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Investigação mostra que Volkswagen foi leal a ditadura no Brasil

O estudo afirma que a segurança da fábrica da companhia em São Bernardo do Campo (SP) colaborou com a polícia política do regime militar

Christopher Kopper, professor alemão que apresentou sua pesquisa sobre o apoio da Volkswagen à ditadura brasileira (Paulo Whitaker/Reuters)

Christopher Kopper, professor alemão que apresentou sua pesquisa sobre o apoio da Volkswagen à ditadura brasileira (Paulo Whitaker/Reuters)

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Reuters

Publicado em 14 de dezembro de 2017 às 18h27.

São Paulo - A Volkswagen colaborou durante pelo menos 10 anos com a polícia política do governo ditatorial do Brasil, em uma postura considerada por levantamento histórico realizado a pedido da própria empresa como irrestritamente leal.

A terceira maior montadora de veículos do Brasil em vendas divulgou nesta quarta-feira conteúdo de relatório realizado a seu pedido pelo historiador Christopher Kopper, da universidade alemã de Bielefeld, sobre o papel da companhia entre os anos de 1964 e 1985.

O documento, resultado de pesquisa realizada entre novembro do ano passado e julho deste ano, foi entregue a representantes do Ministério Público Federal, após abertura de uma investigação civil para apurar responsabilidade da companhia em atos de violação de direitos humanos no Brasil, em um caso iniciado em 2015 a partir de iniciativas de entidades sindicais.

O estudo, de pouco mais de 110 páginas, afirma que a segurança da fábrica da companhia em São Bernardo do Campo (SP) colaborou com a polícia política do regime militar entre 1969 e 1979, mas que esse apoio não ocorria de forma institucionalizada, sendo de responsabilidade de alguns funcionários dos órgãos de segurança da empresa.

A colaboração ocorreu na forma de elaboração de "listas negras" de trabalhadores identificados com ativismo de esquerda, demissões e mesmo interrogatórios dentro da fábrica e atos de tortura, além de concessão de veículos para transporte de autoridades de segurança e detidos, cita o relatório.

Questionado por jornalistas sobre se a companhia considera fazer pagamentos para reparar funcionários que foram alvo de perseguição e crimes contra direitos humanos, o presidente da Volkswagen para América do Sul, Pablo Di Si, afirmou que a empresa "lamenta profundamente os atos ocorridos", mas que "não há evidência clara de cooperação institucionalizada e por enquanto vamos trabalhar com instituições de defesa dos direitos civis".

"Não temos nada a esconder, estamos à disposição das autoridades", disse Di Si, negando também possibilidade, neste momento, de a companhia fazer o mesmo levantamento sobre suas operações na Argentina, país que também passou por regime ditatorial no período.

Na divulgação do relatório, a Volkswagen convidou imprensa e representantes do Centro Cultural Afro-Brasileiro Francisco Solano Trindade, de São Bernardo do Campo e que apoia crianças e adolescentes. A empresa anunciou parceria com a entidade como sendo a primeira de outras em avaliação, mas Di Si afirmou que um acordo envolvendo eventual apoio financeiro ainda não foi assinado com o centro cultural. Uma placa homenageando as vítimas da ditadura brasileira foi descerrada.

Do lado de fora da fábrica, um pequeno grupo de manifestantes que se recusou a fazer parte da cerimônia protestava contra o que chamou de recusa da companhia em emitir um pedido formal de desculpas à sociedade e a reparar trabalhadores atingidos.

O presidente do sindicato dos metalúrgicos do ABC, Wagner Santana, que participou da cerimônia, afirmou que os trabalhadores "precisam ter suas vidas reparadas e que outras empresas têm que assumir também qual foi o papel delas. Concorrentes e fornecedores da Volkswagen também tiveram o mesmo comportamento. Indústria química, do setor financeiro, têm que ser cobrados por colaborar e financiar o golpe".

Santana reconheceu a proatividade da Volkswagen em vir a público com o relatório, mas afirmou que a empresa "tem que ser mais ativa...olho no olho do ser humano que foi vítima desse processo".

Kopper baseou seu estudo em declarações feitas por antigos funcionários, documentos dos arquivos corporativos da Volkswagen na Alemanha e no Brasil, bem como arquivos do governo brasileiro. Em entrevista, ele afirmou que não teve seu trabalho mediado pela montadora e que contou com total apoio da empresa no levantamento das informações.

Porém, no relatório, Kopper reconhece que a Volkswagen do Brasil "destruiu quase todos os autos de relevância histórica após o término dos prazos legais de guarda". Questionado a respeito, o historiador afirmou que não encontrou provas nos documentos vistos de ordem da empresa para a segurança industrial colaborar com os agentes da ditadura, mas reconheceu que a "diretoria de recursos humanos da época tinha informação sobre o que estava acontecendo".

Ele comentou ainda que seu trabalho se limitou à Volkswagen, mas que a fabricante sueca de ônibus e caminhões Scania, hoje parte do grupo alemão, "seria um caso interessante a ser estudado pois as primeiras greves começaram na Scania...Mas é a diretoria da Volkswagen que tem que decidir se vai incluir outras unidades e também outros países", disse Kopper.

Questionado sobre o atual cenário político vivido pelo Brasil, em que o deputado Jair Bolsonaro (PSC-RJ), defensor do regime militar, está em segundo lugar nas pesquisas de intenção de voto para a presidência da república, Kooper afirmou que "a história se repete".

"Espero que nunca volte a haver ditadura no Brasil e que o país não pare este processo de descoberta da verdade", afirmou.

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