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O apetite pela carne vegetal caiu. Agora, a indústria quer emplacar o leite sem origem animal

Os gigantes da alimentação estão ansiosos por um produto que reduza o papel que as vacas emissoras de metano desempenham em suas cadeias de abastecimento, mas os consumidores vão gostar?

Startups como a Perfect Day criaram um estardalhaço ao desenvolver ingredientes para sorvetes, cream cheeses e pizzas feitos por meio de fermentação de precisão, na qual os engenheiros codificam o DNA de uma vaca em micro organismos que se alimentam de um caldo nutritivo para produzir proteínas (Shawn Michael Jones/BLOOMBERG BUSINESSWEEK)

Startups como a Perfect Day criaram um estardalhaço ao desenvolver ingredientes para sorvetes, cream cheeses e pizzas feitos por meio de fermentação de precisão, na qual os engenheiros codificam o DNA de uma vaca em micro organismos que se alimentam de um caldo nutritivo para produzir proteínas (Shawn Michael Jones/BLOOMBERG BUSINESSWEEK)

Bloomberg Businessweek
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Publicado em 2 de setembro de 2023 às 11h44.

Última atualização em 2 de setembro de 2023 às 12h06.

Bruce Einhorn, da Bloomberg Businessweek

Primeiro a carne vegetal, depois o frango cultivado em laboratório. Agora empresários estão apostando que a próxima grande novidade na tecnologia alimentar serão os laticínios sem origem animal.

Ryan Pandya, CEO da Perfect Day, que fabrica ingredientes lácteos através de um processo laboratorial semelhante ao usado para produzir insulina sintética, já teve grandes esperanças de ter as próprias marcas de alimentos de consumo.

Mas enquanto outros pioneiros dos alimentos fakes lutam para conquistar consumidores e cautelosos investidores, Pandya está se distanciando das marcas próprias da sua empresa e concentrando-se na venda de proteínas do leite que podem ser utilizadas por empresas alimentícias multinacionais nas suas cadeias de abastecimento.

Ele aposta que os gigantes da alimentação estarão ansiosos por um produto que tenha uma vantagem de sabor sobre os leites à base de plantas – e que isso consiga ajudá-los a cumprir os seus objetivos de emissões, reduzindo o papel que as vacas emissoras de metano desempenham em suas cadeias de abastecimento.

"Não estamos chegando ao Starbucks do mundo e dizendo: ‘Por que você não mistura leite de coco no seu leite?’ Não queremos isso", diz Pandya. “Fizemos uma mudança que as pessoas nunca conseguirão identificar.

Startups como a Perfect Day criaram um estardalhaço ao desenvolver ingredientes para sorvetes, cream cheeses e pizzas feitos por meio de fermentação de precisão, na qual os engenheiros codificam o DNA de uma vaca em micro organismos que se alimentam de um caldo nutritivo para produzir proteínas.

Ao contrário dos leites vegetais, os produtos de fermentação de precisão são indistinguíveis daqueles produzidos por vacas, diz Pandya, e não provocam as queixas habituais sobre a perda do sabor ou da textura.

Quem já saiu na frente neste mercado

  • A Perfect Day, com sede em Berkeley, na Califórnia, é líder do setor, com patrocinadores como a Horizons Ventures, do bilionário de Hong Kong, Li Ka-Shing, a estatal Temasek Holdings, de Singapura, e o CEO da Walt Disney, Bob Iger.
  • A Danone investiu em abril na Imagindairy Ltd. de Israel.
  • Em novembro passado a CJ CheilJedan, com sede em Seul, fabricante líder de pizza congelada nos EUA, investiu na New Culture, uma startup em San Leandro, Califórnia.
  • Até mesmo o maior exportador de laticínios do mundo, o Grupo Fonterra Cooperative, da Nova Zelândia, se uniu no ano passado à fabricante suíça de produtos químicos DSM-Firmenich para formar a Vivici BV, que planeja lançar no início de 2024 sua primeira proteína de soro de leite livre de origem animal, a beta-lactoglobulina, para ser usada em tudo, do iogurte grego aos produtos nutricionais para idosos.

No entanto, existe um grande obstáculo no caminho para um futuro sem vacas: depois de anos de entusiasmo com proteínas alternativas, muitos investidores perderam o apetite por empresas de tecnologia alimentar.

As empresas de fermentação, incluindo startups de laticínios, atraíram cerca de US$ 840 milhões em investimentos no ano passado, uma queda de 50% em relação ao recorde estabelecido em 2021, de acordo com o Good Food Institute, um think-tank sem fins lucrativos focado em proteínas alternativas.

As ações da Beyond Meat despencaram até 22% em 8 de agosto, depois que a empresa de carne vegetal disse que é improvável que tenha fluxo de caixa positivo até o final do ano. As ações da fabricante sueca de leite vegetal Oatly Group caíram cerca de 40% desde que a empresa reduziu suas perspectivas de vendas no final de julho.

Isso está levando a um clima mais difícil para os recém-chegados, diz Matt Gibson, CEO da New Culture. "Grande parte da bagagem da Beyond Meat foi lançada no espaço", diz ele. A New Culture está desenvolvendo caseína sem origem animal para uso em queijo muçarela, com lançamento previsto para o próximo ano.

"A chave para vencer neste setor– especialmente no ambiente atual, que é muito difícil – é o foco", diz Gibson. "É preciso ser muito objetivo com o próprio capital e chegar ao mercado o mais rápido possível, da maneira mais econômica possível."

Outra empresa que está reconsiderando os planos traçados durante o apogeu do entusiasmo dos investidores é a Remilk, com sede em Rehovot, uma cidade perto de Tel Aviv.

Em abril de 2022, a empresa anunciou planos para construir a maior instalação de fermentação de precisão do mundo em mais de 750.000 pés quadrados de terreno, a cerca de 100 km a oeste de Copenhague. Esse plano está agora “suspenso”, diz o CEO Aviv Wolff, e a Remilk já assegurou outro recurso. A empresa deverá eventualmente reviver o gigantesco projeto, diz Wolff.

A Perfect Day também cortou alguns de seus projetos. A empresa, que arrecadou US$ 750 milhões desde seu lançamento em 2014, vende sorvetes de marca própria e outros produtos nos EUA, Hong Kong e Cingapura.

Mas, em julho, decidiu desfazer-se do seu negócio de marcas de consumo e despedir cerca de 130 funcionários, 15% do seu total, para se concentrar no fornecimento de ingredientes lácteos a empresas alimentares estabelecidas, como a Nestlé.

"O verdadeiro objetivo para nós é alavancar empresas que compram e vendem grandes quantidades de produtos todos os dias", diz Pandya. "Há um foco muito mais sério agora na construção de empresas fortes e resilientes, que possam se sustentar por conta própria."

A empresa está em negociações finais para vender seu negócio de consumo, a Urgent Company, e suas cinco marcas nos próximos meses, disse um porta-voz da Perfect Day.

Como é a tecnologia do leite à base de plantas

Cada startup tem seus próprios ajustes, mas a tecnologia é semelhante. Tudo começa com a identificação do microrganismo certo e, em seguida, usando-se a tecnologia de edição genética para adicionar uma sequência de DNA do genoma da vaca com instruções para produzir a proteína alvo que desejam vender.

"Como essa informação genética já está disponível em bancos de dados on-line, isso é feito sem jamais se tocar em uma vaca”, afirmou TurtleTree, uma startup de biotecnologia focada em alimentos com sede em Singapura e apoiada por investidores, incluindo o príncipe saudita Khaled bin Alwaleed, filho do bilionário Alwaleed bin Talal, em seu site.

O microrganismo com o novo DNA é então misturado a um caldo rico em nutrientes em um biorreator, onde pode começar a produzir a proteína desejada. Terminado o processo de fermentação, a proteína é separada dos demais materiais do reator.

"A secagem costuma ser realizada para levar o produto final do estado líquido ao pó sólido", segundo a TurtleTree, que em março informou que lançará até o final do ano sua proteína do leite, a lactoferrina, agora usada em suplementos e fórmulas infantis, e que “antecipa um caminho claro para a lucratividade por unidade dentro de seis a 12 meses."

A Nestlé, grande utilizadora de ingredientes lácteos para produtos que vão desde bebidas para crianças, fórmulas infantis até chocolate, vê a fermentação “como uma parte muito importante para ajudar a resolver alguns dos desafios que temos em termos de sustentabilidade”, afirmou a empresa em comunicado.

Mas pelo menos um grande fabricante de produtos lácteos reconsiderou o uso do novo tipo de laticínio. A General Mills, fabricante de Bisquick, Häagen-Dazs e Yoplait, lançou no final de 2021 sua marca Bold Cultr, apresentando uma alternativa de cream cheese feita com a proteína da Perfect Day.

"O futuro do queijo está aqui", afirmou a General Mills em comunicado de apresentação da marca. Em fevereiro de 2023, a Bold Cultr disse que seria encerrada imediatamente. A General Mills se recusou a responder perguntas sobre a decisão.

Onde estão os desafios do leite à base de plantas

Um desafio para a adoção dos novos produtos lácteos fakes é o custo. Embora as estimativas variem sobre o preço premium das proteínas de fermentação de precisão, os custos podem variar entre a paridade até cinco vezes os dos laticínios tradicionais, dependendo do produto de consumo, de acordo com o CEO da Vivici, Stephan van Sint Fiet.

"Precisamos reduzir nossa estrutura de custos para tornar as proteínas derivadas da fermentação acessíveis a um público mais amplo", afirma, apontando para o aumento de capacidade e otimização de processos. A New Culture espera que sua muçarela custe o mesmo que o queijo convencional dentro de três anos, disse a empresa em comunicado de 15 de agosto.

"Havia uma grande expectativa de que as empresas pudessem prosseguir com seus planos muito rapidamente e também aumentar a eficiência de suas tecnologias", afirma Marc Struhalla, CEO da C-Lecta, uma empresa de fermentação de precisão, de propriedade do Grupo Kerry Group, sediado na Irlanda, que não está focado em laticínios fakes. "Minha impressão é que isso não aconteceu na medida em que todos esperavam ou prometeram que aconteceria."

Em vez disso, o sucesso da indústria de lacticínios sem animais poderia depender de sua capacidade de convencer as empresas de alimentos e bebidas de que os lacticínios de fermentação de precisão os ajudarão a cumprir os seus objetivos de redução de carbono.

A proteína da Remilk pode reduzir as emissões de gases de efeito estufa em até 95% em comparação com os laticínios tradicionais, afirma o CEO Wolff.

As grandes empresas alimentícias "não podem simplesmente substituir todos os seus materiais de origem animal por soja, amêndoas ou castanha de caju – o produto será diferente e os consumidores não os adotarão da mesma forma", diz ele. "Podemos resolver a parte da sustentabilidade e também resolver a questão da qualidade."

Este pode ser um argumento difícil de se sustentar em um momento em que os pesquisadores não conseguem chegar a nenhum acordo sobre como medir a sustentabilidade. "É realmente importante ter diretrizes comuns sobre como as empresas deveriam agir", afirma Hanna Tuomisto, professora de sistemas alimentares sustentáveis na Universidade de Helsinque.

Referindo-se a três relatórios recentes de pesquisadores, ela acrescenta, "todos eles usam métodos diferentes". Tuomisto está trabalhando no desenvolvimento de padrões comuns para ajudar essas empresas a calcularem melhor o impacto do carbono que poderia advir da mudança para a fermentação de precisão.

"Dada a necessidade de cumprir os compromissos em matéria de alterações climáticas por parte das grandes empresas alimentícias, ainda há motivos para estarmos positivos quanto às possibilidades a longo prazo da indústria de fermentação de precisão", afirma Mirte Gosker, diretora-geral da divisão Ásia-Pacífico do Good Food Institute.

Ela argumenta que os decepcionantes resultados financeiros de algumas empresas de base vegetal podem, em última análise, até ajudar as empresas de fermentação que fabricam produtos mais próximos da proteína das vacas.

"Isso mostra que os consumidores não estão comprando produtos que não tenham um sabor suficientemente bom", diz ela. "Ingredientes de fermentação de precisão serão a solução para criar produtos bons o bastante para que os consumidores comecem a comprar."

— Colaborou Dasha Afanasieva

Tradução de Anna Maria Dalle Luche.

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