Fabricantes de carne à base de planta tentam se ajustar ao mercado chinês
Ao longo dos últimos dois anos, a Impossible Foods e sua principal rival, a Beyond Meat, passaram de startups para grandes empresas de alimentos dos EUA
Da Redação
Publicado em 22 de janeiro de 2020 às 13h45.
Última atualização em 22 de janeiro de 2020 às 14h38.
São Paulo — O primeiro indício de como a carne baseada em plantas da Impossible Foods pode se sair na China foi a localização do estande da companhia na Expo Internacional de Importação em Xangai, algo não muito auspicioso.
A Impossible Foods foi relegada a um dos cantos de um centro de convenções cavernoso, cercada por empresários com ambições muito mais modestas do que a transformação da indústria global da carne.
De um lado de seu estande em novembro, estava uma empresa que vende portas de vidro deslizantes. Também nas proximidades, um fornecedor de tapetes persas.
“Foi meio escondido. Um canto distante nesse espaço vasto e insanamente enorme”, disse Pat Brown, executivo-chefe da Impossible Foods.
Ao longo dos últimos dois anos, a Impossible Foods e sua principal rival, a Beyond Meat , passaram de startups com seguidores de nicho para grandes empresas de alimentos dos EUA. Elas fecharam acordos com cadeias de fast-food como McDonald’s e Burger King, e ganharam aplausos por seus esforços para substituir produtos de origem animal por outros à base de plantas, que são mais saudáveis e menos prejudiciais ao meio ambiente.
Agora, as empresas tentam fazer incursões em um mercado potencialmente mais rentável, com uma grande pegada ambiental: a China, o maior consumidor mundial de carne.
A produção de carne é uma das principais causas das mudanças climáticas, dizem os especialistas, e a crescente demanda por carne suína e bovina no país asiático alimentou grande parte desses danos ambientais, desde a escassez de água e as ondas de calor até o desmatamento na floresta amazônica. “Toda vez que alguém na China come um pedaço de carne, um pouco de fumaça sobe na Amazônia. É um mercado absolutamente essencial e extremamente importante para nós”, disse Brown.
Mas vender a carne à base de plantas para a China continental não vai ser fácil. A Beyond Meat está disponível em dezenas de países, enquanto a Impossible Foods vende seu produto em Singapura, Macau e Hong Kong. E, nos Estados Unidos, as duas empresas superaram o contra-ataque de criadores de gado, lobistas de carne e restaurantes como o Arby’s.
A China, no entanto, apresenta um conjunto diferente de obstáculos políticos e culturais, que outras marcas de alimentos dos EUA têm encontrado dificuldade em superar. O complexo processo regulatório envolve uma rede de agências estatais que a Impossible Foods e a Beyond Meat terão de navegar. E, depois, há uma questão mais existencial: o público chinês comprará a carne à base de plantas?
Apesar da longa história de proteínas vegetarianas na culinária chinesa, muitos consumidores da classe média crescente do país consideram a carne um símbolo importante de status ou têm expectativas radicalmente diferentes das dos americanos sobre como ela deve ser preparada.
Nos últimos anos, algumas empresas chinesas começaram a desenvolver produtos à base de plantas, que eram basicamente dirigidos aos vegetarianos, não aos comedores de carne que a Beyond Meat e a Impossible Foods esperam atrair.
“Se eu estivesse no conselho, olharia para o executivo-chefe e diria: ‘Você é louco.’ Coloque essa ideia na prateleira por cinco ou dez anos e concentre-se cem por cento na construção de suas operações nos EUA, no Canadá e na América do Sul”, disse Jeremy Haft, especialista em comércio chinês e autor de “Unmade in China”, livro de 2015 sobre a economia do país.
A Beyond Meat e a Impossible Foods não divulgaram planos detalhados para enfrentar os regulamentos ou o marketing alimentar para os clientes chineses.
Ethan Brown, executivo-chefe da Beyond Meat (e sem nenhuma relação com seu homônimo da Impossible Foods), chamou o processo regulatório de “assustador” em uma entrevista no ano passado. Mas, sem revelar detalhes, a empresa disse que espera começar a produzir carne à base de plantas na China até o fim de 2020.
A Impossible Foods não se comprometeu com um cronograma específico. A empresa afirmou que planeja, ao longo dos próximos meses, estabelecer uma presença permanente na China, transferindo um executivo sênior para Hong Kong e contratando uma equipe no continente. Além disso, está lançando um produto de carne suína à base de plantas projetado em parte para atrair os consumidores chineses.
Apesar da localização de seu estande na feira em Xangai, Pat Brown disse que a Impossible Foods atraiu longas filas e serviu dezenas de milhares de amostras, incluindo bolinhos, almôndegas e minissanduíches.
Brown também disse que se reuniu com autoridades do governo e líderes empresariais para discutir o processo regulatório, embora tenha preferido não dar nomes.
Um de seus argumentos é que uma próspera indústria de carne baseada em plantas ajudaria o governo chinês a reduzir sua dependência das importações. Durante o último ano e meio, uma epidemia de febre suína africana dizimou a oferta de carne suína do país, forçando o governo a recorrer aos mercados estrangeiros para satisfazer a demanda.
“Eles estão desesperadamente à procura de proteína de todos os tipos para complementar esse mercado. Isso pode facilitar sua obtenção”, disse Derrell Peel, economista agrícola da Universidade Estadual de Oklahoma.
A Beyond Meat e a Impossible Foods têm abordagens diferentes para reproduzir o gosto e a textura da carne animal, com diferentes implicações regulatórias na China. A Beyond Meat usa proteína de ervilha, enquanto a Impossible Foods depende de uma molécula geneticamente modificada da soja, chamada heme, que causou atrasos regulatórios nos Estados Unidos.
Na China, o principal órgão que regula a indústria de alimentos, a Administração Estatal de Regulação de Mercado, classificou os produtos da Beyond Meat como derivados de feijão e a carne artificial da Impossible Foods como um produto de soja, disse Ryan Xue, que dirige um grupo de comércio local que defende alternativas proteicas.
O grupo comercial Plant Based Foods Alliance (Aliança de Alimentos Baseados em Plantas) está pressionando o governo para que seja estabelecida uma classificação separada para a carne à base de plantas. E os reguladores chineses estão trabalhando em padrões nacionais, informou a mídia estatal, citando Wang Shouwei, diretor de um grupo da indústria afiliado ao governo.
Esse processo pode levar anos. E, enquanto a Beyond Meat diz que sua receita está em conformidade com os regulamentos do país, a Impossible Foods terá de apresentar uma petição de um “novo ingrediente” para obter aprovação. O governo chinês não respondeu a um pedido de comentário.
À medida que esse processo se arrasta, um número crescente de empresas locais está desenvolvendo produtos à base de plantas, projetados para os consumidores chineses. Uma fabricante de proteína vegetariana em Shenzhen, a Whole Perfect Food, oferece uma almôndega da carne de porco que se assemelha à “cabeça de leão”, item básico da culinária do sul da China.
Zhou Qiyu, gerente de marketing da Whole Perfect Food, disse que o principal obstáculo que a Beyond Meat e pela Impossible Foods enfrentariam seria “localizar suas ofertas de produtos e entender o consumidor chinês”.
Na China, o preparo da carne é diferente da maneira usada nos EUA, já que muitas pessoas preferem que ela venha com osso. A Zhenmeat, uma startup de carne vegetal em Pequim, está usando impressoras 3D para produzir alternativas proteicas que contenham ossos, músculos e outros elementos estruturais que os consumidores chineses esperam em sua carne.
Em novembro, os desafios culturais que as empresas americanas enfrentam estavam claros na feira VeggieWorld em Pequim, onde a Beyond Meat serviu hambúrgueres e salsichas.
“A textura da carne à base de plantas ainda não é a mesma”, disse um participante, Luan Yucui, que está reduzindo a carne por razões de saúde.
Yu Dongli, uma entre milhões de vegetarianos budistas na China, chegou ao evento animada para provar os produtos da Beyond Meat, em parte porque sabia que Bill Gates, uma figura popular na China, tinha investido na empresa.
Mas, depois de examinar a longa lista de ingredientes no pacote de hambúrgueres, ela não soube dizer se o produto cumpria as leis dietéticas do budismo, que proíbem certas especiarias e temperos. “As empresas estrangeiras não entendem nossa cultura chinesa”, disse ela.
Uma porta-voz da Beyond Meat disse que todos os ingredientes do hambúrguer da empresa se adequam às leis budistas. Mas ela não respondeu se a empresa planejava incluir esse dado em sua embalagem, como fazem alguns fornecedores chineses de carne à base de plantas.