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Por que as lojas da Apple vão virar “praças”

A mudança se baseia na ideia de que as pessoas estão sempre nas lojas e a Apple deve transformar o espaço em uma “área de convivência e criação”

Sede da Apple em Cupertino: Angela Ahrendts, vice-presidente de varejo da Apple, apresenta o conceito de transformar as lojas em praças públicas (Justin Sullivan/Getty Images)
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Thiago Lavado

Publicado em 14 de setembro de 2017 às 21h48.

É até justo que o iPhone X, lançado em comemoração aos 10 anos de um celular que mudou a sociedade, tenha roubado a cena nesta terça-feira no mais novo lançamento da empresa de tecnologia Apple. Mas um detalhe importante passou quase despercebido: a Apple está mudando o conceito de suas lojas, deixando de chamá-las lojas e passando a chamar de “praças”. Como tudo na Apple, é uma nova jogada de marketing egocêntrico, mas a mudança diz muito sobre o futuro da empresa.

Segundo a apresentação da vice-presidente de varejo, Angela Ahrendts, o conceito se baseia na ideia de que as pessoas estão sempre pela loja da Apple e a companhia deve transformar o espaço em uma “área de convivência e criação”. Segundo Ahrendts cerca de 500 milhões de pessoas visitam as 498 lojas da companhia em 22 países todos os anos – no Brasil são apenas duas unidades, uma no Rio e outra em São Paulo.

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O objetivo, como afirmou Ahrendts, é tentar aproximar a Apple de suas comunidades, principalmente nas grandes cidades. A iniciativa irá introduzir, por exemplo, a “Terça-feira do professor”, um dia com oficinas para professores aprenderem a utilizar melhor as ferramentas e aparelhos da empresa. Haverá também uma funcionalidade chamada “Hoje na Apple”, com ensino e debates sobre fotografia, música, desenvolvimento de aplicativos e programação. “O espaço estará aberto para todos. Queremos que as pessoas relaxem, se encontrem com amigos, escutem artistas locais nos finais de semana, participem de fóruns de design”, disse a executiva da companhia.

Usar tecnologia de ponta e aspectos digitais para transformar a boa e velha loja não é uma exclusividade da Apple. No mesmo estilo, a varejista digital Amazon recentemente tem valorizado sua presença física, criando livrarias que não aceitam dinheiro e funcionam de maneira automatizada e integrada à tecnologia da empresa. À sua maneira, o plano da Apple de expansão física também busca não só fazer com que os clientes levem os aparelhos para casa, mas venham usá-los na “casa da Apple”.

As primeiras praças, inclusive, já estão a caminho. Em Chicago, uma será inaugurada no dia 20 de outubro. Haverá uma dentro da nova sede da Apple, em Cupertino, Califórnia. A famosa loja da Apple na Quinta Avenida, em Nova York, será renovada, com o retorno do Apple Cube, além de um espaço externo para que as pessoas possam “desfrutar do sol”.

A iniciativa não fica só nos edifícios de arquitetura moderna da companhia: a Apple está renovando um edifício na Avenida Champs-Elysée em Paris, transformando um teatro sob a Piazza Libertà em Milão e restaurando a Biblioteca Carnegie, em Washington. “Nosso varejo sempre foi mais do que só vender”, disse o presidente da companhia Tim Cook durante o evento de lançamento.

Trazer mais gente para dentro das lojas e oferecer eventos é a maneira ideal de criar uma comunidade em torno de sua linha de produtos — e, claro, lucrar com isso.

Mas a notícia não foi bem recebida por todos. Principalmente porque a novidade da Apple para suas lojas escancara a relação entre público e privado que pauta a sociedade. A revista CoDesign, da publicação Fast Company, especializada em design e cidades fez uma crítica à nova concepção de espaço. “É uma realidade assombrosa na vida americana atual. Algumas verdades: há décadas as entidades privadas têm engolido os espaços públicos. Apenas na cidade de Nova York há 500 praças, parques, ruas fechadas e outras áreas públicas que agora são gerenciadas por companhias privadas.” Segunda uma pesquisa do Departamento de Trabalho, chamada Pesquisa do Uso do Tempo Americano, mostrou que na média a população dos Estados Unidos passa 45 minutos por dia comprando algo, comparado a 20 minutos em atividades religiosas ou cívicas.

Para Mauro Calliari, mestre em urbanismo e autor do livro Espaço Público e Urbanidade em São Paulo, é preciso fazer uma definição melhor entre espaços públicos e espaços privados. “Não só porque um espaço é público significa que seu uso é irrestrito: hospitais por exemplo são espaços públicos de uso restrito. É possível haver espaços privados de uso coletivo”, diz.

Para ele, é uma hipótese tentadora dizer que a Apple tenta construir espaços privados de uso coletivo porque há uma descrença na capacidade do poder político em fornecer isso. Mas isso não precisa ser necessariamente verdade: “Parece ser mais uma tentativa de emular espaços públicos que já existem e que são representativos, como a Times Square ou a Highline. Não é vácuo de poder, mas aproximar de espaços que já existem”.

No relatório do último trimestre, o faturamento da Apple foi de 45,4 bilhões de dólares, um aumento de 7% em relação ao segundo trimestre do ano passado. O número de iPhones vendidos, o principal produto da empresa, foi de 41 milhões de unidades, aumento de 3%. Em 10 anos, a empresa vendeu 1,2 bilhão de aparelhos. Hoje, tenta atrair esses usuários para espaços onde podem estar fisicamente, mas, de preferência, com os olhos grudados na tela do celular.

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