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O IRLANDÊS: a Netflix investiu US$ 159 milhões para produzir o filme estrelado por Robert De Niro e Al Pacino. / (An Rong Xu/The New York Times)
Da Redação
Publicado em 12 de novembro de 2019 às 08h00.
Última atualização em 19 de dezembro de 2019 às 15h26.
Los Angeles – A Netflix e os proprietários das grandes cadeias de cinema poderiam ter ganhado muito dinheiro juntos, se ao menos tivessem concordado com o lançamento de “O Irlandês”. E as pessoas em todo o país poderiam ter assistido ao filme, o épico de gângsteres de Martin Scorsese, da maneira como deveria ser visto, na tela grande, no escuro, com baldes de pipoca no colo.
Essa é, essencialmente, a mensagem dos grandes proprietários de cadeias de cinema para a Netflix, a empresa que financiou e produziu o filme de US$ 159 milhões, estrelado por Robert De Niro e Al Pacino.
Depois que as negociações entre as grandes cadeias e a Netflix terminaram em um impasse, “O Irlandês”, que estreou no dia primeiro de novembro, vai permanecer 26 dias em um número limitado de cinemas antes de ir para o streaming em 27 de novembro. Um ponto de atrito nas negociações foi o tempo que o filme permaneceria nos cinemas antes de ser disponibilizado para os 158 milhões de assinantes da Netflix.
As principais exibidoras normalmente insistem em um período de 72 dias de exclusividade para os filmes que passam em suas telas. Durante os meses de negociação de “O Irlandês”, representantes de duas grandes cadeias concordaram de forma independente em reduzir esse número para cerca de 60 dias, de acordo com duas pessoas familiarizadas com as conversas, mas que não estavam autorizadas a discuti-las publicamente; a Netflix garantiu que não aceitaria nada além de 45. E foi então que as negociações acabaram.
“É uma vergonha”, disse John Fithian, presidente da Associação Nacional de Proprietários de Cinemas, grupo que colabora e representa os interesses de cadeias como a AMC Theaters, a maior dos Estados Unidos, e a Cineplex, que tem 1.600 salas no Canadá.
“O Irlandês”, que recebeu ótimas críticas, estreou em oito salas em Nova York e Los Angeles. A Netflix enviou buquês para os amantes do cinema das duas cidades, colocando-os em dois grandes locais, o Belasco Theater, com 1.015 lugares, sala da Broadway em Manhattan, e o histórico Grauman’s Egyptian Theater, em Hollywood. Também na programação: exibições em um punhado de salas independentes e de pequenas cadeias nos 10 principais mercados do país.
Isso é algo bem diferente do que os proprietários de cinemas tinham imaginado quando souberam que o diretor de “Os Bons Companheiros”, “Cassino” e “Os Infiltrados” retornaria a seus matadores de aluguel e chefes mafiosos.
“É uma grande decepção que a Netflix e os principais proprietários de salas de cinema não tenham conseguido descobrir uma maneira de colocar um filme significativo de Martin Scorsese em um monte de salas”, disse Fithian, falando publicamente pela primeira vez sobre as negociações.
“Trata-se de um grande diretor, um cinéfilo, que fez todo tipo de filme importante para nossa indústria. E ‘O Irlandês’ vai passar em um décimo das salas em que deveria ser exibido, porque a Netflix não estava disposta a chegar a um entendimento com nossos membros.”
Scorsese fez seus filmes recentes, incluindo “O Lobo de Wall Street” e “Silêncio”, na Paramount. Se tivesse feito “O Irlandês” em um estúdio tradicional de Hollywood, tudo teria transcorrido normalmente, e seria mais provável que o filme aparecesse em um cinema perto de você. Mas a Paramount não se interessou, por causa do orçamento robusto de um filme que abrange décadas.
A Netflix foi a única empresa disposta a assumir o risco do projeto – um filme com ritmo lento de três horas e meia de duração, que conta a história de como o crime organizado se interligou ao movimento trabalhista e ao governo nos Estados Unidos ao longo do século passado.
A Netflix não se importa muito com o antigo modelo de negócios cinematográfico. Ela se dedica a manter seus assinantes felizes, o que significa que a maioria de seus filmes estreia no próprio serviço de streaming. Em 2018, ela passou por cima dos cinemas, liberando “Roma”, de Alfonso Cuarón, que ganhou três Oscars, por apenas 21 dias em cinemas independentes e de pequenas cadeias antes de começar a transmiti-lo. O filme acabou sendo exibido em cerca de 1.100 salas ao redor do mundo, aproximadamente 250 delas nos Estados Unidos.
“O Irlandês” vai passar em mais cinemas no mercado interno e internacional, mas por um período de tempo muito aquém de um grande lançamento. Dois filmes lançados recentemente, “Coringa” e “A Família Addams”, passaram em mais de quatro mil salas cada um nos Estados Unidos.
Para a obra de Scorsese, a Netflix tentou algo mais robusto do que os 21 dias nos cinemas que havia proposto para “Roma”.
Do lado da Netflix, a negociação foi liderada por Scott Stuber, chefe de filmes originais da empresa, que anteriormente era vice-presidente de produção mundial da Universal. Duas grandes cadeias de exibidores, a AMC e a Cineplex, ofereceram o que acreditavam ser um compromisso razoável com o plano de 60 dias, de acordo com as duas pessoas familiarizadas com as negociações.
Ellis Jacob, o executivo-chefe da Cineplex, não quis discutir números específicos, mas disse: “Pensei que era uma oferta boa, e o mesmo aconteceu com algumas pessoas na Netflix. Tentamos de tudo para que desse certo para todos nós.”
Se a Netflix tivesse concordado com um período de 60 dias para “O Irlandês”, outros estúdios provavelmente teriam exigido o mesmo para seus filmes. Um novo padrão seria estabelecido em um setor que se agarrou à crença de que menos tempo nas salas de cinema seria um perigo.
Stuber, que se juntou à Netflix em 2017, tentou contemporizar. “Acreditamos em bilheteria”, disse ele em uma entrevista. “Acreditamos que o consumidor possa ver um filme como escolher. É isso que estou tentando construir, sem que seja um modelo de tudo ou nada.”
Mas a diferença provou ser muito grande para ser remediada, e “O Irlandês” seguiu para salas que exibem filmes que podem estar ao mesmo tempo disponíveis em serviços de streaming.
Fithian parecia confuso com a postura da Netflix. Ele quis saber por que a empresa não gostaria de adicionar um fluxo de receita – bilheteria –, dada a concorrência em streaming que vai aumentando: Apple TV Plus, Disney Plus e HBO Max, entre outros.
“A Netflix está recusando uma quantia significativa de dinheiro”, disse Fithian. “Pense em ‘Os Infiltrados’, de 2006. O filme arrecadou US$ 300 milhões em todo o mundo. Garantiu o Oscar de melhor diretor a Scorsese. Ganhou a estatueta de melhor filme. Ficou muito tempo nos cinemas e rendeu uma tonelada de dinheiro. Por que a Netflix não gostaria de gerar receita com isso antes de ir para o streaming? Ele ainda pode ser exclusivo na Netflix. Ainda pode atrair assinantes. Seria o único lugar em que você poderia vê-lo em casa.”
Fithian e Jacob, da Cineplex, disseram que um lançamento nos cinemas seria o marketing que uma campanha publicitária tradicional não consegue fazer.
Stuber disse que não se convenceu com esse argumento. “Para ‘O Irlandês’, era importante para nós ter esse período nos cinemas, colocá-lo em grandes salas onde as pessoas poderiam se reunir e ter a oportunidade de vê-lo dessa maneira. Mas acho que as pessoas também vão gostar muito dele na Netflix.”
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