A lei financeira que pode melar a ida de Neymar ao PSG
Até que ponto um time bilionário como o PSG pode usar os infinitos fundos de seu dono para levar a cabo negociações como a de Neymar
Carolina Riveira
Publicado em 2 de agosto de 2017 às 16h17.
Última atualização em 3 de agosto de 2017 às 10h33.
O Paris Saint-Germain está perto de tirar o atacante brasileiro Neymar do Barcelona, no que, quando concluída, será a maior transferência da história do futebol mundial. Mas os 222 milhões de euros da multa rescisória que envolvem a transação (cerca de 820 milhões de reais) desencadearam uma discussão sobre até que ponto um time bilionário como o PSG — comprado em 2011 por um fundo de investimentos do Catar — pode usar os infinitos fundos de seu dono para levar a cabo negociações como essa.
A UEFA, organização que controla o futebol europeu, já afirmou que vai investigar a transação, para verificar se o time respeitou o chamado fair play financeiro. Desde 2011, a UEFA estabelece uma série de regras para a saúde financeira dos clubes, o que inclui as transferências de jogadores.
O Barcelona divulgou nota nesta quarta-feira informando que foi comunicado oficialmente sobre o desejo do brasileiro de deixar o clube, enquanto o PSG, segundo o empresário do jogador, Wagner Ribeiro, estaria disposto a pagar a multa. Mas disposição, para a UEFA, não basta. A Federação Espanhola, que seria responsável por receber o dinheiro e repassá-lo ao Barcelona, rejeitou a transação nesta quinta-feira, temendo ser punida pela UEFA no futuro. Enquanto isso, representantes do jogador buscam alternativas para concluir a transação.
A grande discussão em torno da transferência de Neymar é que argumenta-se que o PSG não tem dinheiro suficiente para arcar com os valores, e que o montante viria dos bilionários donos do clube. Atualmente, o PSG é gerido pelo empresário Nasser Al-Khelaïfi, que é presidente do PSG e do Qatar Sports Investment, fundo ligado ao governo do Catar que comprou o time francês em 2011.
Em tese, há um limite para o aporte dos árabes: o acionista majoritário de um clube europeu não pode responder por mais de 30% do faturamento de um time, segundo as regras da UEFA. Os clubes também não podem gastar mais do que ganham, e as despesas com futebol não podem ultrapassar 65% da receita. As punições podem chegar a expulsão de campeonatos europeus, como a UEFA Champions League.
Na temporada 2015-16, o PSG faturou 521 milhões de euros, segundo levantamento da Forbes, e somente a multa da transferência de Neymar já totaliza 42% desse valor. O Barcelona faturou 666 milhões de euros e o Manchester United, time mais valioso do mundo, 765 milhões.
Mas há brechas na legislação que devem ser usadas pelo PSG. Um ponto importante é que o clube pode recuperar o investimento ao longo do contrato de Neymar, reequilibrando as finanças antes de prestar contas a UEFA. Em 2014, o PSG já havia sido punido por descumprir o fair play financeiro, assim como o Manchester City, mas a decisão foi revogada no ano passado porque a Uefa avaliou que os times readequaram o orçamento.
Os xeques apostam que as ações de marketing envolvendo o jogador, os resultados que ele trará em campo e a visibilidade que ele dará ao time serão suficientes para aumentar a receita do PSG de tal forma que as regras da UEFA serão respeitadas.
O consultor Pedro Daniel, responsável pela área de esportes da BDO, avalia que, além das ações de marketing com Neymar, o PSG deve ganhar em maiores receitas de TV no Campeonato Francês, por exemplo.
O clube faturou 123 milhões de euros em direitos de TV na última temporada. Real Madrid, Barcelona e Manchester City faturaram mais de 200 milhões de euros. Portanto, se o Campeonato Francês se fortalecer, o PSG tem muito a ganhar, e espera-se que Neymar colabore para isso. “Todo mundo vai querer ver o campeonato francês agora. O PSG ganha escala”, diz Pedro.
A contratação também leva em conta a Copa de 2022, que será sediada no Catar. A expectativa é que a presença de Neymar no time gerenciado pelos xeques do país ajude a capitalizar ações de marketing.
Para francês ver?
O PSG não é o primeiro clube a ter um dono milionário disposto a abrir a carteira. A mesma discussão envolve times como o Manchester City, comprado em 2008 por um fundo de investimentos do xeque Sheikh Mansour bin Zayed Al Nahyan, vice-premiê dos Emirados Árabes Unidos e parte da família que governa o país, ou o Chelsea, comprado pelo milionário russo Roman Abramovich em 2003.
Com exceção do Chelsea, que já era um time com grande abrangência mundial, os donos milionários chegaram a clubes sem expressão e tentam, com o investimento, equipará-los aos grandes times europeus. Quando chegou ao PSG, por exemplo, Al-Khelaïfi disse que, em quatro anos, colocaria o time entre os primeiros da Europa.
A regulação da UEFA surtiu alguns efeitos: o endividamento dos clubes foi de 1,7 bilhões de euros em 2011 para 400 milhões em 2014, um ano após a implementação do fair play financeiro.
Todos os anos, times são punidos ou levam alguma advertência por descumprirem o regulamento. Na temporada 2016-2017, a UEFA anunciou que o Porto, de Portugal, foi o único a descumprir as regras. Assim, o clube se juntou a outros 12 times que estão, atualmente, dentro de um processo de ajuste fiscal exigido pela entidade europeia. Além de uma multa de 700.000 euros, até a temporada 2021-2022, o Porto precisa limitar o número de contratações e reduzir sua dívida.
Nos últimos anos, já houve punições mais rigorosas: em 2013, o Málaga foi expulso de todos os campeonatos europeus por quatro anos — mas recorreu da decisão e voltou em 2014. No primeiro semestre deste ano, o Real Madrid ficou proibido de contratar novos jogadores.
“Nesse fair play financeiro, é muito fácil punir o Málaga, mas muito difícil punir o City e o PSG. Porque os grandes conseguem se readequar”, diz o consultor de gestão esportiva Amir Somoggi.
No Brasil, ainda não há uma regulação para o montante que patrocinadores podem empregar nos clubes. Isso cria situações como a do Palmeiras, onde a Crefisa, patrocinadora majoritária, injetou mais de 300 milhões de reais no clube desde 2015.
O patrocínio do time, de 90 milhões, está pelo menos 30 milhões acima da média brasileira. O ex-presidente do clube, o empresário Paulo Nobre, também já pagou contratações do próprio bolso. O mesmo aconteceu com a Unimed, que foi patrocinadora do Fluminense por 15 anos.
Embora a situação seja diferente no Brasil — já que os clubes não são empresas e atuam sem fins lucrativos — a falta de regulação cria distorções que podem ser prejudiciais à competição. Há algumas regras estabelecidas pelo Profut (Programa de Modernização da Gestão e de Responsabilidade Fiscal do Futebol Brasileiro), que renegociou as dívidas dos clubes com a União e, em troca, exige responsabilidade fiscal dos que aderiram. Mas ainda longe de ser algo próximo ao que acontece com a Uefa. “O Palmeiras tem um dinheiro que os outros times não têm, e não há nada que impeça isso. Há um desequilíbrio”, diz Somoggi.