Como a Movile quer bater a Netflix no mundo do conteúdo infantil
PlayKids, braço da gigante brasileira, decidiu unir o mundo digital ao físico e criou um clube de assinatura híbrido, chamado PlayKids Explorer
Mariana Fonseca
Publicado em 2 de março de 2018 às 06h00.
Última atualização em 2 de março de 2018 às 09h24.
São Paulo – Nos últimos anos, apenas um nome tem reinado no mercado de conteúdo audiovisual online: a Netflix .
Avaliada em 120 bilhões de dólares, a empresa que se tornou conhecida por acabar com o domínio da rede Blockbuster possui um público cativo de 115 milhões de usuários, espalhados por 190 países.
Obviamente, a estratégia da gigante do streaming não passou desapercebida. Empresas como Apple, Amazon e HBO passaram a investir pesado em criação de conteúdos exclusivos. E alguns desses concorrentes são brasileiros destemidos.
Nesse último grupo inclui-se a gigante Movile , investidora de serviços tão diversos quanto o aplicativo de delivery iFood e a startup de eventos Sympla. Seu braço de conteúdo educativo infantil, PlayKids, adotou o nicho como estratégia para vencer a Netflix no disputado mercado de animações voltadas às crianças.
Para isso, resolveu adotar tanto estratégias similares às da Netflix, como a inserção de conteúdo original para seu aplicativo, quanto planos totalmente distintos, como a criação de um clube de assinatura para unir físico e digital.
Trajetória e conteúdo original
A PlayKids começou como um projeto de aplicativo de vídeos que a Movile estava desenvolvendo nos anos de 2012 e 2013. “Em uma das tentativas de produto, colocaram-se desenhos animados. Esse modelo teve uma arrancada de usuários muito melhor do que os outros testes. Então, a Movile começou a focar nisso: criou conceito de marca, personagens e desenhos próprios”, explica Guilherme Martins, CEO da PlayKids.
O aplicativo de vídeos passou a oferecer não apenas animações, mas também atividades, jogos e livros. O sucesso foi tanto que a PlayKids virou um negócio global, hoje presente em mais de 180 países e com 5 milhões de usuários ativos.
“Enquanto não havia grandes plataformas distribuindo conteúdo estava tudo bem. Mas, quando vimos essa super onda de todo mundo criar plataformas de conteúdo, uma lâmpada acendeu: quem somos e o que fazemos?”, indaga o CEO.
Com um mar de players do entretenimento pelo entretenimento, como Netflix e YouTube, a PlayKids resolveu focar em se tornar um player de conteúdo educativo há cerca de dois anos. “A gente nunca vai passar todo o conteúdo que existe nessas plataformas. Resolvemos nos preocupar mais com o impacto que nossos produtos causam na criança, com materiais extremamente selecionados.”
Para isso, a PlayKids aposta tanto na importação de animações como Bubu e as Corujinhas e Galinha Pintadinha, fenômenos de licenciamento, quanto na produção de conteúdo original. Hoje, 30% dos acessos do aplicativo da PlayKids ocorrem em itens criados pela equipe do negócio.
“Se não conseguimos trabalhar algum conteúdo que desejamos com algum parceiro nosso, criamos esse produto. É o que a Netflix faz, e estamos nos especializando cada vez mais nisso, com uma proposta específica para um público específico.”
Diferentemente da Netflix, a PlayKids foca menos em séries e mais em episódios sem linearidade, com um aprendizado por desenho. São conteúdos de duração menor e com itens musicais, que ajudam a fixar o aprendizado.
“Se o nono episódio não acrescentará nada no aprendizado da criança, por exemplo, ele simplesmente será excluído da programação. Como eu faço para competir com esses gigantes? Eu quero mostrar que meu valor está muito mais do lado da preocupação extrema de que as crianças ganhem algo com o que veem”, diz Martins.
Os clubes de assinatura e o PlayKids Explorer
Além dos desenhos animados, outra aposta de conteúdo original da PlayKids está no mundo físico, por meio do clube de assinaturas PlayKids Explorer. Lançado há cerca de sete meses, o serviço entrega livros exclusivos mensalmente para mais de 10 mil assinantes.
Apesar de aparência de moda que já passou, o mercado de clube de assinaturas fatura cada vez mais no Brasil. Segundo dados da Associação Brasileira de Comércio Eletrônico (ABComm), o setor faturou 725 milhões de reais em 2017, com 750 negócios no ramo.
Tal mercado pretende crescer 8% neste ano, alcançando uma receita de 782 milhões de reais. Os produtos mais comuns são alimentos e bebidas, brinquedos, cosméticos e itens para pets.
A PlayKids não ficou alheia ao movimento. Ainda que o próprio slogan da Movile seja “We Think Mobile” (“Nós pensamos de forma móvel”), a gigante anunciou já em setembro de 2016 a aquisição de um clube de assinaturas de livros infantis mineiro, chamado Leiturinha, como parte da sua estratégia de se posicionar como player não apenas de conteúdo, mas também de educação infantil.
Guilherme Martins é um dos fundadores do Leiturinha e chegou ao cargo de CEO da PlayKids com a missão de elaborar uma estratégia de interação entre o mundo físico e digital.
Para isso, acreditou no modelo de clube de assinatura híbrido como solução, unindo as experiências da PlayKids com as do Leiturinha. “Eu gosto do modelo por diversos motivos. É um produto com previsibilidade maior de receita, ainda que seja algo mais custoso de se vender. Compensa em longo prazo, se você souber quais produtos vender.”
O empreendedor cita como case de sucesso no ramo a Wine.com.br, clube de assinaturas de vinhos que possui Abilio Diniz entre seus sócios.
“Eles escolheram um nicho e trouxeram sommeliers para fazer a curadoria dos melhores vinhos. Com as vendas, conseguiram trazer rótulos exclusivos e aumentaram ainda mais o número de assinantes. Isso só deu certo porque os compradores de vinho precisam de conhecimento se não quiserem jogar dinheiro fora – e é o mesmo caso com livros infantis.”
Após meses de testes de experiência de usuário, o clube de assinatura de conteúdo educativo infantil PlayKids Explorer foi lançado.
O serviço tem como base um livro de histórias personalizado. Os parentes montam previamente o “avatar” da criança, que se torna o herói ou heroína da obra, interagindo com personagens já criadas pela PlayKids. A cada mês são trabalhados temas diferentes e vocabulários diferentes, mantendo o tema geral de exploração.
Mesmo assim, a experiência da Movile com tecnologia não foi descartada. Quem assinar o clube, que possui uma mensalidade de 59,90, também tem acesso ao aplicativo da PlayKids (com mensalidade avulsa de 29,90). O livro é acompanhado por “cards” mágicos, que interagem com o app e ativam recursos como narração e realidade aumentada.
Por fim, os materiais educativos presentes na caixinha mensal são livros de atividades relacionadas à história original e um guia de orientação aos pais. O PlayKids Explorer trabalha com três eixos de desenvolvimento: intelectual, socioemocional e de interação com o mundo ao redor da criança.
“A grande sacada é entender que nosso público é tanto o usuário final, a criança, quanto os decisores, os pais. Esses parentes estão buscando o melhor para as crianças, usando as referências físicas que eles já possuem e buscando referências digitais”, afirma Martins.
“O nosso desafio, agora, é saber o que mais fazer para que as crianças fixem seu aprendizado. Queremos aumentar a interatividade com o digital sem perder os produtos materiais.”
Internacionalização e próximos passos
Hoje, a PlayKids possui três produtos: o aplicativo PlayKids, o clube PlayKids Explorer e o clube Leiturinha – que continua com a mesma equipe de antes da aquisição. Enquanto o Leiturinha tem quase quatro anos de negócio e 100 mil assinantes, o PlayKids Explorer possui sete meses de vida e um décimo desses assinantes.
Para 2018, o clube de assinatura irá focar não tanto no número absoluto de assinantes, e sim em dobrar o faturamento mensal atual. Com o maior movimento, a negociação de conteúdo exclusivo também dará um salto, afirma Martins. A Movile não abre números de receita da PlayKids.
Uma das estratégias já aplicadas neste ano é internacionalizar o PlayKids Explorer. O clube chegou em janeiro de 2018 aos Estados Unidos.
“Pensamos muito sobre quando e como fazer nossa internacionalização nos EUA. Uma das grandes preocupações que eu tinha era como fazer o produto se provar no ambiente mais competitivo que existe, onde não dá para dizer que a logística não funciona, que as pessoas não têm dinheiro ou que as pessoas não se interessam”, afirma o CEO da PlayKids.
O Explorer bate de frente com players semelhantes e está no momento afinando sua estratégia de aceitação do público e de precificação. A PlayKids já obteve o selo de aprovação Parent’s Choice, por exemplo.
“Apesar de sempre trabalharmos uma temática que funcione em diversos locais, nossos livros são customizados para cada país. A tradução que fazemos é validada por locais, para não termos traduções engessadas. A Movile nos incentiva muito a pensar globalmente e temos todo o suporte para testar, errar e melhorar.”
Martins descarta que seguir os passos de tantas outras startups, incluindo a Netflix, e tornar-se um unicórnio (empresa com valuation de um bilhão de dólares) seja uma meta constante da PlayKids. Mesmo assim, crescer o máximo possível sempre está no mapa. “Nos próximos dois ou três anos, teríamos total condição de conseguir". A concorrência, incluindo a Netflix, não deveria descansar.