Duelo de titãs: como ficarão os contratos entre siderúrgicas e montadoras
Segundo apurou a reportagem da EXAME, os reajustes serão em torno de 30%, mas as usinas devem ter menos poder de barganha contra as “4 grandes”
Juliana Estigarribia
Publicado em 24 de novembro de 2020 às 06h00.
Última atualização em 24 de novembro de 2020 às 08h07.
Com o fim do ano se aproximando, começam as tradicionais negociações entre as siderúrgicas e suas principais clientes, as montadoras. Em um cenário de pandemia, baixa demanda e aumento de custos, as usinas estão negociando reajustes de 30% a 35% nos contratos anuais. O impacto só não deve ser tão forte nas chamadas "quatro grandes" -- General Motors, Volkswagen, Fiat Chrysler e Hyundai --, que respondem pela maior fatia das vendas de veículos no mercado brasileiro. Ainda assim, os efeitos serão significativos em todo o setor automotivo.
As siderúrgicas são os principais fornecedores de matéria-prima das montadoras. Os contratos entre os dois setores são anuais e determinam boa parte da rentabilidade da indústria siderúrgica no ano.
Neste ano de pandemia, o setor produtivo como um todo precisou rever sua estratégia. No caso da siderurgia, as empresas precisaram desacelerar drasticamente o ritmo de produção, diante da baixa demanda e do aumento de custos. Com isso, a oferta no mercado doméstico caiu e as siderúrgicas conseguiram aplicar reajustes na distribuição. Paralelamente, estão travando uma verdadeira queda de braço com as montadoras, como há anos não se via.
A Usiminas, até poucos anos atrás, era líder absoluta no fornecimento de aço para a indústria automotiva. No entanto, a companhia vem perdendo espaço principalmente para a ArcelorMittal, segundo apurou a reportagem da EXAME, além da Companhia Siderúrgica Nacional (CSN) e, em menor grau, para a Gerdau.
"A Arcelor tirou participação da Usiminas, principalmente em aços galvanizados. A CSN também vem ganhando espaço", afirma uma pessoa a par das negociações.Neste jogo, a participação de mercado das siderúrgicas deve ser crucial para as negociações: quem conceder os maiores descontos deve ganhar market share.
Outra fonte próxima às negociações afirma que a valorização de 40% do dólar neste ano é o principal fator que está sendo colocado à mesa. "O reajuste mínimo será de 30%, não há outro jeito."Desde o início deste ano, opreço do aço na China subiu cerca de 100 dólares por tonelada. Nos Estados Unidos, a bobina a quente aumentou 80%. "As montadoras não têm outra alternativa", acrescenta.
Nos contratos anuais, as siderúrgicas chegam a fornecer de 20.000 até 30.000 toneladas mensais de aço, dependendo da montadora. Aquelas que compram maiores volumes certamente terão mais força para negociar, mas esse poder é limitado, uma vez que o mercado siderúrgico é altamente concentrado no Brasil: importar o aço não é uma opção para a indústria automotiva.
"Como o pipeline entre fazer o pedido e o produto chegar de fato à fábrica é de cerca de seis meses, as montadoras não importam aço, não tem como fazer uma previsão tão exata dos volumes necessários", afirma um executivo do setor siderúrgico. Diante dessa conjuntura, o aumento para as "quatro grandes" montadoras deve ficar em aproximadamente 20%. O restante deve amargar o reajuste cheio.
A CSN deve aplicar um reajuste de 35%, segundo uma pessoa próxima à companhia. Recentemente, em teleconferência com analistas, a siderúrgica afirmou que esse seria o patamar mínimo de aumento de preços, diante de um crescimento dos custos na casa dos 55%. Procurada, e empresa disse que não comenta o assunto.
A Usiminas também informou que não comenta sobre o tema. Arcelor e Gerdau não responderam ao questionamento.
Pequenos e médios
A necessidade de repasse de custos pelas siderúrgicas deve acertar em cheio pequenas e médias empresas da cadeia automotiva. São quase 7.000 no total.
Os reajustes na rede de distribuição ultrapassam 50%. Como as fabricantes de autopeças reduziram drasticamente os estoques para atravessar a crise, estão sendo obrigadas a comprar com preços mais altos.
"O impacto dos aumentos de preços do aço foi na veia e afetará a indústria como um todo", afirmou Luiz Carlos Moraes, presidente da Anfavea, associação que reúne as montadoras.
A expectativa é que os contratos sejam assinados em janeiro, mas as siderúrgicas estão irredutíveis: é "pagar" ou largar.