Empreendedora se torna referência com empresa de alimentação saudável
Fundada por Maíra Costa, a Free Soul Foods emprega mulheres imigrantes e planeja replicar o modelo fora de São Paulo com apoio de investidores
Natália Flach
Publicado em 7 de março de 2020 às 16h00.
Última atualização em 7 de março de 2020 às 16h00.
As mulheres retratadas neste especial são vencedoras. Não apenas por ocuparem posições de liderança, mas também por terem driblado as estatísticas. Em média, quatro mulheres são assassinadas por dia no Brasil pelo fato de serem mulheres e 147 são estupradas. Elas são maioria na lista de desempregados, ganham 17% a menos do que os homens e, mesmo assim, se candidatam a menos vagas de trabalho por se sentirem incapazes - mais um efeito nefasto da cultura machista. Não fosse o bastante, o preconceito torna as dificuldades ainda maiores para mulheres negras, indígenas, LGBTQ+, imigrantes, cadeirantes, obesas, iletradas...
O dia 8 de março é um marco, por isso vamos aproveitar a data para contar histórias de mulheres que conseguiram vencer barreiras e conquistar seus sonhos. A ideia é que elas inspirem mais mulheres a ir atrás de seus objetivos, sejam eles ser presidente de empresas ou de países, abrir um negócio, sequenciar genomas de vírus, ajudar outras mulheres, passar no vestibular, ganhar um Nobel, ser dona de casa ou mãe.
Confira.
Maíra Costa, fundadora da Free Soul Food
(A Free Soul Food representou o Brasil na etapa final regional e recebeu menção honrosa no programa de formação on-line “Empreender com Impacto”, desenvolvido pelo Mercado Livre em parceria com o Mayma Humanidade Empreendedora e Giral Viveiro de Projetos. A iniciativa brasileira de culinária responsável oferece alternativas saudáveis para pessoas com restrições alimentares, emprega mulheres imigrantes e conta com uma rede de nano empreendedoras para a produção dos alimentos.)
Minha mãe fez cinco pós-graduações e sempre se virou. Quando perdeu o emprego na área de tecnologia, resolveu abrir uma confecção com meu pai, que hoje é auditor contábil aposentado. Cresci vendo como é difícil empreender.
Anos depois, quando já morava na Itália, minha mãe me disse que tinha outra ideia: abrir um restaurante. Achei a ideia horrível e sugeri que ela procurasse a associação comercial para entender mais sobre o negócio antes de tomar uma decisão. Ao fim da reunião, ela me ligou desesperada e, enquanto ela me contava da conversa, quem ficou interessada fui eu (risos).
Naquele momento, eu já tinha uma relação delicada com a comida. Como sou intolerante a lactose, tinha muito medo de comer e passar mal. Daí o horário das refeições me causava certa ansiedade. Meu sonho sempre foi que o alimento pudesse ser algo saudável e gostoso.
Acabei voltando para o Brasil, e eu e minha mãe abrimos a Free Soul Food (empresa de alimentação de comida fresca, natural) em 2016, na zona Norte de São Paulo. O nosso objetivo era que a comida fosse saudável não apenas para o corpo, mas também mantivesse uma relação saudável com a sociedade e com o planeta.
Nesse sentido, demos prioridade a embalagens biodegradáveis e a ingredientes que pudessem ser utilizados de diversas formas, de modo a gerar pouco resíduo. Além disso, decidimos trabalhar com a comunidade. A nossa primeira contratação foi de uma angolana que morava no mesmo bairro que a gente. Como somos mulheres negras, sabemos como é difícil vencer as barreiras do mercado de trabalho. Como o resultado foi muito bom, decidimos que iríamos contratar sempre mulheres imigrantes.
Apesar de ser nosso direcionamento, nós não nos designávamos empreendedoras de impacto social. Fazíamos, porque achávamos que tinha que ser assim. Durante o treinamento do programa Empreender com Impacto (do Mercado Livre), realizado no ano passado, percebemos que tínhamos que nos assumir como tal e vimos que era possível escalar o nosso modelo.
Hoje, a empresa conta com seis pessoas e, para realização de eventos, chegamos a contratar 15 pessoas. Contamos também parceria de cinco nano empreendedoras. Depois de testar o modelo em São Paulo, a nossa ideia é levá-lo para outras regiões do país, e então usar produtos regionais, agricultores locais. Estamos em busca de investidores.
É curioso pensar que eu - que sempre me inspirei em mulheres fortes, como minha mãe e Adriana Barbosa (fundadora da Feira Preta) - agora seja vista como inspiração. Durante o processo seletivo para participar do programa do Mercado Livre, a Verônica, que veio da República Dominicana e está conosco há três anos na Free Soul, disse para os recrutadores que fui muito importante para o crescimento dela. Que ela pensa em estudar, fazer faculdade, que ela se inspira em mim. Por isso, vejo com responsabilidade e tento ser aberta para ajudar nesse caminho do empreendedorismo que não é fácil. Até porque nesse universo não existe uma cartilha pronta. Por isso, é sempre bom ter alguém em quem se espelhar, mas mulheres negras em cargos de liderança ainda são exceção.