Será que empregados seriam capazes de tudo – inclusive ameaçar a própria segurança ou a economia mundial - por um extra no final do ano? (Stock.xchng)
Da Redação
Publicado em 7 de maio de 2013 às 14h44.
São Paulo – Há quem diga que o órgão mais sensível do corpo humano é o bolso. Talvez por isso tanta gente tenha medo de que ele fale mais alto que a cabeça em momentos cruciais. Um desses momentos é durante um voo, quando todas atenções da tripulação devem estar voltadas primordialmente à segurança de todos os passageiros.
Em abril deste ano, a GOL protagonizou uma polêmica em torno dos bônus atrelados à economia de combustível – item que responde por mais de 40% dos custos operacionais da empresa. O desconforto com a remuneração variável não é nada novo.
Em 2009, os bônus foram demonizados no mundo todo. Isso porque, com as principais economias do planeta lutando contra uma crise financeira – que mostra sua força até hoje na Europa -, havia executivos embolsando milhões pelo desempenho de 2008 – ainda que essa performance estivesse acontecendo graças à, por exemplo, venda de crédito a quem não poderia pagar.
Mas afinal, será que empregados seriam capazes de tudo – inclusive ameaçar a própria segurança ou a economia mundial - por um extra no final do ano?
De cara, não há resposta correta. É impossível generalizar: cada pessoa enxerga os limites éticos de forma bastante individual. “Mesmo o instinto de sobrevivência é uma percepção muito pessoal”, afirma Regina Silva, psicóloga e diretora do Gyraser, centro de treinamento especializado em organização financeira e emocional.
Para ela, são três variáveis que podem interferir na forma como o bônus afeta o comportamento do funcionário – duas delas de responsabilidade da empresa.
Cultura
O modelo de gestão de pessoas da empresa é o primeiro item a ser avaliado. Regina explica que, caso a liderança estimule o conflito – em oposição à colaboração – entre os funcionários, a política de bônus pode virar um duelo egos.
“Empresas com o formato de gestão muito agressivo, que geram competitividade entre os funcionários, têm de redobrar os cuidados na elaboração de uma política de bônus”, diz. “Cada empresa deve criar seu próprio formato de acordo com os valores que são praticados dentro da instituição.”
Exatamente por isso, Regina destaca que o formato da bonificação deve ser pensado em conjunto. “Algumas mecânicas deixam os profissionais angustiados. Por diversas vezes recebi aqui pessoas desesperadas, longe das metas, mas perto do fechamento do período contábil”, diz.
Bullying e particularidades
O receio de virar chacota entre os colegas de trabalho, ou de ser repreendido pelo chefe, também pode gerar atitudes inconsequentes. “É uma questão de como o gestor é orientado a lidar com isso”, afirma. “Deixar a condução dessa política livre pode criar problemas muito sérios.”
Talvez daí venha uma das preocupações da GOL, que reitera que a liderança direta dos pilotos ou seus pares não têm acesso aos relatórios de desempenho e economia de combustível de cada aeronauta.
O momento pessoal de cada funcionário pode também influenciar na forma como cada um fará a autogestão. “As pessoas fazem planos para o dinheiro antes mesmo de tê-lo. Para algumas pessoas, o bônus é um extra. Para outras, é o dinheiro que vai cobrir o cheque especial, eliminar uma dívida ou quitar o carro”, diz.
Ética
A questão central, nesse ponto, é ética. E como toda questão ética, tem controvérsias. Por isso, escolher adequadamente o formato de remuneração variável evita ruído e conversas de corredor. Marcelo Samogin, economista e diretor da consultoria Remunerar, diz já ter visto, por exemplo, empresas de saúde adotarem o tempo médio de internação dos pacientes como indicador para a remuneração variável da equipe médica.
“O risco, aí, era ser agressivo demais e ultrapassar essa linha cinza da ética. Criar uma meta de tempo de internação dos pacientes é um mecanismo questionável”, diz.
Para ele, a questão da GOL esbarra em um problema similar – até porque, o reduzido número de empresas aéreas em operação no país deixa o consumidor a mercê das práticas adotadas pelo mercado.
Premiação heterogênea
Outra zona de conflito ético é encontrada nas diferenças de premiação entre cada faixa da hierarquia da empresa. Samogin explica que quando há remuneração variável apenas para níveis gerenciais, o ruído é inevitável. “Criar ferramentas para premiar alguns em detrimento de outros gera insatisfação e especulação dentro da empresa. Acaba desestimulando em vez de motivar”, diz.
Por isso, a maior parte das empresas adota um conjunto de indicadores que são aplicáveis aos variados níveis da empresa.
A cada escalão, uma métrica ganha maior ponderação em relação a outra. “Para os diretores, geralmente têm mais peso os resultados globais da empresa. Para níveis gerenciais, via de regra, o indicador mais forte é o de gestão de pessoas e para o nível operacional, há alvos individuais”, diz José Francisco D’Annibal, sócio diretor da R$emunera.
A composição desses três elementos com ponderações particulares tira o caráter individual da meta, o que acaba reduzindo o risco de exageros dos empregados.
Prazo
Para a maior parte das empresas, o mundo começa e acaba em um trimestre. Por isso mesmo, outro perigo das políticas de bônus reside no prazo de vigência dessas metas. O curto prazo pode ser fatal. “É um perigo amarrar os bônus a prazos curtos. A visão imediatista pode provocar ações intempestivas”, diz D’Annibal.
Por outro lado, alvos de longo prazo não são tão motivadores, o que tira boa parte do efeito moral de uma política de bônus.
Para equilibrar essa balança, Samogin destaca a possibilidade de avaliar também o impacto dessas políticas sobre o consumidor final. “O ideal é que um indicador de curto prazo e confronte com outro de longo prazo, como satisfação dos clientes. Assim, o colaborador acaba tendo percepção mais clara do impacto de suas ações na empresa e no público-alvo.”