Carlos Brito (Francois Lenoir/Reuters)
Lucas Amorim
Publicado em 6 de maio de 2021 às 09h28.
Última atualização em 6 de maio de 2021 às 15h00.
A saída do carioca Carlos Brito do comando da AB InBev, a maior cervejaria do mundo, é simbólica por um engradado de motivos. Nesta quinta-feira a companhia anunciou que Brito passará em julho o bastão para o catarinense Michel Doukeris, que comanda a operação na América do Norte.
Como nenhum outro executivo, Brito personificou o estilo de gestão que transformou a AB InBev numa das empresas mais incensadas, e copiadas, do mundo. Entre suas características estão a obsessão por eficiência e corte de custos, a ambição por fusões e aquisições e um estilo espartano de tocar os negócios e a rotina.
É um conjunto que ajudou a transformar a AB InBev nos mais de 20 anos em que Brito esteve na companhia de um negócio regional em um gigante. Mas que, agora, parece não ser o suficiente para um momento de aceleradas mudanças nos hábitos de consumo e que deve ser marcado mais pelo crescimento orgânico que por grandes tacadas. "Brito foi o arquiteto que liderou e transformou a AB InBev", disse Martin Barrington, presidente do conselho da AB InBev, nesta quinta-feira.
Doukeris, 47 anos, começou a trabalhar na AB InBev em 1996, e foi sendo promovido até liderar a operação da empresa na China, para depois chegar a diretor de vendas e a líder na América do Norte. Entre seus desafios, agora, está gerir e expandir um portfólio de mais de 500 marcas de bebidas que vai cada vez mais além da cerveja -- como a Bud Light Seltzer, por exemplo.
Brito, hoje com 61 anos, trabalhava na Shell quando conheceu o bilionário Jorge Paulo Lemann, um dos principais sócios da AB InBev. Sem dinheiro para cursar um MBA na Universidade Stanford, Brito pediu ajuda a Lemann, então à frente do banco Garantia. Em 1999, Brito voltou ao Brasil e foi um dos escolhidos para liderar a cervejaria Brahma, recém-comprada e sob responsabilidade de Marcel Telles, sócio de Lemann. Brito foi crescendo com as aquisições: Antárctica (2000), Interbrew (2004), Budweiser (2008), SAB Miller (2016).
Nestes negócios, desenvolveu uma forma de atuação que passou a ser copiada em vários setores. "O que fazemos? Seguimos sempre o mesmo roteiro: no dia zero, assinamos os papéis. No dia 1, anunciamos. No dia 2, desembarcamos com nosso time para falar de sonho, gente e cultura. Não falamos nada a respeito de sinergia, negócio, nada. Falamos dos valores que são importantes para nós como grupo", disse numa apresentação em 2015.
Em sua trajetória, afirmou reiteradas vezes ter obsessão por contratar e formar as melhores pessoas. Sabia quem eram os diretores, os analistas e os trainees de alto potencial. “A empresa não é uma logomarca nem um prédio de escritórios. A empresa são as pessoas", disse, também em 2015. “Criamos um sistema que expele o profissional que se une à empresa para construir currículo. Não gostamos das pessoas que acham bom ter uma empresa no currículo por três anos, depois outra, e por aí vai. Porque elas têm uma visão de curto prazo — e não ligam muito para os efeitos de longo prazo. Por isso, as decisões não são tão boas".
Brito também é conhecido por não esbanjar. Andava de metrô nos Estados Unidos, vestia-se com jeans e camisa da empresa, não tinha sala. E fazia questão também de não esbanjar os recursos da empresa.
"Na nossa empresa ninguém tem carro como benefício, ninguém tem clube da empresa nem secretária exclusiva. Temos o seguinte: se a empresa for bem, pagamos um bônus. E cada um faz o que quiser com o bônus. Não queremos nos meter na vida de ninguém nem decidir o carro que as pessoas dirigem. Não gostamos de sinais de status dentro da companhia, como dar um carro melhor a um ou outro", afirmou, também em 2015.
Uma dúvida na mesa é o que acontece com os preteridos para o cargo de CEO. Entre um dos principais cotados estava Ricardo Tadeu, que comanda a divisão de negócios B2B. Outros possíveis sucessores, como João Castro Neves e Luiz Fernando Edmond, que ocuparam cargos de comando na cervejaria, não toparam esperar o fim do longo ciclo de Brito.
Na máquina de formação de executivos da AB InBev, ter um novo sonho grande na próxima esquina é fundamental para motivar os talentos internos. A vaga de Brito foi preenchida, mas um novo conselho está para ser escolhido ainda em maio, o que pode levar a novas oportunidades em posições mundo afora. Além disso, a roda continua a girar. O 3G tem um fundo de 15 bilhões de dólares para investir num novo grande negócio. E recentemente as varejistas Americanas e B2W, controladas pelos mesmos investidores da AB InBev, anunciaram fusão e intenção de abrir capital nos Estados Unidos.
Um desafio será mostrar que setores tradicionais, como alimentos e bebidas, seguem com tantas oportunidades de valorização, e de bônus, quanto novos negócios de tecnologia. As ações da companhia caíram 47% nos últimos cinco anos, enquanto a Amazon valorizou mais de 4 vezes. Em entrevista recente à Exame, Miguel Patricio, da Kraft Heinz, afirmou que o objetivo não é ser a empresa mais sexy da bolsa, mas a mais sexy do setor.
Brito fez da AB InBev um ícone -- Doukeris terá o desafio de manter a obsessão por eficiência e por meritocracia, mas mostrar que a AB InBev ainda consegue ser a garrafa mais reluzente da prateleira tanto para os consumidores, quanto para os novos Britos e Doukeris começando a carreira.
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