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O legado do bilionário da saúde

Camila Almeida e Isabel Seta  O médico Edson de Godoy Bueno, fundador da operadora de planos de saúde Amil, morreu nesta terça-feira pela manhã, enquanto jogava tênis em Búzios, no Rio de Janeiro, acometido por um infarto agudo. Bueno tinha 73 anos e ainda era uma peça atuante dentro dos negócios de saúde: estava à frente […]

EDSON BUENO: o fundador da Amil morreu nesta terça-feira, aos 73 anos / Germano Lüders

EDSON BUENO: o fundador da Amil morreu nesta terça-feira, aos 73 anos / Germano Lüders

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Da Redação

Publicado em 14 de fevereiro de 2017 às 15h14.

Última atualização em 22 de junho de 2017 às 18h47.

Camila Almeida e Isabel Seta 

O médico Edson de Godoy Bueno, fundador da operadora de planos de saúde Amil, morreu nesta terça-feira pela manhã, enquanto jogava tênis em Búzios, no Rio de Janeiro, acometido por um infarto agudo. Bueno tinha 73 anos e ainda era uma peça atuante dentro dos negócios de saúde: estava à frente da Diagnóstico das Américas (Dasa), empresa de análises clínicas, e da rede hospitais Ímpar. Sua grande tacada foi dada em 2010, quando vendeu a Amil para o operadora americana United Health, por 4,9 bilhões dólares, no maior negócio da história do mercado brasileiro de saúde.

Desde então, Bueno era presidente do conselho da empresa americana para os negócios na América Latina. Na época do acordo, Bueno ainda investiu cerca de 470 milhões de dólares na compra de ações da companhia americana, para se tornar o maior acionista individual da empresa, com uma fatia de 0,9%. Quando assumiu uma cadeira no conselho, era um associado inusitado: o primeiro estrangeiro do grupo, e sem falar inglês.

Bueno saiu da cidadezinha de Guarantã, em São Paulo, para se formar em medicina na Universidade Federal do Rio de Janeiro. E foi trabalhando na Casa de Saúde São José, clínica que ia mal das pernas em Duque de Caxias, município da Região Metropolitana do Rio, que viu começar sua carreira como empresário. Recebeu do seu chefe a proposta de assumir a clínica, repleta de dívidas. Arrumou as contas e, em 1978, fundou a Amil junto com sua esposa da época, Dulce Pugliese.

De menino do interior, filho de caminhoneiro, Bueno se tornou um dos bilionários do setor de saúde mais influentes do mundo. Ele figura na lista da Forbes como o 18º brasileiro mais rico, com uma fortuna acumulada de 3,1 bilhões de dólares – montante que o coloca entre os 1.000 mais ricos do mundo. Ao transformar uma clínica pequena na baixada fluminense na maior operadora de planos de saúde do país e conseguir vendê-la para a maior empresa de negócios em saúde do mundo, ajudou a mudar o mercado brasileiro de saúde.

“Ele era um visionário e sonhador incorrigível. Deixou para todos nós um legado. Graças a ele, a saúde no país tem reconhecimento nacional e internacional”, diz Antonio Jorge Kropf, diretor institucional da Amil, escolhido por Bueno para o cargo em 1983. “Eu participei com ele das primeiras negociações da venda da empresa, em 2011. Para ele, era muito mais do que um negócio. Aquilo fazia parte de um projeto para a saúde do país. Foi um marco.”

A transição da Amil

Uma das condições estabelecidas pela United Health ao comprar a Amil era fechar o capital na bolsa. Em cinco anos e meio no pregão, de 2008 a 2013, a Amil havia crescido 110%. O leilão junto aos acionistas movimentou 2,9 bilhões de reais, com negociação dos 93 milhões de ações, equivalentes a 25,5% do capital da empresa.

De lá para cá, a Amil, nas mãos da United Health, passou maus bocados. A empresa que fechava no azul começou a perder dinheiro. Em 2014, teve prejuízo de 259 milhões de reais; em 2015, perdeu mais 107 milhões de reais. O faturamento cresceu, mas não o suficiente para compensar a disparada nos custos dos serviços. No início de 2015, a Amil perdeu a liderança no mercado de planos de saúde para a Bradesco Saúde – eram 4 milhões de clientes de um lado e 4,4 milhões de outro.

O cenário não favoreceu os novos donos da Amil. Além da alta inflação médica no Brasil – chegando a 18,6% em 2016, quando a média global é de 9,8% –, o aumento no preço dos tratamentos e os desvios lamentavelmente comuns no mercado brasileiro também não estavam nos planos dos americanos.

Mas a United Health também encontrou excessos deixados por Bueno, que acelerou o passo para deixar a concorrência para trás e conseguir um bom negócio com os americanos. Depois de fazer mudanças internas e realizar investimentos como compras de novos hospitais e implementação de um esquema robusto de análise de dados, a United Health retomou a dianteira. Hoje, a Amil conta com 3,8 milhões de beneficiários na carteira, segundo a Agência Nacional de Saúde Suplementar, ante 3,7 milhões da Bradesco Saúde (a crise tirou 2 milhões de beneficiários do sistema, e fez boa parte das principais empresas encolher).

Senso de oportunidade

Bueno saiu do setor de planos de saúde, mas, dois anos antes de vender a Amil, já começava a dar os primeiros passos em direção à criação de outra gigante: a Diagnóstico das Américas (Dasa), no ramo de análises clínicas. Além disso, ele se manteve no ramo de hospitais. O executivo era dono da Total Care, holding que controla seus investimentos diretos em oito hospitais, incluindo o Samaritano, no Rio de Janeiro.

 “Ele era um empreendedor nato, líder em entusiasmo e dinamismo”, afirma o médico Paulo ChapChap, presidente do Hospital Sírio-Libanês. “O Edson foi fundamental para organizar o mercado de saúde suplementar no Brasil. Ele participou e continuava participando de todas as ondas importantes de crescimento e profissionalização: em planos de saúde, em hospitais e mais recentemente em laboratórios”.

Em 2010, a Dasa (Diagnóstico das Américas) incorporou a MD1, a rede de laboratórios de Bueno, que passou a ser a maior acionista individual da Dasa. Foi a primeira de uma série de jogadas na escalada da influência de Bueno sob a companhia. Na época, o empresário afirmou que seria apenas acionista e não interferiria na gestão da Dasa, mas não foi bem o que aconteceu. Em 2012, Dickson Tangerino, primo e homem de confiança de Bueno, com quem trabalhou por 30 anos na Amil, assumiu a presidência executiva da empresa. Dois anos depois, em outubro de 2014, Bueno adquiriu o controle majoritário da companhia por 1,8 bilhão de reais, passando a deter 62% da Dasa.

Meses depois, em janeiro de 2015, o poder de Bueno junto à empresa se fez sentir da maneira mais clara possível: seu filho, Pedro Godoy Bueno, com apenas 24 anos, tornou-se o presidente da Dasa (e o executivo mais jovem a ocupar esse cargo numa empresa de capital aberto no Brasil).

Depois da venda da Amil, Bueno pai chegou a comentar em uma entrevista ao jornal O Globo que seu sucessor não necessariamente seria um de seus filhos. “Genética não é nada. Alguém sabe quem é o filho do Picasso? E do Maradona? Olha o Pelé, colocou o filho dele no gol e ele era o maior furão. Tem de colocar as pessoas que são melhores”, afirmou.

A falta de experiência de Pedro desagradou outros acionistas, como o fundo de pensão Petros, na época sócio minoritário da Dasa, com cerca de 10% de participação. Mas o controle de 72% da empresa por Edson Bueno e sua ex-mulher, Dulce Pugliese, garantiu que o nome de Pedro fosse aprovado com facilidade.

O trabalho de Pedro era o de seguir o plano de acelerar a expansão da rede, que reúne 30 laboratórios – entre Delboni Auriemo e Lavoisier – e vale 3,3 bilhões de reais. Pedro, segundo executivos próximos, se vale de tecnologia e de processos modernos para compensar a inexperiência.

Como fica a gestão e o comando das empresas é uma questão em aberto. A Total Care tem gestores experientes, como Paulo Curi, presidente da rede Ímpar, e um controle bem definido. As maiores indefinições podem vir da Dasa, onde Bueno era decisivo no processo de expansão, e onde os acionistas já contestaram a gestão de Pedro Bueno. “A empresa evoluiu muito na gestão, mas o Edson Bueno vai fazer muita falta”, diz um investidor. “Fica a dúvida de quem vai de fato mandar na companhia. É o Pedro? É a Dulce? Alguém mais?”.

O mais recente passo da expansão foi dado no fim de janeiro, com a compra do laboratório paulistano Salomão e Zoppi pela Dasa. Criado pelos médicos Luís Salmão e Paulo Zoppi nos anos 1980, o laboratório possui 11 unidades em São Paulo e Osasco e, desde 2015, vinha conversando com fundos de investimento. Menos de um mês antes de morrer, Bueno fechou o último negócio de sua vida: pagou 600 milhões de reais.

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