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Em Nova York, um musical que já faturou R$ 1 bilhão é a chave para retomada da Broadway

Depois de mais de um ano fechado pela pandemia, circuito de teatros da Broadway retoma o público e quer atrair cada vez mais pessoas

Hamilton: musical da Broadway já faturou mais de 1 bilhão de dólares (Broadway League/Divulgação)

Hamilton: musical da Broadway já faturou mais de 1 bilhão de dólares (Broadway League/Divulgação)

Daniel Giussani
Daniel Giussani

Repórter de Negócios

Publicado em 20 de julho de 2024 às 08h08.

Nova York (EUA) — É certeza: se você passar pela 46th Street com a Sétima Avenida, em Nova York, pouco antes das 19h, não importa qual o dia da semana, verá uma fila quilométrica, virando o quarteirão. É assim desde 2015, quando o teatro Richard Rodgers, que fica por ali, passou a receber o musical Hamilton, o maior e mais bilionário fenômeno recente da Broadway, o circuito de peças e musicais da cidade que nunca dorme. 

Desde a sua estreia, há nove anos, a peça que conta a história de Alexander Hamilton, um dos pais fundadores dos Estados Unidos ao lado de nomes como George Washington, já faturou algo em torno de 1 bilhão de dólares (cerca de 5,5 bilhões de reais, na cotação atual) e atrai pessoas do mundo inteiro.

No dia em que a EXAME foi assistir ao espetáculo, à convite da Broadway Inbound, havia gente de muitos países por ali, prontos para conhecer um pouco mais da história da fundação dos Estados Unidos e do próprio Hamilton.

“Olhando para o público internacional, a maior porcentagem vem de países asiáticos”, disse em entrevista exclusiva à EXAME o vice-presidente da Broadway Inbound, Bob Hofmann. “Mas a América Latina também é extremamente importante. Temos um levantamento que 35% dos brasileiros que vão a Nova York compram pelo menos um ingresso”. 

Comprar ingresso, pelo menos para Hamilton, não é missão fácil. O espetáculo, um dos mais procurados na cidade, costuma lotar rapidamente. É uma característica impressionante, visto que ele já está há nove anos em cartaz, conta com oito apresentações semanais e cada ingresso custa, no mínimo, 150 dólares. Mas a maioria passa, tranquilamente, dos 250 dólares — algo em torno de 1.300 reais. 

O mistério que muita gente tenta desvendar, pelo menos nos últimos nove anos, é como um musical de três horas sobre o primeiro secretário do Tesouro norte-americano se tornou um dos maiores sucessos da Broadway? E mais, como ele conseguiu fazer algo que o setor tentava há pelo menos 20 anos: renovar a audiência, atraindo um público jovem para as salas do teatro nova iorquino. 

O que explica o sucesso de Hamilton

A resposta passa, sem dúvida, pelo jeito em que a história é contada — e cantada. Por ali, baladas pop e rimas de hip hop intercalam-se. Em determinado momento, Hamilton disputa uma batalha de rap com Thomas Jefferson, então secretário de Estado norte-americano, com direito a “mic drop” e tudo.

Num setor em que a maioria dos grandes musicais traziam batidas clássicas, quase óperas, como é o caso de Os Miseráveis e O Fantasma da Ópera, Hamilton colocou personagens dos livros de história do país dançando hip-hop e fazendo batidas com a boca. 

Além disso, a diversidade na peça é algo que chamou a atenção positivamente desde que a peça estreou, em 2015. Todos os personagens, homens brancos, são interpretados por latinos, negros e descendentes de asiáticos. Um jeito de juntar o retrato da América de ontem com a América de hoje, diz o criador da obra e intérprete de Alexander Hamilton na montagem original, Lin-Manuel Miranda.

Por fim, a própria história chama a atenção. Diferente de Benjamin Franklin, George Washington, John Adams e Thomas Jefferson, outros “pais fundadores” dos Estados Unidos, que são conhecidos até por que não mora no país, Alexander Hamilton ficou anos nas sombras. Nem mesmo os moradores do país sabiam da história do homem que ilustra a nota de dez dólares. 

“Teatro é sobre comunicar com as pessoas, é um diálogo com as pessoas ao redor de você”, diz Hofmann, da Broadway Inbound. “O sucesso acontece quando as pessoas se conectam. E é isso que Hamilton faz. É uma história muito tocante e que as pessoas não conheciam. E o musical não é só dança e canto. É a conexão. Há momentos em que você chora, outros que você ri, você sai tocado. Isso ajuda a explicar o sucesso”. 

Quando juntou essas três coisas, Lin-Manuel não sabia, mas se preparava para criar o maior fenômeno financeiro e pop da Broadway em anos. Além do faturamento bilionário em Nova York e em tours que acontecem pelos Estados Unidos e na Europa, um contrato milionário também fez diferença. Em 2020, durante a pandemia de covid-19, a Disney pagou 75 milhões de dólares (algo como 420 milhões de reais) para lançar o musical em seu então recém-inaugurado streaming Disney+.

Broadway tenta se recuperar pós-covid

Apesar de ter fenômenos de público e de receita como Hamilton, O Rei Leão e Aladdin, a Broadway como um todo ainda tenta se recuperar da covid-19. Os teatros ficaram fechados por um ano e meio, desde então, ainda sofrem com menos público do que o período pré-pandêmico. 

Os dados mais recentes, da presença de público na temporada 2023-2024, manteve-se aproximadamente estável em relação ao ano anterior, mas quase 17% abaixo dos níveis pré-pandemia. As estatísticas de fim de ano indicam que as 71 produções da Broadway em cartaz de 22 de maio de 2023 a 19 de maio de 2024 arrecadaram um total combinado de 1,54 bilhão de dólares, com um público de 12,3 milhões de pessoas.

O valor arrecadado representa uma pequena queda nas bilheterias em relação à temporada passada – cerca de 2%. Já o total de público aumentou menos de um ponto percentual. Na tradução: mais gente comprou ingressos mais baratos. 

É um desafio que o setor tenta ultrapassar, mas que esbarra em dificuldades. Primeiro, porque diferente de um filme, musicais têm custos recorrentes, o que encarece os ingressos. Depois, que isso limita muito a audiência internacional. Em países com a moeda desvalorizada, como é o caso do país, moradores precisam fazer um investimento e tanto para ver um musical. Para ter uma noção, se uma família de quatro pessoas tentasse ver Hamilton, haveria de pagar, no mínimo, 5.000 reais.

“Em 10 dias na cidade, o objetivo é que um turista visse pelo menos dois espetáculos, mas com a desvalorização da moeda, muitos não conseguem”, diz Hofmann. 

Apesar disso, os musicais têm feito um trabalho e tanto para se recuperar. E estão otimistas com o futuro. 

“Estamos fazendo de tudo para ter a audiência de volta”, afirma. “Fazemos gestão de custos, temos campanhas de marketing mais fortes, o elenco dos shows está mais diverso, o que ajuda também”. 

Na Broadway, essas estratégias se juntaram às luzes, danças e cantos para atrair o público. The show must go on. 

Para além da peça

Uma dica para quem é fã de musicais e quer ir além das três horas de espetáculos. Localizado no coração do distrito teatral, o Museu da Broadway oferece uma experiência imersiva que celebra a história e a magia dos espetáculos da avenida dos musicais. Por ali, você pode passar por exposições interativas que permitem explorar os bastidores dos teatros, desde a concepção até a produção dos shows. Também é possível ver figurinos icônicos, adereços e maquetes de cenários famosos.

O museu é aberto diariamente, mas é recomendável comprar os ingressos com antecedência, especialmente durante os fins de semana e feriados. Planeje passar entre 30 minutos e 1h30min no museu. 

*A reportagem assistiu a Hamilton a convite da Broadway Inbound 

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