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Energia: o apetite chinês

Sempre que alguma empresa do combalido mercado brasileiro de energia é posta à venda, é certo que uma interessada em especial estará presente: a estatal chinesa State Grid. Sua última cartada foi dada na sexta-feira 1.º, com o anúncio da compra de 23,6% da participação da Camargo Corrêa na distribuidora de energia CPFL em um […]

ENERGIA NA CHINA: A estatal chinesa State Grid anunciou aquisição da CPFL e é só o começo (Kevin Frayer/Getty Images) (Kevin Frayer/Getty Images)

ENERGIA NA CHINA: A estatal chinesa State Grid anunciou aquisição da CPFL e é só o começo (Kevin Frayer/Getty Images) (Kevin Frayer/Getty Images)

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Letícia Toledo

Publicado em 4 de julho de 2016 às 20h37.

Última atualização em 22 de junho de 2017 às 18h46.

Sempre que alguma empresa do combalido mercado brasileiro de energia é posta à venda, é certo que uma interessada em especial estará presente: a estatal chinesa State Grid. Sua última cartada foi dada na sexta-feira 1.º, com o anúncio da compra de 23,6% da participação da Camargo Corrêa na distribuidora de energia CPFL em um negócio avaliado em 6 bilhões de reais.

A notícia fez as ações da CPFL dispararem 8,2% nesta segunda-feira. O negócio animou até Brasília. Segundo a GloboNews, o governo considerou a compra positiva e a expectativa é de que outras empresas sigam o exemplo da chinesa e decidam investir no país. Mais do que isso, a expectativa é que a estatal chinesa compre as demais partes da companhia, que estão nas mãos de grandes fundos de pensão, como o Previ, do Banco do Brasil, e o Petros, da Petrobras, que podem aderir à proposta que a State Grid fez à Camargo Corrêa. Caso isso ocorra, a chinesa pode pagar até 25 bilhões de reais pela companhia brasileira.

Dinheiro para gastar não falta. Em 2015, a estatal chinesa faturou 312 bilhões de dólares – é mais do que o faturamento da toda poderosa companhia de tecnologia Apple, que no último ano fiscal faturou 234 bilhões de dólares. Os lucros somaram 13,1 bilhões de dólares no último ano e seu valor de mercado é estimado em mais de 342 bilhões de dólares – cerca de 57 vezes maior que o valor de mercado da estatal brasileira Eletrobras, que não chega aos 20 bilhões de reais (pouco mais de 6 bilhões de dólares).

A chinesa não está no país há muito tempo, mas já chegou causando um rebuliço no setor com a aquisição de sete companhias de transmissão de energia de uma subsidiária da Cemig por quase 1 bilhão de dólares, em 2010. Foi o primeiro grande investimento que a State Grid fez fora da Ásia. A compra da CPFL marca a entrada da companhia no negócio de distribuição no Brasil.

Hoje, a estatal tem quase 5.800 quilômetros de linhas de transmissão no país. A distância deve crescer ainda mais nos próximos anos porque a State Grid venceu os dois leilões de transmissão de energia da terceira maior hidrelétrica do mundo, a hidrelétrica de Belo Monte, no Pará.

O primeiro leilão foi vencido no início de 2014, em um consórcio juntamente com a Eletrobras, por 2.100 quilômetros de extensão. A segunda parte do leilão, a companhia venceu sozinha com uma proposta de quase 1 bilhão de reais por 2.550 quilômetros.

Da China para o mundo

Além do Brasil, a State Grid também atua em países como Austrália, Itália e Filipinas. Seus números são coisa de outro mundo. Ao todo, a empresa tem mais de 1,9 milhão de pessoas empregadas e distribui eletricidade para 1,1 bilhão de pessoas. Na China, a companhia é responsável por mais de 88% da energia elétrica transmitida no país.

O plano é investir cerca de 355 bilhões de dólares até 2020, para expandir sua rede de transmissão principalmente na América do Sul e na África. “Para entender a atuação da State Grid é preciso pensar como é a China. A China já é a segunda maior economia do mundo e quer ampliar a presença nos países emergentes para fazer com que dependam cada vez mais do país”, diz o economista e ex-presidente do BNDES Luiz Carlos Mendonça de Barros.

A companhia pode ser considerada uma novata, fruto dos planos megalomaníacos do engenheiro Liu Zhenya. Ele esteve à frente da estatal de 2002, quando foi criada em meio a uma reestruturação do sistema de energia no país, até maio deste ano.

Zhenya defendia que o objetivo da State Grid era construir uma rede global de energia para transmitir eletricidade de país para país e de continente para continente. Uma meta que, segundo Liu, custará 50 trilhões de dólares em um desenvolvimento até o ano de 2050. Para aqueles que achavam a ideia lunática demais, o presidente do conselho rebatia dizendo que o conceito é o mesmo de realizar uma viagem de Pequim a Nova York – coisa que antes da introdução da aviação civil moderna era impensável. “O problema agora é que as pessoas precisam abraçar novas ideias e não deixar o velho pensamento ficar no caminho da inovação”, disse o executivo em uma entrevista à agência Bloomberg.

Segundo ele, quando se trata de expansões internacionais, dinheiro não é uma preocupação da empresa. O que impede a companhia de avançar mais rapidamente é a qualidade limitada dos ativos que encontra pela frente.

O Brasil de 2016 – com a crise econômica e companhias de energia ainda lutando para se recuperar das intervenções estatais – tem tudo para ser um ótimo mercado. Além da CPFL, a companhia está em negociação para comprar os ativos da espanhola Abengoa no país, o que a faria saltar dos 5.800 para 16.300 quilômetros de linhas de transmissão no país, superando a Cemig, hoje a segunda maior do setor, atrás da Eletrobras.

Embates à vista

A companhia também avalia a compra de uma subsidiária da Eletrobras, a Celg-D, com leilão marcado para o dia 19 de agosto e lance mínimo de 2,8 bilhões de reais. A empresa também estuda adquirir a participação da carioca Light na Renova Energia, uma das maiores empresas de geração eólica no país.

Tanto apetite misturado à tradicional falta de transparência chinesa costumam causar preocupação mundo afora. No Brasil, o governo petista era refratário ao avanço de companhias chinesas. O governo Temer, até aqui, tem aprovado as negociações. “O plano é que a América Latina dependa cada vez mais de companhias chinesas”, diz Mendonça de Barros.

Para as obras de Belo Monte, a State Grid queria importar 11.000 operários da China. O principal argumento utilizado na época foi que só os chineses tinham o conhecimento em tecnologia necessário para a construção do linhão – primeiro da rede brasileira de frequência contínua com voltagem de 800 quilovolts. O governo Dilma bateu o pé e, como não conseguiu negociar, a State Grid aceitou se enquadrar na legislação brasileira, com limite de um terço de trabalhadores estrangeiros (o equivalente a 5.000).
As ofertas chinesas, aparentemente, vão continuar acontecendo. Novos embates devem ser questão de tempo.

(Letícia Toledo)

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