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A Brasil Foods terá coragem de cortar a própria carne?

Carnes in natura e processadas geram 80% das vendas da empresa – e uma parte desse mercado não tem concorrentes imediatos

BRF terá que cortar a própria carne? (Leo Feltran)

Daniela Barbosa

Publicado em 16 de junho de 2011 às 15h46.

São Paulo – A Brasil Foods conseguiu uma vitória parcial no Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade), ao adiar o julgamento da fusão que lhe deu origem para o final do mês. Agora, a empresa corre para negociar uma proposta para que o negócio não seja reprovado. A dúvida é: onde estão as concessões que realmente importam para o Cade?

A empresa já assinalou que está disposta a vender marcas, fábricas e centros de distribuição que representam cerca de 20% de seu faturamento. Seria uma oferta radical para uma companhia que, até o duro veto do relator do processo no Cade, Carlos Ragazzo, não acenava com nada tão substancial.

Mas e os outros 80% da receita? Segundo analistas, eles vêm do mercado de carnes processadas e in natura. Esse segmento responde, também, por mais de 90% da geração de caixa da companhia. “As carnes são, de longe, o setor mais importante para a Brasil Foods”, afirmou Henrique Ribas, analista da Planner Corretora.

É claro que há outras empresas no mercado de carnes, e bem fortes – o JBS, maior frigorífico do mundo, a Marfrig, que conta com uma marca forte (Seara) e mesmo os americanos da Tyson Foods.

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Pouco espaço

Mas, segundo as autoridades que fiscalizam a concorrência no país, é também um dos setores em que a Brasil Foods mais concentra mercado. De acordo com o parecer da Secretaria de Acompanha Econômico (SEAE), que embasou a análise do Cade, dos 62 tipos de produtos avaliados pelo órgão, Sadia e Perdigão, as empresas que deram origem à Brasil Foods, possuem sobreposição em 40.

Esses produtos foram agrupados em seis segmentos: pratos prontos congelados, pratos semi-prontos congelados, carnes processadas para consumo a frio, carnes processadas cozidas semi-prontas, carnes processadas curadas e margarinas. Esses segmentos se desdobram em 13 mercados relevantes.


Um dos critérios para se aprovar uma fusão é a capacidade de os concorrentes entrarem nesse mercado. O SEAE concluiu que há poucas chances de a Brasil Foods enfrentar novos concorrentes em diversas áreas. Dos 13 mercados relevantes listados, a entrada de novos rivais foi considerada improvável em oito. Destes, apenas um – o de margarinas – não está ligado a carnes processadas ou congeladas.

Uma das coisas que não animaria os concorrentes a bater de frente com a Brasil Foods é que o mercado, em alguns tipos de produto, não é tão grande, a ponto de justificar investimentos. Os especialistas do governo afirmam que, em áreas onde a força da marca pesa bastante para o consumidor, isso é ainda pior.

Marca forte

Segundo a SEAE, a marca é o atributo mais valorizado pelos consumidores no mercado de pratos semi-prontos congelados, à frente da qualidade e do preço, por exemplo. O mesmo ocorre com as carnes processadas para consumo a frio.

Aprovar a fusão no Cade virou, por isso, uma luta entre as concessões e a tentativa de preservar aquilo que é o centro de seus negócios – o mercado de carnes.

Vender centros de distribuição e algumas fábricas seria uma proposta que poderia preservar o coração da empresa, sem se desfazer da Sadia ou Perdigão. “Colocar à venda centros de distribuições e até mesmo algumas plantas seriam algumas das saídas”, afirmou Eduardo Boccuzzi, sócio do escritório que leva seu nome.


É claro que se desfazer de parte da operação não será indolor. "Vender ativos sempre pesa de maneira negativa em um processo como o da BRF", disse Ricardo Inglez de Souza, responsável pela área de direito concorrencial, comércio internacional e consumidor do escritório Dias Carneiro.

Exemplo passado

Segundo ele, as restrições aplicadas no caso Ambev, julgado pelo Cade anos atrás, poderiam ser colocadas em prática também na BRF. "A Ambev foi orientada a dividir com terceiros seus centros de distribuições e também aproveitar a capacidade ociosa de suas plantas para desenvolver novas marcas. Opções como essas são saídas favoráveis para o mercado", afirmou Souza.

Ninguém sabe o que acontecerá, mas  fato de o Conselho ter atendido a um pedido de adiamento da BRF mostra que o Cade está disposto a negociar. “A fusão tem chances de ser aprovada", disse Juliana Domingues, coordenadora do departamento de antitruste do escritório LO Baptista Advogados.

Mas é preciso saber qual é a disposição de a Brasil Foods oferecer concessões relevantes, que entrem no mérito dos mercados em que há mais concentração e menos chances de concorrência. Cortar na própria carne pode ser o único caminho para aprovar o negócio, ainda que ninguém goste de fazê-lo.

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