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Como a fabricação de carros caiu 99% na Venezuela

Componentes para montagem dos veículos precisam ser importados mas subsidiárias não conseguem dólares, que são controlados pelo Estado

Fábrica da GM na Venezuela: em dez anos a produção de carros no país passou de 318.000 para 2.850 (Marco Bello/Reuters)
RK

Rafael Kato

Publicado em 3 de maio de 2017 às 17h12.

Última atualização em 4 de maio de 2017 às 09h44.

Reportagem publicada originalmente em EXAME Hoje, app disponível naApp Storee noGoogle Play. Para ler reportagens antecipadamente,assine EXAME Hoje.

Os venezuelanos sofrem com a falta arroz, feijão, aspirina e sabonete há anos. Mas um dos exemplos mais emblemáticos de que a crise do país vizinho está insustentável se vê desde o fim de março nos postos de combustível do país. Agora também falta gasolina na Venezuela . O problema não é a falta de dinheiro, já que isso, pelo menos, os venezuelanos podem pagar.

A gasolina no país é a mais barata do mundo – o litro de combustível custa menos quatro centavos de Real no país vizinho, segundo a consultoria Global Petro Prices. O que fez as bombas secarem no país é a tóxica mistura de intervencionismo e incompetência que levou os cidadãos às ruas nas últimas semanas. E que tem na indústria automotiva uma de suas maiores vítimas.

Há dez anos o país tinha uma produção anual de 318.000 unidades, segundo dados da Câmara de Empresários do Estado de Carabobo (Cavenez), associação que representa os fabricantes no país. Porém, nos últimos anos, o cenário degringolou: em 2015 foram fabricadas 18.300 unidades, número que caiu para apenas 2.850 veículos no ano passado e soma míseros 551 carros no primeiro trimestre deste ano.

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Segundo a Cavanez, que representa as montadoras Chrysler, Ford, General Motors, Toyota, Iveco, Mac e MMC Automotriz, a maioria com fábricas instaladas na região de Valencia, as unidades locais operam com menos de 10% da capacidade. O problema, segundo a associação, é que as autopeças e componentes para a montagem dos veículos precisam ser importadas e as filiais venezuelanas estão com problemas para ter acesso aos dólares, que na Venezuela são distribuídos pelo Estado. Junta-se a isso, o fim dos tempos em que o Estado subvencionava os veículos e os isentava de impostos.

O episódio mais recente que ressalta a situação caótica foi o encerramento da operação da General Motors, a montadora mais antiga instalada no país – há 69 anos. A questão política pesou na decisão quando a montadora teve uma apreensão judicial de seus ativos por conta de uma decisão a favor de dois concessionários que tinham aberto um processo em 2000 contra a montadora, alegando o não cumprimento de uma venda de 10.000 veículos na época.

Em nota, a GM diz que “a fábrica foi inesperadamente tomada pelas autoridades públicas, impedindo as operações normais. Além disso, outros ativos da empresa, como veículos, foram ilegalmente retirados de suas instalações”.

Embora o governo negue, é a boa e velha expropriação, que já acometeu fábricas de cimento, alimentos, bebidas e produtos de higiene, sempre com o argumento de que os empresários estão atuando contra os interesses do povo. Até padeiros já foram presos por usarem farinha não só para fazer o pão do dia-a-dia, mas também bolos de festa. Para a GM esse foi o estopim de uma dolorosa crise. Desde janeiro de 2016 a montadora não produziu sequer um carro em solo venezuelano, segundo a Cavanez.

A companhia comunicou o fim imediato da operação aos 2.678 trabalhadores, seus 79 concessionários – a maior rede de serviços do país, com mais de 3.900 trabalhadores – e seus fornecedores, cerca de 55% da indústria de autopeças na Venezuela. A montadora continuará prestando serviços de pós-venda, pagará as indenizações aos trabalhadores e afirmou ainda que “rejeita veementemente as medidas arbitrárias tomadas pelas autoridades e tomará todas as medidas legais, dentro e fora da Venezuela, para defender os seus direitos”.

Enquanto a GM sai em debandada, as outras montadoras afirmam que seguirão firmes no país e mantêm um discurso politicamente correto sobre o assunto. A Toyota, por exemplo, que tem unidade fabril desde 1981 no país, afirma que “as operações na Venezuela não foram afetadas até o momento” e que produz uma média de 1.000 carros por ano, empregando . 200 trabalhadores. Não é o que dizem os números oficiais da Cavanez, que dão conta de 430 veículos em 2016.

Enquanto isso, a Chrysler, que está presente há mais de 50 anos no país, reitera seu compromisso com o mercado local e com os 888 colaboradores – mas também só fabricou 27 carros em 2016 e 123 neste ano. A Iveco não se manifestou sobre sua operação no país vizinho.

A Ford afirmou que a planta venezuelana não está operando no momento, mas alegou ser uma decisão planejada que visa um equilíbrio de produção com a demanda e destacou que a área administrativa na funciona normalmente. Fato é que a maior parte das multinacionais, como a Ford, tiraram dos seus balanços consolidados as operações na Venezuela.

Na prática, a situação da indústria automotiva venezuelana só reflete internamente. Afinal, são milhares de empregos em jogo. Nas relações internacionais, o impacto é mínimo. O Brasil exportou apenas 33 unidades para a Venezuela em 2016 e míseros nove carros neste ano, segundo dados da Anfavea, associação que reúne as montadoras no Brasil.

O problema político dos nossos vizinhos atrapalha as relações com as matrizes, mas mais do que isso, reduz bruscamente o poder de compra dos venezuelanos. Afinal, quem está preocupado em comprar carros quando falta até comida? Para Milad Neto, gerente da consultoria especializada em mercado automotivo Jato Dynamics, a presença local das montadoras tende a ser esvaziada. “Mesmo com as unidades locais, as fábricas não estão produzindo. Parece que todos estão esperando um milagre por lá”, diz. Enquanto o milagre não acontece, o jeito é disfarçar os balanços e torcer pelo fim da era Maduro.

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