Com pandemia, pequeno varejo de moda passa por reinvenção — e empreendedores priorizam o online
Empreendedor que atua no setor precisa abusar das pesquisas e análise de cenários; veja dicas
Maria Clara Dias
Publicado em 27 de novembro de 2022 às 10h00.
Assim como tem acontecido com outros setores da economia, a cadeia de moda vem passando por transformações desde o início da pandemia de covid-19 e procura se adaptar para atender às novas expectativas dos clientes. Além de investir em uma atuação omnichannel (ou multicanal, estratégia de vendas que integra diferentes canais de comunicação e divulgação) e acompanhar as mudanças no comportamento de compra do consumidor, os pequenos negócios do setor estão percebendo que a prática de medidas sustentáveis está sendo cada vez mais valorizada.
De acordo com a consultora do Sebrae-SP Monica Lemes Padovani, o empreendedor que atua no setor precisa pesquisar muito e analisar diferentes cenários o tempo todo. “A atuação multicanal já é uma realidade que chegou há alguns anos. No maior evento de varejo do mundo, promovido pela NRF (National Retail Federation) nos Estados Unidos, essa fala já era recorrente desde 2018. A cadeia de moda também está gritando pela sustentabilidade, pela diversidade e inclusão”, afirma.
O levantamento “Winning Omnichannel 2022: a reformulação do varejo na América Latina”, realizado pela consultoria Kantar, revela que as compras ainda não voltaram aos níveis pré-pandemia – e ainda sofrem uma queda maior em países onde a tendência omnichannel ainda não prosperou. Além disso, pressões econômicas, como alta da inflação e queda do poder de compra, têm resultado em menos consumo e maior busca por opções de produtos com um bom custo/ benefício, sempre utilizando para isso vários canais de pesquisa e compra.
Tudo Online
Dentro de um cenário tão desafiador, proprietários de pequenos negócios vêm trabalhando para conseguir adaptar seus negócios a um cenário inédito de constante mudança e velocidade. É o caso de Ronnan Moro, dono da NewQuay, loja de vestuário que trabalha tanto com moda masculina quanto feminina desde 2011 na cidade de Mogi das Cruzes.
Para o empresário, tudo aquilo que se falava sobre o novo mundo do varejo pós-pandemia está realmente acontecendo. “Antes, as pessoas vinham até a loja, queriam experimentar as roupas, mas hoje é tudo online. Eles primeiro perguntam por mensagens sobre o que querem e depois decidem se vêm ou não até aqui. Nós continuamos com o delivery tanto para quem já é cliente como para os clientes novos. Tenho clientes antigos que já não vêm mais na loja”, conta.
Atualmente, o empreendedor não tem um e-commerce e mantém suas vendas pelo WhatsApp e redes sociais. Por esses canais, seus clientes ficam sabendo sobre as novidades no estoque e pedem para ver mais opções. “Tivemos um crescimento muito grande na captação de clientes. E sempre estamos em contato para as pessoas lembrarem da gente e virem até aqui. Crescemos do ano passado para cá uma média de 10%. Comparando com antes da pandemia, tivemos um aumento de 30% a 40% no faturamento”, comemora.
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O crescimento pode ser explicado pelo investimento que tem feito na divulgação online, que o ajuda a captar clientes que não conheceriam a sua loja se ele estivesse apenas atuando no modelo presencial. “Hoje, 15% das vendas são pessoas que compram e não vêm na loja. E esse percentual está crescendo, estou investindo. Sou uma loja de bairro, mas atendo clientes que moram a 20 quilômetros daqui”, diz.
Ter seu próprio e-commerce está nos planos para o futuro, mas Ronnan reconhece que ainda não se sente pronto para dar esse passo. O empreendedor explica que tem receio de que as vendas em uma plataforma online possam interferir no seu relacionamento com o cliente. “Tenho medo de não ter diálogo. Você vende uma coisa e a pessoa não gosta, eles não vêm conversar. Às vezes é um contratempo isolado, mas você não tem chance de explicar, conversar. Então eu só quero entrar no online quando eu tiver construído uma experiência de compra diferenciada”, afirma.
O empreendedor também reconhece a importância da sustentabilidade para o seu negócio. Além de adotar medidas em seu estabelecimento para evitar o desperdício de recursos naturais, ele também trabalha com fornecedores que valorizam o uso de peças sustentáveis. “Aqui recebo mercadorias produzidas com materiais recicláveis. Tenho peças feitas por meio de reciclagem com garrafas pet, por exemplo”, diz.
Para aproveitar as oportunidades e estar cada vez mais atento às tendências do setor, Ronnan observa o comportamento da concorrência e investe seu tempo em capacitações. “Participei do programa específico para a cadeia da moda que aconteceu no Sebrae em Mogi das Cruzes. Percebi que muitos controles e muita parte da gestão que eu achei que fazia certo na verdade não estavam 100%. Agora conseguimos também aproveitar melhor as datas comemorativas e já estamos com o estoque preparado para a Copa do Mundo há algum tempo”, afirma.
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Mais exigentes
A empreendedora Debora Braito é dona da marca de roupas Senhorita Plus Size, voltada para moda feminina de tamanhos grandes. A empreendedora também participou do programa voltado para empreendedores da cadeia da moda em Mogi e tem como público mulheres principalmente na faixa de 25 a 45 anos. Debora também passou a perceber um comportamento de compra diferente entre suas clientes. “Antes de todas essas mudanças de cenário, as minhas clientes compravam mais. Hoje as clientes estão mais retraídas. Muita gente perdeu o emprego. As vendas estão mais controladas. A inflação também está alta e até a comida está muito cara”, avalia.
Embora realize menos vendas, Debora não vê impacto negativo em seu faturamento, apesar de observar que nesta época de fim de ano o mercado já deveria estar mais aquecido. “As vendas estão menores. Acho que a situação financeira no geral está impactando. Os clientes estão comprando menos e estão mais criteriosos. Então, em vez de comprar cinco blusinhas, por exemplo, elas compram três”, diz.
Para compensar esse cenário, a empreendedora investe na qualidade do atendimento e garante que suas clientes são fiéis. Tanto que ela deseja montar um e-commerce para ajudá-la a dar conta da quantidade de pedidos. “Quero atender às clientes que me chamam no WhatsApp de madrugada e não consigo falar. Mas a minha maior venda é no presencial ainda. Todos os grupos de WhatsApp que montei na pandemia continuam funcionando e são muito importantes”, conta.
Com a capacitação que realizou no Sebrae-SP, Debora revela que aprendeu a usar o recurso de “live shopping” (vendas realizadas durante uma apresentação de produtos ao vivo) para não ficar com estoque parado. “Eu compro menos peças para deixar em estoque e tenho sempre novidades. Apesar da maior parte das vendas acontecerem de forma presencial, no online é onde eu mostro as novidades e chamo as minhas clientes”, afirma.
Para ficar atento
Para a consultora do Sebrae-SP Monica Lemes Padovani, responsável pelo programa Cadeia da Moda na região do Alto Tietê, são essas as principais questões a que os empreendedores do segmento devem estar atentos:
- Conheça e implemente ações e ferramentas de transformação digital no seu negócio, investindo em vendas online e ações como “live shopping”. Estar de olho nas tendências e se capacitar para isso é fundamental para ter sucesso;
- Conecte seus negócios aos compromissos da ESG – conjunto de padrões e boas práticas que visa definir se uma empresa é socialmente consciente, sustentável e corretamente gerenciada. Sustentabilidade não é tendência, já é uma realidade;
- Consumidores tendem a preferir marcas sustentáveis e serem leais a quem está atento a práticas de reciclagem, por exemplo. Para os pequenos negócios, é possível acompanhar essas tendências e divulgá-las para seus clientes.