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Acordo entre ALL e Cosan enfrenta escrutínio antitruste

Aquisição da maior empresa ferroviária pelo maior produtor de açúcar levanta dúvidas sobre se haverá prioridade ao açúcar em detrimento de outros carregamentos

Trem da ALL: Cosan obteve apoio dos acionistas controladores da ALL para adquirir a operadora por aproximadamente US$ 3 bilhões (Germano Lüders)
DR

Da Redação

Publicado em 22 de abril de 2014 às 17h49.

São Paulo/Brasília - A Cosan tem pela frente um caminho tortuoso para conquistar a aprovação regulatória para a aquisição de US$ 3 bilhões da empresa de operações ferroviárias ALL América Latina Logística .

A aquisição da maior empresa ferroviária do Brasil pelo maior produtor de açúcar do País levanta dúvidas sobre se a Cosan dará prioridade ao açúcar em detrimento de outros carregamentos, como a soja, ou se cobrará taxas mais altas aos produtores rivais, disse Fernando Furlan, ex-presidente da agência brasileira de regulação da concorrência, o Cade. O órgão regulador pode bloquear o acordo ou exigir que as empresas vendam ativos ou que garantam um preço equitativo, disseram Furlan e outros três ex-conselheiros.

“Só tem uma ferrovia – uma empresa não pode ter prioridade e excluir as outras”, disse Cleveland Prates, ex-conselheiro do Cade e ex-secretário adjunto de acompanhamento econômico do Ministério da Fazenda, em entrevista telefônica de São Paulo. Atualmente, ele é sócio da empresa de consultoria econômica Pezco Microanalysis. “Os custos do frete para outros clientes da ALL podem subir excessivamente, levando a um aumento de preços para os consumidores em última instância”, disse.

A Cosan, empresa brasileira com sede em São Paulo, que é controlada pelo bilionário Rubens Ometto, obteve na semana passada o apoio dos acionistas controladores da ALL, incluindo o fundo de pensão Previ, para adquirir a operadora ferroviária por aproximadamente US$ 3 bilhões, em uma transação só de ações. A proposta será apresentada aos acionistas minoritários da ALL nos próximos 30 dias. O acordo está sujeito à aprovação do Cade e da Agência Nacional de Transportes Terrestres (ANTT).

Maior prêmio

A proposta de aquisição realizada pela Rumo, uma unidade da Cosan, cotiza as ações da ALL em R$ 10,184, 22 por cento acima do valor no fechamento do dia 17 de abril. Este é o maior prêmio entre os acordos que valem pelo menos US$ 1 bilhão por empresas do mercado emergente anunciados nos últimos 12 meses, de acordo com dados compilados pela Bloomberg.

Essa brecha provavelmente não será reduzida a menos que a ALL e a Cosan consigam convencer os investidores de que as empresas combinadas materializarão as reduções de custos prometidas e outras sinergias, disse Renato Hallgren, analista do Banco do Brasil.


“Tudo vai depender de como a empresa vai ser administrada depois que a operação for finalizada”, disse Hallgren, que classifica as ações da ALL com o equivalente a manutenção, em entrevista telefônica de São Paulo. “Como a empresa vai ser controlada por um de seus clientes, nós vamos ter que ver se ela vai operar como uma empresa de transportes comum ou se vai ser só um centro de custos da Cosan”.

Batalha de carga

O acordo concluirá a batalha travada por Ometto durante dois anos para conquistar o controle das rotas de carga que vêm enfrentando gargalos regularmente, pois a produção de grãos e de outras safras tem sido recorde. Em 2012, a Cosan ofereceu aproximadamente US$ 385 milhões por 5,67 por cento da ALL para participar do seu grupo controlador. O acordo foi recusado pelos acionistas controladores da ALL em agosto, o que levou a Cosan a demandar, através de arbitragem, um serviço melhor da ALL, que tem sede em Curitiba, Paraná.

“A Cosan é grande usuária de ferrovias, então é claro que pode haver um abuso de poder nessa situação”, disse Arthur Barrionuevo, ex-conselheiro do Cade e professor da Fundação Getúlio Vargas, em entrevista telefônica de São Paulo. “Além da atuação do Cade, a ANTT também deve ter mais eficiência na regulação do dia a dia do setor para ter certeza de que os preços garantem a competição”.

Prioridade da ALL-Cosan

“A prioridade da nova empresa serão as cargas de grãos por estarem mais distantes dos portos de destino”, disse a assessoria de imprensa da Cosan em um comunicado por e-mail. “Com os investimentos que pretendemos fazer, os demais setores que demandam a ferrovia também terão suas demandas atendidas”.


A Cosan destaca que o açúcar produzido pela Raizen, sua joint venture em parceria com a Royal Dutch Shell Plc, foi responsável por apenas 0,5 por cento das 34,4 milhões de toneladas de commodities agrícolas transportadas pela ALL em 2013.

O produtor de açúcar com sede em São Paulo, também planeja estabelecer um comitê para analisar os contratos entre a ALL e a Cosan em busca de irregularidades e conflitos de interesse, disse o CEO da Cosan, Marcos Lutz, em uma teleconferência em fevereiro. A Cosan nomeará um dos cinco membros do comitê.

Alguns processadores de soja já reclamaram por um contrato de 2009 entre a ALL e a Cosan que, segundo eles, impossibilitou o transporte de seus produtos, de acordo com a Associação Brasileira das Indústrias de Óleos Vegetais (Abiove). O grupo disse em um comunicado de fevereiro que encaminhou seus argumentos ao Cade como parte interessada.

‘Profundamente preocupado’

O setor de soja está "profundamente preocupado com a proposta recém-divulgada de combinar as atividades da ALL com a Rumo", disse a Abiove em um comunicado. "Essa concentração de poder em um importante usuário do sistema de transporte da ALL poderá resultar em estratégias empresariais que causem forte impacto negativo na competitividade do complexo soja, no nível de emprego setorial e na balança comercial brasileira”.

Todos os clientes da ALL que compartilham dessa preocupação podem enviar seus argumentos ao Cade, disse José Matias-Pereira, ex-conselheiro do Cade e professor da UnB.

“Há muitos interesses e interpretações envolvidos”, disse ele. “O Cade vai ter que analisar todos os aspectos com muito cuidado”.

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São Paulo/Brasília - A Cosan tem pela frente um caminho tortuoso para conquistar a aprovação regulatória para a aquisição de US$ 3 bilhões da empresa de operações ferroviárias ALL América Latina Logística .

A aquisição da maior empresa ferroviária do Brasil pelo maior produtor de açúcar do País levanta dúvidas sobre se a Cosan dará prioridade ao açúcar em detrimento de outros carregamentos, como a soja, ou se cobrará taxas mais altas aos produtores rivais, disse Fernando Furlan, ex-presidente da agência brasileira de regulação da concorrência, o Cade. O órgão regulador pode bloquear o acordo ou exigir que as empresas vendam ativos ou que garantam um preço equitativo, disseram Furlan e outros três ex-conselheiros.

“Só tem uma ferrovia – uma empresa não pode ter prioridade e excluir as outras”, disse Cleveland Prates, ex-conselheiro do Cade e ex-secretário adjunto de acompanhamento econômico do Ministério da Fazenda, em entrevista telefônica de São Paulo. Atualmente, ele é sócio da empresa de consultoria econômica Pezco Microanalysis. “Os custos do frete para outros clientes da ALL podem subir excessivamente, levando a um aumento de preços para os consumidores em última instância”, disse.

A Cosan, empresa brasileira com sede em São Paulo, que é controlada pelo bilionário Rubens Ometto, obteve na semana passada o apoio dos acionistas controladores da ALL, incluindo o fundo de pensão Previ, para adquirir a operadora ferroviária por aproximadamente US$ 3 bilhões, em uma transação só de ações. A proposta será apresentada aos acionistas minoritários da ALL nos próximos 30 dias. O acordo está sujeito à aprovação do Cade e da Agência Nacional de Transportes Terrestres (ANTT).

Maior prêmio

A proposta de aquisição realizada pela Rumo, uma unidade da Cosan, cotiza as ações da ALL em R$ 10,184, 22 por cento acima do valor no fechamento do dia 17 de abril. Este é o maior prêmio entre os acordos que valem pelo menos US$ 1 bilhão por empresas do mercado emergente anunciados nos últimos 12 meses, de acordo com dados compilados pela Bloomberg.

Essa brecha provavelmente não será reduzida a menos que a ALL e a Cosan consigam convencer os investidores de que as empresas combinadas materializarão as reduções de custos prometidas e outras sinergias, disse Renato Hallgren, analista do Banco do Brasil.


“Tudo vai depender de como a empresa vai ser administrada depois que a operação for finalizada”, disse Hallgren, que classifica as ações da ALL com o equivalente a manutenção, em entrevista telefônica de São Paulo. “Como a empresa vai ser controlada por um de seus clientes, nós vamos ter que ver se ela vai operar como uma empresa de transportes comum ou se vai ser só um centro de custos da Cosan”.

Batalha de carga

O acordo concluirá a batalha travada por Ometto durante dois anos para conquistar o controle das rotas de carga que vêm enfrentando gargalos regularmente, pois a produção de grãos e de outras safras tem sido recorde. Em 2012, a Cosan ofereceu aproximadamente US$ 385 milhões por 5,67 por cento da ALL para participar do seu grupo controlador. O acordo foi recusado pelos acionistas controladores da ALL em agosto, o que levou a Cosan a demandar, através de arbitragem, um serviço melhor da ALL, que tem sede em Curitiba, Paraná.

“A Cosan é grande usuária de ferrovias, então é claro que pode haver um abuso de poder nessa situação”, disse Arthur Barrionuevo, ex-conselheiro do Cade e professor da Fundação Getúlio Vargas, em entrevista telefônica de São Paulo. “Além da atuação do Cade, a ANTT também deve ter mais eficiência na regulação do dia a dia do setor para ter certeza de que os preços garantem a competição”.

Prioridade da ALL-Cosan

“A prioridade da nova empresa serão as cargas de grãos por estarem mais distantes dos portos de destino”, disse a assessoria de imprensa da Cosan em um comunicado por e-mail. “Com os investimentos que pretendemos fazer, os demais setores que demandam a ferrovia também terão suas demandas atendidas”.


A Cosan destaca que o açúcar produzido pela Raizen, sua joint venture em parceria com a Royal Dutch Shell Plc, foi responsável por apenas 0,5 por cento das 34,4 milhões de toneladas de commodities agrícolas transportadas pela ALL em 2013.

O produtor de açúcar com sede em São Paulo, também planeja estabelecer um comitê para analisar os contratos entre a ALL e a Cosan em busca de irregularidades e conflitos de interesse, disse o CEO da Cosan, Marcos Lutz, em uma teleconferência em fevereiro. A Cosan nomeará um dos cinco membros do comitê.

Alguns processadores de soja já reclamaram por um contrato de 2009 entre a ALL e a Cosan que, segundo eles, impossibilitou o transporte de seus produtos, de acordo com a Associação Brasileira das Indústrias de Óleos Vegetais (Abiove). O grupo disse em um comunicado de fevereiro que encaminhou seus argumentos ao Cade como parte interessada.

‘Profundamente preocupado’

O setor de soja está "profundamente preocupado com a proposta recém-divulgada de combinar as atividades da ALL com a Rumo", disse a Abiove em um comunicado. "Essa concentração de poder em um importante usuário do sistema de transporte da ALL poderá resultar em estratégias empresariais que causem forte impacto negativo na competitividade do complexo soja, no nível de emprego setorial e na balança comercial brasileira”.

Todos os clientes da ALL que compartilham dessa preocupação podem enviar seus argumentos ao Cade, disse José Matias-Pereira, ex-conselheiro do Cade e professor da UnB.

“Há muitos interesses e interpretações envolvidos”, disse ele. “O Cade vai ter que analisar todos os aspectos com muito cuidado”.

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