Trump declara vitória antes de definida a eleição
Disputa é mais apertada do que sugeriam as pesquisas e está em aberto; Trump diz que vai à Suprema Corte
Victor Sena
Publicado em 4 de novembro de 2020 às 05h26.
Última atualização em 4 de novembro de 2020 às 11h03.
Os resultados preliminares da eleição presidencial dos Estados Unidos apontam para uma disputa muito mais apertada do que sugeriam as pesquisas às vésperas da votação. O nome do vencedor pode levar dias para ser anunciado, mas Donald Trump afirmou no início da madrugada ter ganhado a eleição antes de contados todos os votos.
Trump falou às 2h20, e suas declarações bombásticas vão dominar o noticiário nesta quarta-feira. O presidente dos Estados Unidos, falando da Casa Branca, ignorou o fato de que a contagem dos votos ainda não terminou e proclamou-se vitorioso.
“Isso é fraude. É uma vergonha para o nosso país. Estávamos prontos para ganhar a eleição, e, francamente, ganhamos”, afirmou Trump. “Vamos para a Suprema Corte. Queremos que a votação pare. Não queremos que encontrem votos às 4h. É um momento muito triste.”
Num discurso curto e desconexo, Trump pareceu sugerir que novos votos estariam sendo incluídos na contagem. Na realidade, a demora no anúncio dos resultados tem a ver com a enorme quantidade de votos enviados pelo correio.
Cerca de uma hora antes, Joe Biden havia feito seu discurso, afirmando esperar o resultado das urnas.
“Não cabe a mim ou a Donald Trump declarar-se vitorioso nessa eleição, mas sim à população americana”, disse o democrata. “Sua paciência é louvável. Acredito que estamos no caminho da vitória.”
Disputa acirrada
A possibilidade de uma vitória categórica de Joe Biden não vai se confirmar. O nocaute rápido vislumbrado pelo Partido Democrata na realidade será uma luta que vai até o último round -- e provavelmente será decidida por pontos. Ou pela Justiça.
Apesar de o presidente ter cantado vitória, Biden continua com as melhores opções de montar uma combinação de estados que lhe garanta os 270 votos necessários para ser eleito presidente pelo colégio eleitoral.
Até as 5h de hoje, Donald Trump tinha assegurado vitórias em Flórida e Ohio, dois dos estados-chave mais importantes para a eleição indireta, além de contar com vantagem essencialmente insuperável na Carolina do Norte.
Trump levou esses três estados em 2016 e precisava repetir o feito para manter vivas as possibilidades reeleição – são vitórias necessárias, mas não suficientes para o republicano.
Mas o caminho de Trump fica mais complicado com o triunfo de Biden no Arizona, estado que não escolhia um presidenciável democrata desde a reeleição de Bill Clinton, em 1996.
Na Geórgia, outro tradicional reduto republicano, o resultado ainda está no ar. Com 91% dos votos apurados, Trump está 2,2 pontos percentuais à frente, mas uma virada de Biden não pode ser descartada. Uma derrota de Trump complicaria muito suas chances; uma vitória, como nos casos de Flórida e Ohio, não basta.
Até agora, Biden tem 227 votos do colégio eleitoral, contra 213 de Trump.
A disputa deve ser decidida, como há quatro anos, nos estados-chave do Meio Oeste: Pensilvânia, Michigan e Wisconsin.
A força do trumpismo
Animados com as pesquisas, que há meses apontavam uma vantagem consistente tanto em nível nacional como nos estados decisivos, os democratas sonhavam com uma rejeição incontestável dos quatros anos do governo Trump.
Não foi o que aconteceu. Agora, Biden e a oposição estão diante de um cenário incerto. Tudo aponta para três estados.
Ahistória da eleição de quatro anos atrás foi a queda do “muro azul”, como era conhecida a área industrial composta por Pensilvânia, Wisconsin e Michigan. Esses estados tradicionalmente apoiavam os democratas, mas o voto de uma parte da população desiludida com a globalização e a fuga dos empregos deu a Trump uma vitória surpreendente.
E esses três estados só começaram ontem a processar e contar os votos à distância (cada estado tem autonomia para definir suas regras eleitorais). Por causa da pandemia do coronavírus, estima-se que quase 70 milhões de americanos tenham votado pelo correio, para evitar o risco de contágio em seções eleitorais lotadas.
Trump lidera a apuração nesses três fiéis da balança – mas essa pode ser uma vantagem ilusória, ou uma “miragem vermelha”, como dizem os analistas políticos americanos.
Em todo o país, houve uma clara divisão nas preferências por modalidade de voto: os eleitores republicanos em sua maioria optaram por votar pessoalmente; os democratas, por enviar suas cédulas pelo correio.
Como apuração dos votos à distância é mais demorada, a expectativa é que Biden recupere terreno conforme forem contados esses votos, um fenômeno batizado de “virada azul”.
Ao alegar fraudes e afirmar ser o vencedor da eleição, Trump estaria basicamente dizendo que a contagem de votos tem de parar, a fim de impedir uma eventual reação de Biden.
Eis a situação da apuração nos três estados que têm a maior probabilidade de decidir quem toma possa no próximo dia 20 de janeiro (até as 10h30 desta quarta-feira, 4)
No Michigan, Trump tinha 49,3% dos votos, e Biden, 49% (88% dos votos apurados);
Em Wisconsin, Trump tinha 48,8% dos votos, e Biden, 49,5% (97% dos votos apurados);
Na Pensilvânia, Trump tinha 55,1% dos votos, e Biden, 43,6% (75% dos votos apurados).
Não há previsão de quando serão encerradas as apurações nesses estados, mas estima-se que a contagem mais demorada seja a da Pensilvânia, onde há pouca tradição de votação pelo correio.
Um exemplo das mudanças que podem ocorrer quando são contados os votos pelo correio foi o que ocorreu na Virgínia. Trump saiu na dianteira e chegou a liderar por mais de 100.000 votos, mas sua vantagem evaporou.
O risco da judicialização
Não há garantias de que o fim da apuração represente o fim do drama. Durante toda a campanha Trump repetiu que a votação pelo correio daria margem a “fraudes massivas”.
Antes de fazer seu pronunciamento na noite de ontem, o presidente postou no Twitter a seguinte mensagem:
“Estamos MUITO na frente, mas eles estão tentando ROUBAR a eleição. Jamais permitiremos. Votos não podem ser depositados depois do fechamento das urnas!”
A postagem recebeu um alerta do Twitter por ser questionável e potencialmente enganosa – em décadas de votação pelo correio, o sistema já provou ser tão seguro quanto a votação presencial.
Caso Biden vença por margem pequena nesses estados – Trump obteve apenas 10.700 votos a mais que Hillary Clinton no Michigan, quatro anos atrás, de um total de 4,8 milhões --, existe a possibilidade real de contestações na Justiça.
Opresidente também se recusou a afirmar que aceitaria o resultado das urnas – sempre alegando possíveis irregularidades.
S em incidentes
A votação transcorreu sem grandes incidentes ao longo do dia de ontem. Por causa da pandemia, mais de 100 milhões americanos já haviam votado antecipadamente, seja pelo correio ou em seções abertas dias antes da data oficial da votação, uma comodidade tradicionalmente oferecida nos Estados Unidos.
Havia temores de conflitos ou intimidação de eleitores porque Trump prometeu mobilizar “um exército” de apoiadores para vigiar a votação. Mas, talvez por causa da enorme votação adiantada, os relatos em todo o país foram de uma eleição tranquila, com poucas filas e sem ocorrências de maior gravidade.
Os problemas que potencialmente podem causar mais impacto no resultado final da eleição envolvem os correios.
Durante a tarde de ontem, um juiz federal determinou que policiais e fiscais da própria estatal fizessem varreduras em instalações de 15 estados que exigem que as cédulas enviadas por correspondência sejam entregues até o dia da eleição.
Segundo informações do U.S. Postal Service, cerca de 300.000 votos foram recebidos pelos correios, mas não entregues para as autoridades eleitorais. O número é pequeno diante do total de votos no país, mas alguns dos estados-chave podem ser decididos por diferenças mínimas.
Em 2016, Trump derrotou Hillary Clinton por meros 10.700 votos em Michigan, de um total de 4,8 milhões. Em Wisconsin, outro swing state, a margem pró-Trump foi de 20.000 votos, de um total de quase 1,8 milhão.