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"Era ruim para o estômago, mas bom para a empresa", diz fundador do Pactual

Luiz César Fernandes fala sobre a criação de uma das culturas mais competitivas do país

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Da Redação

Publicado em 10 de outubro de 2010 às 03h39.

O ex-banqueiro e hoje empresário Luiz César Fernandes é um dos maiores especialistas do país em competição. Em 1971, ele foi, ao lado de Jorge Paulo Lemann, fundador da corretora Garantia - que, cinco anos depois, se transformaria em banco e revolucionaria o mercado financeiro local com sua política de remuneração variável e a criação de um sistema em que os melhores se tornavam sócios. A cultura Garantia, como viria a ser apelidada, gerou frutos em diversos setores da economia, entre eles a Ambev e a GP Investimentos. Doze anos depois, Fernandes deixou o Garantia para criar seu próprio banco, o Pactual - e replicou, com sucesso, a estrutura do Garantia. Fernandes foi presidente do banco até 1999, quando um grupo de sócios liderado por André Esteves assumiu o poder no Pactual. Esteves hoje é presidente do UBS Pactual. Numa conversa em sua fazenda na cidade fluminense de Petrópolis, Fernandes falou sobre a criação dos dois bancos.

Qual foi a maior dificuldade para criar no Brasil uma cultura que preza a competição?

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O Brasil não é um país competitivo. Na escola, se você tira nota boa, é motivo de piada. Ou seja, nem na escola nosso sistema é competitivo. Se você trabalha uma hora a mais, já é puxa-saco. Toda nossa cultura está voltada para não-competição. A ambição é vista como um defeito. Nos Estados Unidos, vale o ponto fora da curva, os melhores são invejados. Para conseguir o que o Garantia e o Pactual fizeram, era preciso alguém que tivesse visto e conhecido a cultura de fora. E esse sujeito foi o Jorge Paulo Lemann, que havia estudado em Harvard. Nós começamos a fazer o inverso da cultura brasileira. Todo médio não servia, os bons ficavam e cresciam. O ambiente era ruim para o estômago, mas bom para a empresa. O processo te maltrata, porque te exige 24 horas, você vai ao limite. Tudo isso era novidade na época.

Foi fácil convencer os outros sócios a adotar esse sistema?

Para provar que aquele era o sistema correto, o Jorge Paulo consegiu um estágio em dois bancos americanos, o JP Morgan e o Goldman Sachs. Ele precisava que o grupo aceitasse, não adiantava ele sozinho ter certeza. Como eu não falo inglês, peguei um estagiário como intérprete fui fazer o treinamento. O estagiário era o Marcel Telles (hoje sócio de Lemann na Inbev e na Lojas Americanas). Lá, nos encantamos com o que vimos. A idéia que trouxemos era a seguinte: quem produzia mais ganhava mais participação acionária. Quem produzia menos perdia. Exatamente como fazia o Goldman Sachs. Nós começamos a implementar essa cultura no Garantia. Durante muito tempo, fomos vistos como alienígenas pelo mercado financeiro. Afinal, nós éramos muito mais competitivos e reuníamos um monte de talentos, que faziam fila para trabalhar no banco.

Por que o senhor saiu do Garantia?

Eu nunca ia conseguir ser presidente do Garantia. Era impossível competir com o Jorge Paulo, eu sempre ia perder. Eu saí e fundei o Pactual. Foi simples assim. Eu tinha pedido um tempo para o Jorge para pensar, e, numa viagem a Washington, decidi abrir o banco. O nome não seria Pactual, mas Mutual. O Banco Central mandou mudar, porque já existia outra instituição com esse nome. Então usamos as iniciais dos três sócios fundadores. "P" de Paulo Guedes", "A" de André Jacurski e "C" de Cesar. E mantivemos o fim. Daí o nome Pactual. E copiamos a fórmula do Garantia.

Muitos ex-sócios do Pactual dizem que o clima é horrível, enquanto quem está dentro diz que é ótimo. Como isso é possível?

Os dois estão certos. Se você tem a cultura não-competitiva, aquilo é mesmo um horror. Quando você pega um grupo que entende, ele fica feliz e cresce. O Felipe Massa está feliz por competir na Formula-1? Todos sabem que aquele ambiente é extremamente competitivo e hostil. Mas ele está feliz. O ambiente não é ruim para quem entende a regra do jogo e gosta do desafio de ser o mais eficiente de todos. Quem não é competitivo sai fora.

Mas é possível, por exemplo, fazer amigos numa estrutura assim?

Os meus amigos eram o que estavam fora desse jogo, com quem tinha outras afinidades. No lado profissional, a afinidade é ganhar dinheiro. Você está sempre buscando uma maneira de ser melhor que aquele que está do seu lado. Quando alguém pára de produzir, sai fora, o grupo põe para fora. O Garantia deve ter tido uns 100 sócios, o Pactual também. Da mesma maneira que ele entra e sobe, ele sai. É difícil fazer amigos, porque o objetivo de cada um é individual. Igualzinho ao piloto de Formula-1.

Como se fazia para descobrir se as pessoas tinham o perfil certo para sobreviver no banco?

A gente pegava um recém-formado em Harvard e botava na pior função possível. No Garantia, era liquidante, o sujeito que andava com os cheques para todo lado. Todo mundo tinha que entrar como liquidante. Se ele vinha de Harvard mas não era competitivo já pedia para ir embora aí. É a primeira seleção, esse não servia. Eu entrevistava 150 estudantes de universidades americanas por ano, contratava cinco e, depois de um ano, sobrava um.

Esse período era uma espécie de MBA?

É aí que você descobre se ele tem o DNA adequado.

Essa cultura se espalhou depois?

Não o suficiente. Há apenas três modelos. O que sobrou é a GP, o Pactual e a Ambev. Em nenhum outro lugar se mantém o mesmo grau de competitividade. O germe já morreu, só sobraram essas três instituições. Agora, com a venda do Pactual, ninguém mais pode disseminar essa cultura.

Diz-se que o presidente do UBS Pactual, André Esteves, é uma espécie de símbolo desse modelo ultra-competitivo. Por quê?

O Esteves sempre se destacou, mesmo quando começou no banco, na área de informática. Talvez de todos os que passaram por mim, era o mais aplicado, estava sempre estudando. Ele é ultra-competitivo mesmo, não tem limites. Tanto é verdade que hoje ele preside o UBS em toda a América Latina. Não é impunemente que isso acontece, não é porque ele é bonito. A única pessoa que eu vi com garra semelhante à dele foi o Marcel Telles. Desde cedo já era possível perceber que ele queria ser presidente do banco. Para ele não havia obstáculos, se ele precisasse trabalhar 20 horas por dia, trabalhava.

E o que se faz com uma pessoa que quer a sua cadeira?

Você tem de dar espaço para ele crescer e correr também, para ele não te pegar. É aquela coisa, se correr o bicho pega, se ficar o bicho come. Eu não consegui correr o suficiente, estava velho demais, e ele me atropelou.

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