na semana passada uma grande campanha de mídia para divulgar seus investimentos no Brasil. A mineradora tenta, com isso, fazer Lula e setores do PT desistirem de ampliar a participação estatal na companhia.
Mesmo com a privatização, a presença estatal já é forte na Vale hoje. A Valepar (holding que controla a Vale) detém 52,7% do capital votante da mineradora e o BNDESpar, 6,7%. A Valepar, por sua vez, é composta pela Litel (que inclui fundos de pensão estatais como Previ, Funcef, Petros e Fundação Cesp, com 49% de participação), Elétron (grupo Opportunity com 0,03%), Bradespar (controlada pelo Bradesco, com 21,21%), Mitsui (18,24%) e BNDESPar (11,51%).
Na avaliação de Gilberto Cardoso, da Banif, um eventual aumento de participação do governo seria negativo para a Vale. "O mercado não veria isso com bons olhos pela diminuição na agressividade no desenvolvimento de novos mercados e pelos riscos de erosão na geração de valor e de perda de produtividade", afirma Cardoso. Ainda segundo ele, a ressalva do mercado quanto à participação estatal em grandes empresas está relacionada a eventuais usos políticos e loteamento de cargos. "A Petrobras, por exemplo, ainda tem alguns descontos em relação a seus pares em virtude da ingerência estatal, que amplia esse tipo de risco." Equilibrar os interesses do governo e dos acionistas parece ser o grande desafio para a Vale, ao menos até o final de 2010.