Economia

Presidente da Anfavea quer produção nacional de semicondutores

Luiz Carlos Moraes afirma que está em elaboração projeto para fomentar indústria de semicondutores no país e evitar riscos geopolítico e climático

Luiz Carlos Moraes: "Nossas fábricas são tão modernas quanto lá fora"  (Anfavea/Divulgação)

Luiz Carlos Moraes: "Nossas fábricas são tão modernas quanto lá fora" (Anfavea/Divulgação)

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Agência O Globo

Publicado em 27 de abril de 2022 às 11h18.

A crise dos semicondutores, que paralisou as fábricas de automóveis durante a pandemia, pode deixar pelo menos um saldo positivo para a indústria brasileira. Está no forno um projeto para fomentar a produção desses componentes no país. É um plano que deve levar entre dois e três anos até sair do papel, não resolve a crise neste ano, mas já é um primeiro passo, conta Luiz Carlos Moraes, presidente da Anfavea, a associação que reúne as montadoras no Brasil.

Moraes encerra, esta semana, seu mandato de três anos à frente da entidade tendo enfrentado um cenário inesperado: Covid-19, paralisação de fábricas, falta de componentes, alta de juros, inflação e guerra na Ucrânia. Será substituído por Márcio de Lima Leite, da Stellantis.

Moraes conversou com GLOBO durante a Agrishow, a maior feira de agronegócios do país, a primeira realizada presencialmente em dois anos.

Que lições a crise dos semicondutores trouxe ao país?

Essa crise mostrou como é frágil o sistema de produção global, em especial semicondutores. E, nos próximos anos, a demanda de diversos setores por esses componentes, como computadores, celulares, máquinas, automóveis vai quintuplicar. Não se pode ficar tão dependente da Ásia. É uma questão geopolítica. Todos os países estão fazendo algo: EUA, Alemanha, Coreia.

Não seria uma oportunidade de atrair investimentos ao Brasil?

Sim. Em conjunto com outras entidades, como a Associação Brasileira de Semicondutores (Abisemi) e a Associação Brasileira da Indústria Elétrica e Eletrônica (Abinee), além da academia, conseguimos criar um projeto junto ao governo brasileiro no sentido de criar condições para ter uma indústria de semicondutores. Ela já existe. Só que ela atende computadores e celulares, alguns nichos. De automóvel é tudo importado.

Em que fase está o projeto?

Estamos na fase de construir algo prático. Não vai resolver o problema dos semicondutores este ano nem em 2023. É uma visão de dez, vinte anos. Essa pode ser uma das consequências positivas da crise de semicondutores. Agora, precisa ter uma política que atraia as empresas, porque é uma indústria de muita pesquisa e desenvolvimento, investimento altíssimo.

E demora-se de dois a três anos para colocar uma fábrica para rodar. Mas mercado tem, porque esses componentes vão para computador, celular, carro, automação industrial, TVs, jogos.

O que prevê a proposta?

A proposta prevê investimentos privados, atraindo grandes players do mundo, que têm a preocupação geopolítica. A gente precisa usar isso. Estão em lugares que podem ser problema, como Taiwan. Aquela região é sensível, e a guerra na Ucrânia mostrou o risco da questão geopolítica. O risco climático está na pauta.

No caso do semicondutor, teve nevasca em uma região onde há fábricas nos EUA, falta de água em Taiwan, e incêndio numa fábrica do Japão. Eventos climáticos extremos vão ser mais frequentes e se você está tão dependente da cadeia global, tem risco maior. Não sou contra a globalização, mas será preciso revisitá-la e, para determinadas situações, ter ação local.

Juros altos e inflação voltaram ao cenário econômico do país. Como isso impacta o setor?

Impacta na veia. Mais de 50% das nossas vendas no varejo são financiadas. O Brasil não tem o leasing (operação semelhante ao aluguel, em que a locadora adquire um bem escolhido pelo cliente para, em seguida, alugá-lo a este último, que paga prestações). O
leasing tem Imposto Sobre Serviços (ISS), um tributo que penaliza o custo da operação. Como a gente não tem o leasing, tem que fazer Crédito Direto ao Consumidor (CDC).

Com juros altos e o fim dos carros populares só os ricos vão poder ter carro zero no Brasil?

A primeira coisa é que o Brasil precisa voltar a crescer de forma robusta. O setor automotivo não consegue resolver o problema da economia. É um problema do governo. O desemprego é alto, a renda é baixa.

O que está na nossa mão é tentar eliminar os custos adicionais, baixar a tributação, que é absurda no país, tirar o Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI) definitivamente. A gente pode influenciar e alertar.

Qual o futuro do parque automotivo brasileiro com as mudanças que a eletrificação vai trazer?

Aos poucos os clientes começam a se preocupar com essa questão, sejam frotistas ou donos de máquinas agrícolas. Essa preocupação da sociedade vai influenciar a decisão da compra de veículos. A infraestrutura é outro elemento. Daqui para a frente você precisa da infraestrutura. Não é algo que a montadora faz sozinha.

A infraestrutura é o maior gargalo?

O grande gargalo são os pontos de recarga. Estamos discutindo com eventuais parceiros. A indústria do biocombustível precisa fazer investimento relevante. Enquanto não tem a solução definitiva da célula de combustível e bateria, você pode descarbonizar usando biocombustível.

Hoje, se você me perguntar a solução para o Brasil, não tem. Na Europa tem porque o governo puxa, a sociedade puxa. Na China também.

Estamos atrasados na eletrificação?

Sim. A descarbonização não se resolve só com veículo novo. Você precisa trocar a frota circulante, a exemplo de outros países. A Anfavea brigou muito pela renovação da frota de caminhões nos últimos 20 anos.

Nós trouxemos a questão da descarbonização, pensamos o que pode ser feito, e apresentamos um estudo aos quatro ministérios (Minas e Energia, Economia, Infraestrutura e Meio Ambiente). Os ministérios precisam conversar para que as políticas não sejam conflitantes.

Como está esse plano?

Teve boa repercussão, mas precisa dar continuidade. Não é um plano de governo, mas de Estado. China, Índia, Alemanha, EUA têm programa. Até 2040 ou até 2050 estabeleceram metas para diminuir a emissão de carbono. A Europa tem metas. A partir daí, as empresas vão fazer seus ajustes. Aqui, ainda não sabemos a direção.

Quando vamos produzir veículos elétricos em escala? O Brasil será um hub exportador?

Já produzimos caminhão e ônibus elétrico. Temos iniciativas importantes nos veículos pesados que estão sendo usados para aplicações urbanas. Para longa distância, estamos pensando em definir rotas prioritárias. Temos híbridos. Mas é preciso escala.

O setor privado está interessado em atuar na área de energia limpa. Algumas empresas têm suas políticas ESG para o bem do meio ambiente e da sociedade. Agora é preciso ajustar para o investimento ir para o lugar certo, já que os recursos são limitados e é preciso planejar. Não é simples.

Qual o balanço da sua gestão?

Foi desafiador, mais do que a gente esperava. Já tinha dimensão do tamanho da indústria, mas obviamente não imaginava que ia acontecer tudo o que aconteceu: pandemia, paralisação de linha de montagem, falta de matéria-prima, como aço e resinas, e de capital de giro. Culminou na crise de semicondutores. Ainda temos fábricas paradas. Agora, veio a guerra. Tem muito chicote (condutor de energia no veículo) que era feito na Ucrânia. Bagunçou tudo.

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