O risco de Suzano e Fibria nos órgãos antitruste
Fusão entre as duas maiores produtoras de celulose do Brasil pode enfrentar obstáculos no Brasil, mas também na China, na Europa e nos EUA
Letícia Toledo
Publicado em 16 de março de 2018 às 18h22.
Última atualização em 22 de março de 2018 às 11h52.
São Paulo - Depois de longos meses de discussão — e anos de idas e vindas — as duas maiores produtoras mundiais de celulose de eucalipto chegaram a um acordo. A Suzano comprará a totalidade das ações da concorrente Fibria com dinheiro e ações. Mas a novela para completar a aquisição ainda está longe do fim. As empresas enfrentarão agora o órgão que nos últimos meses tem deixado advogados e empresas que o encaram para lá de aflitos: o Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade).
O Cade tem um prazo de 240 dias para aprovar o negócio, prorrogáveis por mais 90 dias. Suas decisões têm sido cada vez mais difíceis de prever, segundo advogados da área, e prever o que acontecerá com o negócio Suzano e Fibria é algo complexo.
Para chegar a uma decisão, o Cade deve definir o que chama de mercado relevante, e com base nele definir se as empresas apresentam ou não um problema para a concorrência. O mercado relevante é definido por duas dimensões que o órgão define como produto e geográfica. Existem, em linhas gerais, quatro tipos de celulose, ou seja, quatro tipos de produto. Suzano e Fibria têm negócios concentrados e que se sobrepõem no segmento de fibra curta— usada, por exemplo, em lenços e papeis para impressão— e é nesse produto que o órgão deve se concentrar. Já a dimensão geográfica deve ser definida como sendo nacional.
Com essas definições em mente, Fibria e Suzano devem encontrar dificuldades no Cade por conta da venda de fibra curta no país. Segundo analistas, juntas as empresas são responsáveis por mais de 60% da fibra curta consumida no país. O Cade considera como operações complexas aquelas em que as empresas têm mais de 20% de participação no mercado. Nestes casos, após passar pela Superintendência-Geral do órgão, o caso vai parar no tribunal do Cade, onde sete conselheiros decidem se aceitam ou não a fusão dos negócios.
Outro ponto que o Cade vai analisar é a chamada integração vertical, com os diferentes momentos em que Fibria e Suzano participam da cadeia produtiva. A análise garante que as companhias não dominem partes essenciais do mercado e acabem com concorrentes. “Fibria e Suzano é um caso complexo e provavelmente as empresas terão que negociar um acordo no tribunal”, diz um advogado de um dos maiores escritórios de direito concorrencial do país. O acordo poderia envolver desde o estabelecimento de limitação de preços praticados até a venda de parte das empresas.
Desde o ano passado o conselho do Cade julgou uma série de aquisições consideradas complexas e reprovou quatro delas — algo até então raro na história da instituição. Foram reprovadas a união dos grupos de ensino Estácio e Kroton, das distribuidoras de combustível Alesat e Ipiranga, dos frigoríficos JBS e Mataboi e das distribuidoras de gás Ultragaz e Liquigás. O último caso, a compra da corretora XP pelo banco Itaú, foi aprovado, mas a decisão não foi unânime (dois dos sete conselheiros votaram contra).
Apesar de tudo isso, o maior problema de Fibria e Suzano pode estar no exterior, já que entre 70% e 90% da produção das empresas é para exportação. Juntas, elas são responsáveis por 49% do mercado mundial de celulose de eucalipto. “Já temos notícias de que alguns produtores da Europa estão preocupados com essa operação por conta da dependência que terão dessa nova companhia”, diz Vitor mizumoto, analista da casa de análises Eleven Financial.
A operação precisará passar pela aprovação dos órgãos antitruste na China, União Europeia e Estados Unidos. China e União Europeia são considerados os mercados mais delicados porque são os maiores de Fibria e Suzano. Nos Estados Unidos a decisão leva em média 300 dias; na China, 180. Na Europa, o limite é 150 dias úteis. Durante a coletiva de imprensa nesta sexta-feira, o presidente do BNDES, sócio da Fibria e que conduziu as negociações, Paulo Rabello de Castro, disse que não teria entrado no negócio se achasse que há risco de ele não ser aprovado. No ano passado, empresários que tiveram suas operações negadas pelo Cade também mostravam confiança semelhante. O histórico recente mostra que Rabello deveria estar mais preocupado.