De drones à impressão 3D, montadoras investem pesado em tecnologia
Com as perspectiva do livre-comércio com União Europeia, indústria automobilística brasileira foca em competitividade para se manter forte
Estadão Conteúdo
Publicado em 23 de setembro de 2019 às 14h08.
Última atualização em 23 de setembro de 2019 às 14h12.
São Paulo — Drones que controlam estoques, óculos com realidade aumentada, robôs teleguiados, exoesqueletos, impressão de peças em 3D e fábricas digitais são algumas das tecnologias disruptivas que a indústria automobilística brasileira vem adotando para melhorar a qualidade dos veículos, a produtividade das fábricas e sua competitividade.
O setor está com o cronômetro acionado para enfrentar um dos seus maiores desafios desde a produção do primeiro veículo nacional, há mais de seis décadas.
Nos próximos 15 anos, prazo em que entrará em vigor o livre comércio entre Mercosul e União Europeia , as fabricantes locais terão de estar preparadas para exportar carros mundo afora e, internamente, enfrentar produtos importados.
Se não tiver condições de competir globalmente, o país poderá se tornar mero importador de veículos. Hoje o Brasil abriga 66 fábricas que produzem automóveis, comerciais leves, caminhões, ônibus e tratores.
O presidente da Associação Nacional dos Fabricantes de Veículos Automotores (Anfavea), Luiz Carlos Moraes, afirma que, "da porteira para dentro, nossas fábricas estão preparadas". Segundo ele, entre 2018 e 2024 o setor vai investir quase R$ 40 bilhões, a maior parte em novas tecnologias e modernização das linhas.
Embora seja um dos líderes na introdução de processos e equipamentos da chamada Indústria 4.0 - ou fábricas inteligentes -, o setor tem muito a avançar, especialmente para atender à demanda futura por carros mais conectados, mais seguros, elétricos e autônomos.
Segundo Moraes, parte dessa melhora depende da disposição do governo em mudar gargalos que atrapalham os negócios da indústria em geral, como infraestrutura e tributação.
Marcelo Cioffi, sócio da consultoria PwC no Brasil, concorda que deficiências logísticas, burocracia excessiva, insegurança jurídica, tributação elevada ou com imperfeições, baixa abertura comercial, custo de energia, entre outros itens, "acrescentam custos em cada fase da cadeia produtiva, causando um efeito bola de neve, deixando um 'gap' de competitividade que coloca o País em desvantagem em relação a outros países produtores de veículos".
Ele ressalta que, do lado das empresas, muitos investimentos foram feitos nos últimos anos em novas fábricas, aumento de capacidade e eficiência produtiva, em muitos casos equiparando as unidades locais a padrões internacionais.
O jornal O Estado de S. Paulo procurou várias das empresas para indicar inovações que mudaram a forma de produzir carros no País. Abaixo está a relação com as indicações de cada uma delas.
Volvo
Os drones são usados no controle de inventário de materiais no estoque. A tecnologia atende a um processo rotineiro, mas considerado de razoável nível de dificuldade. As peças estão distribuídas em longas e altas prateleiras (algumas com 12 metros), o que dificulta a visualização das etiquetas dos pallets e caixas.
Antes, o serviço era feito com uso de empilhadeiras. Cada movimentação de embalagem com a empilhadeira demora em média dois minutos. Com os drones, leva 30 segundos. A visualização da etiqueta assegura o inventário e aumenta a confiabilidade, pois não há risco de erros visuais de números ou letras. A tecnologia possibilita também mais giros de estoque durante o ano.
Honda
Smart GW realiza o fechamento da carroceria, unindo as laterais e o teto do veículo ao assoalho. O posicionamento das peças é feito por robôs com dispositivos que permitem fácil acesso para soldagem de toda a área da carroceria do veículo. Estes robôs são fabricados com materiais leves e resistentes e aumentam a velocidade de movimentação e eficiência da soldagem em 30%.
Com isso, a montadora também reduziu o consumo de energia elétrica em 10% na fábrica em Itirapina, no interior do Estado de São Paulo, que foi inaugurada neste ano.
Fiat
Machine Learning é a inteligência artificial usada pela Fiat na área de funilaria da fábrica de Betim (MG) no controle e ajuste do processo de soldagem. Com a combinação de dados, processamento computacional e algoritmos eficientes, o sistema da máquina "aprende" regras por conta própria, sem precisar de programação.
Após o uso da tecnologia, a empresa constatou melhora de 37% nos índices de qualidade relacionados à funilaria. A fábrica tem 150 desses equipamentos, número que aumentará com os próximos lançamentos da marca.
Hyundai
A solda 100% automatizada não se restringe aos movimentos dos robôs, mas na maneira como todos se comunicam e se autoajustam. São geradas informações, análises e ações são tomadas sem a necessidade da intervenção humana. Ao inserir o "pedido de compras" no sistema, com os modelos a serem produzidos, a linha de montagem de veículos se adapta e inicia a produção.
O sistema consegue, por exemplo, reconhecer um pallet com peças de um carro e avisar o robô sobre a posição das peças ou reconhecer quando um tipo de peça foi colocado em posição incorreta e parar o processo produtivo da linha.
Volkswagen
A fábrica digital usa mais de 50 softwares que funcionam na mesma plataforma operacional e permitem simular virtualmente processos produtivos, construções prediais e infraestrutura antes de serem implementados fisicamente, além de estudar a ergonomia de postos de trabalho. Implantada em 2008 em São Bernardo do Campo, evita erros no processo que demandariam correções posteriores.
Simulações que antes levavam 22 horas hoje são feitas em 30 segundos. Ajustes no processo produtivo podem ser feitos quatro anos antes do primeiro protótipo.
General Motors
Vision Machine é usado para fornecer análises automáticas baseadas em imagens para inspeção de qualidade, controle de processo e orientação para robôs. Engloba grande número de tecnologias, produtos de software e hardware, métodos e conhecimentos. Segundo a GM, ao invés de detectar defeitos, o sistema impede que o produto seja fabricado com defeito. Ele é usado em operações e processos, como na inspeção do adesivo estrutural aplicado nas carrocerias.
Volkswagen Caminhões e Ônibus
Impressora 3D trabalha praticamente de forma ininterrupta para a produção de cerca de 250 peças protótipos ao ano. A empresa passou a recorrer a esse tipo de tecnologia para produzir itens de maior complexidade e moldes para novas peças dos veículos. O resultado é uma redução de cerca de 80% no custo de desenvolvimento de veículos conceituais na fase inicial dos novos projetos. Um processo antes que demorava cerca de dois meses, hoje leva dias. Segundo a empresa, a complexidade das peças impressas tem evoluído em velocidade acelerada, com a produção de componentes maiores e com riqueza de detalhes.
Ford
Robôs fazem a troca de marchas e de sensores de força, permitindo leitura dos esforços para mudança de marchas (desengate e sincronização para cada marcha). Máquinas instaladas na fábrica de motores em Taubaté (SP) têm acelerômetros que captam as vibrações das transmissões. Sinais analógicos são convertidos em dados digitais que analisam ruído, vibração e aspereza, gerando gráficos sobre as variações de ruídos por engrenagem. Isso permite avaliações mais precisas e assertivas.
Scania
O Gom é uma célula de medição automatizada que usa o processo de fotogrametria - que reconstrói o espaço tridimensional a partir de imagens bidimensionais - para obter de imagens das peças a serem medidas. Dois sensores ópticos são manipulados por robôs para a varredura da superfície do veículo, fornecendo imagens de alta precisão para avaliação dimensional das cabines de caminhões. O controle de superfícies é mandatório para assegurar a performance e menor gasto de combustível. O trabalho, antes feito manualmente em uma semana, hoje leva menos de um dia.
Mercedes-Benz
Óculos de realidade virtual foram adotados neste ano no processo de montagem inferior das cabines de caminhões. Possibilitam visualizar imagens, com parâmetros e informações dos sensores, de um equipamento ou do processo produtivo. Permitem ao operador atuar de forma rápida e com as mãos livres, tendo suporte de áudio, vídeo e outros documentos que auxiliam o processo, garantindo redução de tempo e melhor qualidade na execução da tarefa. Junto com equipamentos como robôs colaborativos e exoesqueletos contribuem para um ganho de 15% de eficiência.
Nissan
AGVs (veículos guiados automaticamente) são pequenos robôs autoguiados que conduzem carrinhos de peças e plataformas. Segundo a empresa, eles eliminam o transporte de veículos internos ou plataformas acionadas por correntes, dão agilidade, precisão e segurança aos funcionários da montadora. Eles circulam sozinhos por toda a fábrica.
A empresa tem 167 AGVs e vai ampliar esse número. Os carrinhos com kit de peças são montados em área própria por funcionários responsáveis só por esta operação. Se alguém entra no caminho eles param. No trajeto, os AGVs tocam músicas para avisar que estão chegando.