A compra da Wyeth pela Pfizer
A executiva Júlia D'Urzo trabalhou nos últimos 12 meses para deixar seu cargo depois de 23 anos e preparar os 800 funcionários da Wyeth para adotar a bandeira da Pfizer. Veja o que você pode aprender a partir da experiência dela
José Eduardo Costa
Publicado em 11 de março de 2010 às 10h18.
No último dia 29 de janeiro, a administradora de empresas Júlia DUrzo, de 51 anos, encerrou uma jornada de carreira que teve inicio em 1987, quando ela foi trabalhar na filial brasileira da farmacêutica Wyeth, em São Paulo. Lá, ela começou na área de remuneração e benefícios, se tornou gerente de recursos humanos e posteriormente diretora da área. Há um ano, todas as operações da Wyeth em 145 países foram adquiridas pela gigante Pfizer por 68 bilhões de dólares.
Desde então, coube a Júlia a tarefa de preparar o terreno para a chegada da executiva Lisandra Ambrósio, da Pfizer, e orientar e treinar os 800 profissionais da Wyeth para um novo momento de carreira, como ela costuma repetir aos funcionários. Esse novo momento pode ser na nova empresa, originada da união de Pfizer e Wyeth, ou então fora dela, em outra companhia.
Júlia estima, com base em informações divulgadas pela presidência, que dois em cada dez profissionais da Wyeth serão demitidos no processo de rearranjo que se segue à união das duas marcas. Em 2008, a Wyeth faturou no Brasil 732,5 milhões de reais. A empresa vinha de três anos de crescimento e, por isso, a notícia da venda pegou os funcionários de surpresa. Um sentimento de frustração tomou conta das pessoas, diz Júlia. A seguir, ela conta como reverteu a situação e ajudou a preparar os funcionários da Wyeth para uma transição na carreira.
Vocês foram comprados depois de três anos em que vinham obtendo ótimos resultados?
A Wyeth teve um período muito complicado até 2004, em que vinha perdendo participação no mercado e não obtinha bons resultados no lançamento de novos produtos. Internamente, não sentíamos que as pessoas tinham vontade de crescer nem de liderar. A partir de 2005, houve a troca de presidentes [a Wyeth tem duas grandes linhas, a área farmacêutica, de remédios sob prescrição, presidida por Victor Mezei, e a área de saúde, cujos remédios são vendidos diretamente ao consumidor, presidida por Carlos Sampaio], mudamos pessoas de lugar, criamos novas áreas e investimos pesadamente em comunicação. O desafio era criar uma cultura de vencedor. O plano deu certo. Tivemos ótimos resultados em 2006, 2007 e 2008.
A notícia pegou os funcionários de surpresa?
Sim. Quando, em janeiro de 2009, recebemos a notícia que tínhamos sido vendidos para a Pfizer [líder mundial no setor]. Um sentimento de frustração tomou conta das pessoas. Procurei convencer a todos de que justamente por sermos bons fomos adquiridos e de que na nova empresa todos teriam oportunidade.
Não havia no momento expectativa de demissões?
A gente não tinha ideia [logo após o anúncio da aquisição falava-se que globalmente a Pfizer demitira 20 000 funcionários]. A definição viria com o desenho da nova estrutura. No Brasil, eu dizia para as pessoas que de cada dez oito teriam chance de ficar, pois essa foi a informação passada pelo presidente. E para os que ficassem haveria uma mudança na carreira. Significaria uma mudança na atividade profissional, porque uma nova companhia estava sendo criada. Cada pessoa deveria ter essa clareza.
Num momento como este qual a maior preocupação das pessoas?
Basicamente são duas as questões que estão na cabeça das pessoas: meu emprego e salário serão mantidos? e, depois, esse clima que temos aqui vai ser mantido?.
Em um primeiro momento, o negativismo é maior do que o senso de oportunidade?
É verdade. As pessoas torciam para que as autoridades americanas não aprovassem a aquisição [a transação foi aprovada em outubro]. Esse sentimento bloqueia a visão das pessoas, que podem aproveitar o momento para refletir sobre o que fazer na nova estrutura ou então olhar o mercado de trabalho para identificar a melhor oportunidade de reposição. Para ajudar nesse processo, montamos oficinas e workshops sobre currículo, networking, entrevista de emprego, orientação sobre finanças pessoais e estilo de liderança. Apesar de muitos dos encontros serem aos sábados, a adesão foi tremenda.
As pessoas usam a rede de relacionamentos para se recolocar?
Muito pouco. As pessoas mantêm contato com clientes e fornecedores, mas poucas têm uma relação que vai além do contato de negócios. Muitas achavam que networking é só para quem ocupa uma posição mais executiva. Depois das primeiras oficinas, houve uma explosão de gente entrando no LinkedIn. Recebi diversos convites de analistas para se juntar à minha rede de contatos na internet.
Havia um grau de defasagem grande na formação?
Considerando o set de competências para a Wyeth, as pessoas [a maior parte dos 800 funcionários da Wyeth pertence à equipe de marketing e vendas, tem curso superior completo e de 30 a 40 anos de idade] estavam bem. Se a gente pensar que elas poderiam expandir sua área de atuação para outros setores, eu já diria que o grau de atualização seria de médio para baixo. As pessoas acham que o crescimento delas deve ser gerido pelo chefe. Falar inglês ou espanhol, saber um pouco mais de finanças ou de tecnologia são exigências do mundo em que vivemos. A maioria das pessoas ainda acha que isso cabe à empresa.
Qual foi a maior lição que você extraiu desse processo?
Deveríamos estimular as pessoas a pensar sobre a carreira e seu papel na organização com mais frequência. Descobri que o percentual de pessoas que realmente assumem a gestão da própria carreira é mínimo. Ninguém tem uma plaquinha de ativo fi - xo e vai fi car na empresa para sempre. Processos de aquisição, fusão e estruturação acontecem a todo instante.
Que situações fizeram com que você percebesse isso?
De maneira geral, as pessoas acham que, quando são chamadas a pensar sobre a carreira e sobre o mercado de trabalho, elas serão demitidas. Foi o que percebi durante minha experiência na Wyeth nos últimos 12 meses. Também descobri que elas não se preparam para enfrentar uma eventual demissão. Havia funcionários que, se perdessem o emprego no processo de integração da Wyeth com a Pfizer, teriam dificuldade financeira para se manter além de três meses.
Do lado da carreira, quais as principais dificuldades das pessoas?
Primeiro, a falta de noção de onde podem atuar. Vi muita gente apavorada por restringir o campo de atuação à indústria farmacêutica, quando na verdade deveria estar olhando o mercado de saúde como um todo. Uma segunda coisa é que as pessoas fazem treinamentos internos ou externos olhando apenas a possibilidade de crescimento na corporação em que trabalham, com muito pouca percepção do mercado. Isso se dá em todos os níveis.
As pessoas ainda pensam a carreira de forma linear (sem considerar a atuação em áreas diferentes) e de olho na cadeira do presidente?
Poucas se preparam genuinamente para dar o próximo passo. Menos gente ainda se prepara para atuar em outras áreas. Por exemplo, o profissional de marketing para trabalhar em vendas. Ao adotar essa postura, o profissional acessa mais oportunidades de trabalho e de carreira. As empresas deveriam estimular os funcionários a olharem para o mercado. Essa prática pode, até mesmo, funcionar como um instrumento de retenção.
Na parte financeira, quais foram as descobertas?
Descobri que a maior parte dos funcionários não tinha reserva financeira para enfrentar um processo de recolocação no mercado de trabalho. Os profissionais começaram a olhar para o plano de pensão, querendo saber se poderiam sacar e levar tudo. E isso mostra que estavam querendo resgatar um investimento de longo prazo para solucionar um problema de curto prazo. As empresas falam muito pouco sobre educação financeira.
Há uma confusão entre o lado profissional e o lado pessoal considerando as finanças?
Na medida em que você cresce na organização, você adquire alguns benefícios como cartão corporativo, carro, laptop, blackberry. Você tem acesso a hotéis, restaurantes, à classe executiva em uma viagem internacional. O problema é quando se leva esse padrão para a vida particular. Tivemos questões desse tipo e outras relacionadas ao nível de endividamento dos funcionários. Tanto que tivemos um consultor de finanças pessoais nos assessorando durante o processo.
Vocês vão oferecer outplacement, assessoria para conseguir um novo emprego, aos funcionários?
Somente para os executivos [na Wyeth são 15 os diretores que se reportam aos dois presidentes].
O que foi mais difícil durante essa experiência?
Manter a isenção para tratar as questões de forma sensata.
Quais são seus planos, já que você é dos funcionários que sai da Wyeth?
Imaginei que quando deixasse a carreira corporativa, daqui três anos, montaria meu próprio negócio, algo distante de RH. Ao longo do ano, redescobri minha paixão pelo que faço. Gostaria de compartilhar o que aprendi trabalhando em outra empresa ou atuando como consultora.