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Musk está na vanguarda de uma guerra espacial corporativa na Ucrânia

A órbita da Terra agora é domínio de empresas, não apenas de países, e isso está mudando a natureza da guerra

Musk durante uma entrevista coletiva em uma instalação da SpaceX em Boca Chica, Texas, em 25 de agosto. (Jordan Vonderhaar/Bloomberg)

Musk durante uma entrevista coletiva em uma instalação da SpaceX em Boca Chica, Texas, em 25 de agosto. (Jordan Vonderhaar/Bloomberg)

Nos últimos dois anos, a Space Exploration Technologies de Elon Musk praticamente dobrou o número total de satélites em órbita ao redor da Terra. Agora tem tantos satélites em funcionamento quanto todas as outras nações e empresas juntas. E elas estão levantando muitas questões muito importantes.

Os satélites da SpaceX fazem parte de sua rede Starlink, que transmite serviço de internet de alta velocidade para antenas na Terra. O objetivo original da empresa era conectar os cerca de 3.5 bilhões de pessoas que não têm acesso ao serviço de fibra ótica, atendendo também aqueles que querem assistir Netflix e relaxar em suas casas de campo ou praia ou em seus iates.

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Quando a Rússia invadiu a Ucrânia, o  Starlink exibiu um inesperado poder sobre a política global. A ofensiva inicial dos militares russos se concentrou em  destruir os sistemas de comunicação em todo o país. Algumas pessoas da inteligência em Kiev e Washington tinham um plano para tanto e começaram a enviar antenas Starlink para o país nos primeiros dias da guerra.

O Starlink permitiu que o governo e os militares ucranianos acompanhassem as operações durante esse período crucial, pois repeliram as investidas iniciais da Rússia. Nos meses que se seguiram, autoridades ucranianas elogiaram o Starlink por permitir que eles minassem os melhores planos de Vladimir Putin e facilitassem voos de drones e ataques de mísseis de precisão.

Musk e a SpaceX foram saudados como heróis, porém, mais recentemente seus papéis na guerra foram questionados. À medida que as forças ucranianas avançam mais profundamente nas regiões ocupadas pelos russos, eles relataram que o Starlink fora desligado nessas áreas. Além disso, a SpaceX solicitou vagamente que os EUA e seus aliados pagassem muito mais da conta do Starlink na Ucrânia, mas Musk reverteu sua posição em 15 de outubro. Ele prometeu continuar financiando grande parte da operação, incluindo a compra de antenas e os serviços de telecomunicações necessários para executá-las.

LEIA TAMBÉM: Musk volta atrás e diz que continuará financiando rede de internet Starlink na Ucrânia

Qual a relação de Elon Musk com a Guerra na Ucrânia

Tudo isso para dizer que estamos no meio da primeira guerra espacial real em que os players corporativos estão exercendo grande influência sobre a ação na terra. Nos meses que antecederam a invasão da Rússia, governos, analistas e até mesmo o público receberam milhares de imagens de satélites de empresas como Planet Labs Pbc e Maxar Technologies,  período em que Moscou negava ter planos de atacar. Depois que as tropas de Putin chegaram, todas as suas manobras foram capturadas pelos mesmos satélites. Jornais, sites e transmissões de televisão se basearam nas fotos coletadas do espaço para apresentar seus relatos do conflito passo a passo.

Menos de uma semana após o início da guerra, o magnata espacial ucraniano, Max Polyakov, ajudou a formar uma coalizão de empresas espaciais comerciais para coletar e analisar imagens e dados de satélite. Os resultados foram fornecidos aos militares ucranianos, dando-lhes uma enxurrada de informações de inteligência. Polyakov posteriormente recebeu muitos elogios de oficiais militares pelo rápido trabalho.

No passado, apenas superpotências espaciais teriam acesso a esse tipo de inteligência. Hoje, a Planet e a Maxar têm centenas de máquinas de captura de imagens em órbita. Elas são complementadas por  uma porção de outras startups de satélites que usam uma forma de radar para ver através das nuvens e coletar imagens à noite. Qualquer vantagem que a Rússia já teve nessa área foi prejudicada pela repentina chegada de empresas espaciais comerciais.

O Starlink é uma história semelhante. Os satélites de comunicações existem há décadas. Acontece que a SpaceX é a fabricante mais eficaz de foguetes e satélites que o mundo já viu. Investiu bilhões de dólares – com muitos bilhões ainda por investir – para criar o que equivale a uma empresa de telecomunicações baseada no espaço capaz de cobrir a Terra na internet. Suas capacidades nesta área excedem as de qualquer governo.

A indústria espacial comercial tem sido um grande equalizador nesta guerra – uma reviravolta que deverá engolir Putin e sua orgulhosa nação. Quando a Rússia afirma não ter bombardeado um hospital, imagens de antes e depois do prédio estão prontas para revelar a verdade. Quando as tropas russas se movem durante a noite, suas posições são conhecidas. E quando as torres de comunicação caem na Ucrânia, as informações são sustentadas por dados transmitidos de cima.

Essas mudanças na guerra são feitas de maneira muito mais dramática pelo mercurial Musk. Inicialmente, ele parecia estar 100% do lado do Time Ucrânia. Alguns de seus recentes, tuítes no entanto, repetiram os pontos russos de discussão, como sugerir que a Ucrânia ceda a Crimeia em uma tentativa de acabar com a guerra. Musk diz que está apenas tentando ajudar a encontrar uma saída para esse conflito e evitar a Terceira Guerra Mundial.

Mas muitos de seus antigos apoiadores na Ucrânia e em outros lugares agora veem a pessoa mais rica do mundo como uma espécie de mensageiro de Putin.

Por que a SpaceX é tão importante para os EUA

Muita coisa mudou desde que Musk iniciou sua empresa de foguetes em 2002. No que diz respeito às histórias patrióticas, é difícil superar a SpaceX: imigrante da África do Sul chega à Califórnia e restaura o programa espacial dos EUA, outrora decadente, para se tornar a inveja do mundo. A SpaceX se beneficiou muito dos contratos com a NASA e o Departamento de Defesa dos EUA e certamente deve muito ao governo e aos contribuintes.

Mas sem a SpaceX, estaríamos dependentes da Rússia para levar as pessoas ao espaço e de motores de foguete projetados pela Rússia para transportar a maior parte de nossa carga militar para a órbita espacial. A SpaceX também forneceu aos EUA alguns dos passeios de foguete de menor custo disponíveis para a instalação de satélites cruciais para sua defesa, economizando muitos milhões de dólares aos contribuintes nesse processo.

O dilema que os EUA e, na verdade, todos enfrentam agora é que Musk se moveu tão rápido e com tanta ambição que a SpaceX acumulou o poder de um estado-nação dentro de uma empresa privada. Historicamente, os líderes de contratos militares pareciam felizes em cumprir as ordens do Departamento de Defesa durante algum conflito. Musk, no entanto, é Musk. Ele está por aí tuitando, mudando de ideia rapidamente e se envolvendo em geopolítica de maneiras que nenhum funcionário do governo pode controlar.

Claro, sempre que um contratante participa de licitação do Ministério Defesa geralmente ele está sendo pago. Em uma série de tuítes no fim de semana, Musk deixou sua opinião clara sobre o assunto. “A quantia que a SpaceX está solicitando para uma grande vantagem no campo de batalha é menor que o custo de um novo satélite de GPS”, escreveu ele. “Ironicamente, o GPS não funciona em campos de batalha, pois o sinal é fácil de se bloquear, mas o Starlink funciona.”

Questionado em 18 de outubro se a SpaceX planejava ativar o serviço Starlink nas regiões ocupadas pelos russos da Ucrânia, Musk respondeu: “Sem comentários”, acrescentando apenas que o “Starlink não se destina ao uso em ações militares ofensivas”.

Com base em minhas recentes entrevistas com Musk, sua preocupação com a escalada da guerra para um conflito nuclear parece ser genuína. Além disso, ele está perplexo que o Starlink – ou pelo menos pagando por isso – tenha se tornado um assunto tão polêmico. A SpaceX levantou o dinheiro e assumiu o risco de construir todos esses satélites. Agora, ele argumenta, alguém deveria comprar o produto que sua empresa está vendendo.

Musk pode estar no final mais dramático desse debate, mas é apenas o começo. Estamos vivendo um momento em que a órbita da Terra não é mais controlada por alguns governos. Esta guerra espacial será inevitavelmente a primeira de muitas.

Tradução de Anna Maria Dalle Luche.

 

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