Phillip Morris faz nova aposta para aprovar “cigarro do futuro” no Brasil
Phillip Morris Brasil contratou pesquisadora médica para dialogar com comunidade científica e iniciar trabalho de "educação" sobre produto de redução de danos
Victor Sena
Publicado em 23 de março de 2021 às 14h27.
Última atualização em 23 de março de 2021 às 15h57.
O ano de 2021 pode trazer uma mudança significativa para o mercado de cigarros no Brasil, e para os 22 milhões de brasileiros que ainda são fumantes. A Anvisa adiou de maio de 2020 para este ano a decisão sobre a liberação de dispositivos eletrônicos para o consumo de nicotina.
Entre eles está o IQOS, que é a principal aposta do gigante Phillip Morris para o futuro do consumo de tabaco.
Em uma ousada aposta, que já consumiu 8 bilhões de dólares em pesquisa e desenvolvimento, a própria empresa prega que seus clientes comecem a parar de fumar os cigarros tradicionais e utilizem opções com redução de riscos.
A questão é que seu principal produto, que utiliza folhas de tabaco aquecido eletricamente — e não a combustão tradicional — ainda não foi aprovado no Brasil. Fora do país, ele é aprovado em 64 outros países, inclusive nos Estados Unidos.
Em 2020, o Food and Drugs Administration (FDA), que é considerado a Anvisa do país, autorizou não só a comercialização, mas a divulgação do produto com a informação de risco reduzido.
O entendimento da Phillip Morris no Brasil é que ainda existe um estigma grande sobre os dispositivos no país, que prometem fazer menos mal ao fumante, já que a nicotina é liberada a partir do aquecimento das folhas prensadas do tabaco.
No caso do cigarro tradicional, há a combustão, que chega a 800 ºC, e a liberação de milhares de substância tóxicas. No IQOS, o fumante coloca pequenos refis de tabaco, que são aquecidos a 350 ºC, liberando vapor com nicotina.
Para driblar esse estigma e preparar terreno a entrada do produto no país, a empresa apostou na criação de um cargo para dialogar com a comunidade médica e científica.
A médica Dérica Serra assumiu no último mês a posição de Head de Assuntos Médicos, responsável por fazer a interface com o setor e ser a porta-voz de pesquisas científicas que, segundo a empresa, comprovam que o IQOS causa menos danos que o cigarro tradicional.
“Meu objetivo principal é reforçar a questão cientifica por trás desses produtos e reforçar a ponte de comunicação. Tem pesquisadores e a comunidade médica que não é completamente informada sobre esses produtos. Os próprios usuários que muitas vezes não sabem a diferença desses produtos com risco reduzido para o cigarro normal. O meu papel é trazer o olhar da ciência, a perspectiva do médico, que é justamente o que a gente espera quando tá falando de uma nova tecnologia de redução de risco e de dano", afirma a médica.
Dérica é médica oftamologista por formação e trabalhou por oito anos na indústria farmacêutica, enquanto também fazia o atendimento clínico.
Ela tem mais de 20 anos de atuação, soma vasta experiência na indústria farmacêutica em oncologia com foco em imunoterapias e terapias voltadas para, principalmente, o tratamento de melanoma e câncer de pulmão.
Questionada se passou por algum dilema moral entre ser médica e ter começado a atuar na indústria do tabaco, ela afirma que não.
"Eunão me vi em um dilema moral porque eu me informei muito antes de aceitar a proposta. Está alinhado com o meu propósito de impactar as pessoas para o bem", explica a médica.
Para ela, o alcance de ações de redução de risco na indústria do tabaco tem mais capacidade de impactar positivamente as pessoas do que sua atuação profissional anterior.
A posição de Dérica Serra como Head de Assuntos Médicos é uma novidade para a Phillip Morris Brasil. A empresa tem mais de 400 pessoas apenas em seu centro de pesquisa na Suíca apenas focadas em pesquisas e outros responsáveis pela atuação global, mas o Brasil ainda não tinha alguém para ser a porta-voz com a comunidade médica e científica, apesar de haver uma equipe da multinacional focada em América Latina.
“Meu trabalho é ser a porta-voz disso, poder fazer a tradução dessa ciência de uma forma que ela possa ser compreendida. A gente sabe que tem mitos que nem sempre são comprovados. Aí entra o papel de ter um médico que possa analisar aquela informação e passar isso da forma que ela possa ser ser. É ser a porta-voz desse conhecimento", explica.
A empresa reconhece que o produto IQOS ainda assim oferece riscos e que o ideal é parar de fumar, mas defende que os fumantes que não conseguem abandonar o vício tenham uma opção. É por isso que a aprovação na Anvisa faria a diferença para a empresa.
Procurada pela EXAME, a Anvisa afirmou que não se pronuncia sobre processos em análise.
Eletrônico ou tabaco aquecido
O IQOS não é um dispositivo de cigarro eletrônico preenchido com refis de nicotina líquida. Ele funciona como refis de tabaco prensado, que lembram minicigarros.
A Phillip Morris até desenvolveu um cigarro eletrônico, oferecido no Reino Unido, mas a questão da segurança da manipulação e a importância de manter a cadeia de fornecedores do tabaco falou mais alto e a aposta da empresa para o restante do mundo é o IQOS.
Os cigarros eletrônicos, que também não são autorizados pela Anvisa no Brasil, costumam permitir inserir qualquer tipo de produto no refil. Nos últimos anos, mortes decorrentes do uso de inalação de óleo de maconha e vitamina E nos Estados Unidos chamaram a atenção para os riscos de o consumidor poder facilmente escolher o que inalar ali.
Em 31 de dezembro de 2020, a estimativa da Phillip Morris era de que aproximadamente 12,7 milhões de adultos fumantes em todo o mundo pararam de fumar cigarros e migraram para seu produto de tabaco aquecido.