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Amazon: um Trump no caminho

David Cohen Para os investidores que nos últimos seis trimestres se acostumaram a ouvir apenas notícias animadoras da Amazon, a divulgação dos resultados da empresa feita no final de outubro foi uma decepção. Houve lucro, de 252 milhões de dólares, o que não é pouco, mas ficou quase 40% abaixo da previsão dos analistas. E […]

JEFF BEZOS, DA AMAZON: a Amazon floresce no livre comércio, na globalização, nas fronteiras abertas. Para Trump, boa parte desse sistema todo “roubou empregos americanos” / Brendan McDermid/ Reuters (rendan McDermid/ Reuters/Reuters)

JEFF BEZOS, DA AMAZON: a Amazon floresce no livre comércio, na globalização, nas fronteiras abertas. Para Trump, boa parte desse sistema todo “roubou empregos americanos” / Brendan McDermid/ Reuters (rendan McDermid/ Reuters/Reuters)

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Da Redação

Publicado em 14 de novembro de 2016 às 06h59.

Última atualização em 22 de junho de 2017 às 18h32.

David Cohen

Para os investidores que nos últimos seis trimestres se acostumaram a ouvir apenas notícias animadoras da Amazon, a divulgação dos resultados da empresa feita no final de outubro foi uma decepção. Houve lucro, de 252 milhões de dólares, o que não é pouco, mas ficou quase 40% abaixo da previsão dos analistas. E muito, muito aquém dos 857 milhões do trimestre anterior, um recorde para a companhia.

A reação foi uma queda de 4% no valor das ações, seguida por outra de cerca de 3% nas duas semanas seguintes – e mais 5% depois da eleição de Donald Trump, um crítico feroz das regras que permitem que a empresa pague impostos baixíssimos e do que considera monopólio em algumas de suas áreas de atuação (mais sobre isso daqui a pouco). Deu-se, portanto, o usual ajuste de expectativas do mercado financeiro para uma empresa que não está apresentando o desempenho esperado.

No caso da Amazon, porém, esse ajuste pode significar outra coisa – a reafirmação do credo básico da empresa, sua opção pelo pensamento de longo prazo.

Essa tese fica mais clara quando se esquadrinham os resultados. A Amazon apresentou receita de 32,7 bilhões de dólares no trimestre, quase na mosca da média de previsões dos analistas (de 32,69 bilhões). É um crescimento de 29% em relação ao mesmo trimestre do ano passado. A margem de lucro bruta também cresceu, de 33,93% no segundo trimestre para 35,01% no terceiro.

O problema é que as despesas cresceram mais. Chegaram a 32,14 bilhões de dólares, um incremento de 28% em apenas um trimestre. “Os custos operacionais da companhia subiram a uma taxa tremenda”, disse o analista Bill Maurer, na plataforma de conteúdos financeiros Seeking Alpha. “Na primeira metade do ano, os gastos da Amazon foram muito mais eficientes.”

O aumento dos gastos pode ter surpreendido os investidores, mas é condizente com o histórico da empresa. Os últimos trimestres é que tinham sido uma exceção.

É adulta ou criança?

Para quem gosta de investir no curto prazo, a Amazon carrega um incômodo. É a quarta maior empresa aberta do mundo, com valor de mercado de 366 bilhões de dólares, mas insiste em se comportar como uma startup: está muito mais preocupada com o crescimento do que em pagar dividendos a seus acionistas.

Não à toa, os dois prédios centrais da empresa, em Seattle, se chamam Day One North e Day One South, referências à crença de que a revolução propiciada pela internet ainda está em suas primeiras horas – uma opinião emitida por Jeff Bezos em 1997, quando abriu o capital de sua empresa, e repetida todos os anos, em sua carta aos acionistas.

Para quem acredita que as oportunidades mal começaram a surgir, não faz sentido parar de crescer. Por isso a Amazon busca entrar em cada vez mais mercados e ganhar cada vez mais escala. Quer se tornar, como diz o título do livro do jornalista Brad Stone sobre a empresa, a loja de tudo.

Seu modelo de negócios é inspirado no do Walmart, com margem de lucro pequena, compensada por uma disciplina férrea na gestão. Foi assim que a mítica empresa de Sam Walton conseguiu durante décadas oferecer preços mais baixos que os concorrentes – e, ao ganhar escala, dar resultados mais robustos. A Amazon se revelou uma aluna tão aplicada que no ano passado ultrapassou o Walmart em valor de mercado.

Nos últimos tempos, ela parecia ter sossegado um pouco. Desde 2015, colhia mais frutos de seus investimentos anteriores do que plantava sementes para o futuro. Seu retorno sobre os ativos subiu de 8% para 12%. Isso ajuda a entender por que suas ações se valorizaram 30% no último ano.

Agora, porém, a companhia voltou ao seu normal. Esta é a raiz do descontentamento dos investidores. Apenas três meses atrás, com o lucro recorde do segundo trimestre, eles se convenceram de que a companhia notória por reinvestir praticamente tudo o que ganha tinha se tornado uma máquina de produzir lucros.

“Alguns investidores acharam que a nova era de margens de lucro mais altas tinha vindo para ficar”, disse Jan Dawson, analista da consultoria Jackdaw Research, “e esse trimestre lhes deu uma lição”. Pior: as previsões da própria empresa indicam que o quarto trimestre, normalmente o mais forte em vendas, será o pior do ano em lucros.

O jogo de longo prazo

Para quem aposta no médio ou longo prazo, porém, a Amazon continua a ser uma recomendação dos analistas. Em média, eles esperam que o retorno sobre os ativos cresça dos 12% atingidos em 2015 para 22% em 2020, mesmo com um crescimento de ativos de 43%. Para os próximos 12 meses, o alvo de preço das ações, segundo a média das previsões, é cerca de 20% acima do atual.

“A Amazon está jogando o jogo de longo prazo”, escreveu Neil Saunders, chefe de pesquisas de varejo na consultoria Conlumino. O próprio relatório trimestral que jogou a ducha de água fria nas expectativas de curto prazo corrobora as de longo prazo, ao especificar o tipo de custos em que a empresa incorreu.

A Amazon construiu 18 centros de distribuição no terceiro trimestre e vai construir mais cinco no quarto, chegando a um total de 26 centros a mais no ano – quase o dobro dos 14 construídos em 2015. Os 30% extras de área de armazenamento de produtos deverão implicar mais vendas, com entrega mais rápida (o que lhe corta os custos e ainda atrai mais consumidores).

Além disso, a Amazon dobrou seus investimentos em conteúdo próprio para seu serviço de streaming (no qual compete com a Netflix e a HBO). Esse serviço não rende praticamente nada à Amazon, mas ajuda a convencer os consumidores a se tornarem associados Prime – por 99 dólares, eles têm direito ao serviço e à isenção do frete em compras online, com garantia de entrega de um grande número de artigos em apenas dois dias.

Estima-se que cerca de 65 milhões de americanos sejam clientes Prime. Mais uma vez, a lógica não é lucrar com a mensalidade, e sim com a escala: como o frete já está incluído em seu pacote, esses consumidores premium gastam em média o dobro do tíquete dos consumidores normais, segundo analistas de mercado. Este ano, a conta deve bater nos 78 bilhões de dólares.

Fora esses dois investimentos principais, a Amazon ainda gastou com a compra de Boeings 767, para agilizar suas entregas, está investindo em drones (a previsão de funcionamento era para este ano, foi postergada para o segundo semestre de 2017), expandiu seu serviço de quitanda com produtos frescos para mais três cidades (Chicago, Dallas e Londres), lançou o Amazon Prime na China e avançou com seu serviço de inteligência artificial, a Alexa.

O número de empregados também cresceu. Está em 306.000, 38% acima do que era no ano passado. Boa parte da nova turma de empregados vai para os centros de distribuição, mas a Amazon não tem planos de parar de crescer – e contratar. Nos últimos anos, o centro de Seattle foi tomado por prédios da empresa. Até 2018, a Amazon deverá ter perto de 1 milhão de metros quadrados de escritórios, mais de 15% do total da cidade.

A Amazon não constrói plantas cheias de instalações de lazer, como o Google, mas quer que sua sede tenha o ambiente de um campus universitário – no caso, um campus de 10 quadras de largura por 10 quadras de comprimento, onde deverão caber mais de 50.000 funcionários.

No meio dessa área, a companhia está instalando três esferas gigantescas, de 30 metros de altura, que abrigarão uma espécie de bosque com espaços para relaxar e fazer reuniões. Daqui a dois anos, os empregados da Amazon poderão passear por pontes suspensas e ter a sensação de caminhar na natureza no centro de Seattle. Não chegará a ser uma Amazônia, mas a estrutura, já em fase de montagem, promete impressionar.

A pilha de dados

Todos esses investimentos estão de acordo com um dos principais mantras de Bezos: a conquista de mercado no longo prazo é mais importante que os lucros de curto prazo, porque sem ela não haverá lucros de longo prazo.

Como ele escreveu em sua carta aos acionistas em abril, a Amazon “vai continuar a tomar decisões de investimentos com base em considerações sobre a liderança de mercado no longo prazo, em vez dos lucros de curto prazo ou das reações de curto prazo de Wall Street”.

Privilegiar o longo prazo é um discurso comum, mas raros empresários são tão consistentes quanto Bezos nesse quesito. Essa consistência está ligada a outro de seus mantras, privilegiar o consumidor. Sua visão é que a Amazon deve se esforçar para baixar preços o tempo todo. Parece uma tática suicida. Para Bezos, é uma forma de antecipar-se aos concorrentes.

“Na AWS (o serviço de armazenamento de dados na nuvem da Amazon), nosso modelo de preços também é guiado por nossa cultura de foco no consumidor”, escreveu em sua carta. “Nós baixamos os preços 51 vezes, em muitos casos antes que houvesse qualquer pressão competitiva para fazê-lo.”

A ênfase no crescimento também transparece nas decisões sobre pessoal. Bezos costuma transferir seus melhores executivos para novos desafios. Em 2004, deu a Steve Kessel, então chefe da divisão de livros físicos, a incumbência de criar o negócio de conteúdos digitais. “Sua missão é matar seu próprio negócio”, disse-lhe, de acordo com o livro de Brad Stone.

“Jeff costuma pegar alguns de seus melhores talentos para fazer algo totalmente novo”, disse-me há dois anos Bill Carr, então vice-presidente de música e vídeo digital. “A maioria das empresas foca no que já é grande.”

Às vezes dá certo, às vezes não. O celular Fire, lançado em 2014, não pegou. A AWS, sim. Este ano, a divisão passou dos 10 bilhões de dólares de receita – e no terceiro trimestre as vendas cresceram 55% em relação ao mesmo período do ano passado, para 3,23 bilhões de dólares.

É pouco provável que haja algum investimento tão fantástico quanto o mercado das nuvens, mas a Amazon tem avançado em vários setores simultaneamente.

Ela já conquistou 6,6% do mercado de roupas, com marcas próprias. Tornou-se líder de vendas de pilhas, com 31% de participação em um mercado de mais de 100 milhões de dólares, ultrapassando marcas como Duracell e Panasonic nos Estados Unidos. Lançou uma caixa de som, Echo, que no mundo online está vendendo mais do que marcas tradicionais como JBL e Bose, num mercado estimado em 1 bilhão de dólares. Conquistou 16% do mercado de lenços umedecidos. Entrou no mercado de alimentos perecíveis.

A lógica dessas ações parece ser o que Bezos define como a vocação da Amazon para descobrir e atacar os intermediários, em qualquer setor. Ao apostar em marcas próprias, ela permite que o produtor economize em marketing, enquanto a Amazon consegue margens melhores (além de facilitar sua entrega, pela logística interna).

Não chega a ser uma ação inovadora: redes de varejo há muito tempo tratam de criar marcas que competem com a indústria. O que a Amazon tem de diferente é uma colossal coleção de dados sobre seus consumidores. Em dados comerciais, é maior do que Google e Facebook jamais conseguiram enxergar.

A Amazon sabe quem vê quais produtos, qual a taxa de conversão para compra de cada um deles, os hábitos dos consumidores. Isso lhe dá uma vantagem enorme na detecção de tendências e no monitoramento da concorrência.

Uma passagem só de ida para a Lua

Bezos gosta de dizer que longo prazo significa de cinco a sete anos, não de cinco a sete meses. É bom ele pensar assim, porque é possível que os próximos quatro anos, com Donald Trump na presidência do país, não sejam lá muito tranquilos para a Amazon.

Trump e Bezos trocaram algumas farpas nos últimos meses. Em maio, o então candidato republicano disse em entrevista que, em relação ao pagamento de impostos, a Amazon “sai impune apesar de cometer assassinato”. Referia-se às manobras que a empresa faz para evitar o pagamento de taxas estaduais, além de estratégias como movimentar suas receitas por Luxemburgo, um paraíso fiscal.

Trump também considerou que a Amazon tem um “sério problema com as leis antitruste”, por concentrar poder demais em alguns mercados.

Durante a campanha, a relação se tornou ainda pior, porque Bezos é dono do Washington Post, que Trump acusou de fazer uma cobertura desleal em relação a ele – a tal ponto que revogou as credenciais do jornal para seus comícios.

Bezos, que tem também uma empresa aeroespacial, brincou que ofereceria uma passagem só de ida para Trump ir à Lua. Mas isso foi quando ele ainda era candidato. Na quinta-feira, dia 10, Bezos escreveu em seu Twitter que estava de mente aberta para a presidência de Trump e lhe desejava “muito sucesso em seu serviço à nação”.

A definição de sucesso é que pode ser muito diferente para os dois. A Amazon floresce no livre comércio, na globalização, nas fronteiras abertas. Para Trump, boa parte desse sistema todo “roubou empregos americanos”. Uma empresa globalizada e um presidente com tendências xenófobas têm naturalmente muitas arestas.

Esse risco pode se revelar, para a Amazon, bem maior do que uma mera decepção nos números do trimestre.

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