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SOS Terra: dois apelos urgentes do novo relatório do clima da ONU

Contra catástrofe climática, mundo deve mudar hábitos à mesa e repensar uso da terra, diz relatório elaborado por alguns dos maiores cientistas do mundo

Terra em transe: mudanças no clima e no uso do solo ameaçam civilização. (Leolintang/Getty Images)

Terra em transe: mudanças no clima e no uso do solo ameaçam civilização. (Leolintang/Getty Images)

Vanessa Barbosa

Vanessa Barbosa

Publicado em 8 de agosto de 2019 às 16h23.

Última atualização em 8 de agosto de 2019 às 18h17.

São Paulo - A Terra se aproxima de um ponto de inflexão. De um lado, o mundo precisa produzir alimentos para alimentar uma população crescente, que saltará dos atuais 7 bilhões de seres humanos para 9,7 bilhões em apenas três décadas. Do outro, a contínua devastação de florestas para práticas agropecuárias insustentáveis intensificarão a crise climática, o que aumentará os impactos sobre a própria capacidade produtiva da terra e lançará uma ameaça sem precedentes à segurança alimentar.

A solução, segundo o novo estudo do Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC), passa por mudanças urgentes na forma como o mundo cultiva suas terras e se alimenta. Elaborado por alguns dos cientistas mais importantes do mundo, o relatório da ONU exorta os governos a adotarem ações a curto prazo contra a degradação dos solos, o desperdício de alimentos e as emissões de gases que provocam o efeito estufa pelo setor agrícola.

Durante cincos dias de reunião em Genebra, na Suíça, delegações de 195 países membros do IPCC examinaram o relatório intitulado "A mudança climática, a desertificação, a degradação dos solos, sua gestão sustentável, a segurança alimentar e os fluxos de gases do efeito estufa". O texto, de 1.200 páginas negociadas linha por linha pelas delegações, foi divulgado nesta quinta-feira (8).

O relatório examina as relações entre a mudança climática, as formas de cultivo das principais commodities agrícolas (soja, milho, trigo) e proteínas (carnes, leite e seus derivados), assim como questões de segurança alimentar e a maneira como o desmatamento modifica o clima. Em todo o mundo, o setor de alimentos é responsável por 75% do desmatamento, sendo que a pressão é maior nos trópicos. A remoção de florestas e a conversão de ecossistemas naturais libera dióxido de carbono na atmosfera (CO2) e contribui para perda de biodiversidade e degradação da terra. 

A principal mensagem do relatório é de que o mundo precisa escolher entre um círculo vicioso ou virtuoso. E há pouco tempo para decidir. Para transformar em realidade as metas do Acordo Climático de Paris, precisamos limitar o aquecimento do Planeta a no máximo 2 graus Celsius (ºC) até o final do século, acima do níveis pré-industriais, ou no cenário ideal, a 1,5 ºC, a fim de evitar alguns dos piores impactos de um planeta aquecido, como secas e enchentes severas, tufões e furacões violentos, entre outros fenômenos climáticos furiosos.

Limitar o aquecimento a 2ºC exigirá que o países tripliquem seus esforços de combate ao aquecimento global até 2030, ou quintupliquem as ações para garantir um aumento da temperatura abaixo de 1,5° C, pelos cálculos da ONU. Este seria o círculo virtuoso e dois caminhos complementares conduzem a ele: afastamento imediato de práticas agrícolas insustentáveis, permitindo que solos e florestas regenerem e armazenem carbono, e mudanças de hábito à mesa, com menos desperdício e uma alimentação mais centrada em vegetais do que em proteína animal. 

Repensar como utilizamos cada hectare de terra

O uso da terra contribui com cerca de 23% do total de emissões globais de gases de efeito estufa (GEE), vilões do aquecimento global, puxadas pelo desmatamento, conversão de habitat para uso agrícola e criação de gado (atividade com grande emissão de gás metano). 

No Brasil, o setor de uso da terra é a principal causa de emissões de GEE. Segundo o Sistema de Estimativas de Emissões de Gases de Efeito Estufa (SEEG), o vetor agropecuária e o vetor mudança de uso da terra e florestas corresponderam, respectivamente, a 23,9% e a 46,12% das emissões brasileiras em 2017, data do dado mais recente disponível. Um cenário que ganha tons ainda mais preocupantes diante das notícias recentes de  aumento de desmatamento divulgadas pelo Instituto de Pesquisas Espaciais (Inpe).

"Temos que mudar substancialmente a maneira como utilizamos nossas terras", declarou Piers Forster, professor de mudança climática na Universidade de Leeds (Reino Unido), durante entrevista coletiva em Genebra, relata o The Guardian. "Temos que pensar de maneira muito mais exaustiva como utilizaremos cada hectare. As terras têm que permitir cultivar nossa comida, proporcionar biodiversidade e água doce, dar trabalho a bilhões de pessoas e capturar bilhões de toneladas de carbono".

Mudança de hábitos à mesa

Nunca a proteína esteve tanto no centro das atenções como agora. Ela é fundamental para a saúde humana, mas a forma como a cultivamos e consumimos está colocando uma pesada pressão sobre a saúde do planeta. Em grande medida, as inovações no setor de alimentos encabeçadas pelas foodtechs de carne vegetal são uma tentativa de equacionar alguns dilemas do prato. 

Números conservadores da Organização das Nações Unidas para a Agricultura e Alimentação (FAO) indicam que a agropecuária é responsável por 15% das emissões de carbono do mundo e uma das principais fontes de degradação da terra e da água.

Para o IPCC, além de reduzir as emissões de gases do efeito estufa, também é necessário mudar os hábitos de consumo, na forma e conteúdo.  Atualmente entre 25% e 30% da produção total de alimentos no mundo é desperdiçada, ao mesmo tempo que 820 milhões de pessoas passam fome. Se em regiões pobres as proteínas animais são insuficientes, nos países ricos são consumidas em excesso, contribuindo para que dois bilhões de adultos sofram com sobrepeso ou obesidade, destaca o estudo.

Como em toda encruzilhada crítica na vida, tomar decisões mais conscientes sobre como utilizamos o solo e nos alimentamos também é fundamental para enfrentar a crise climática.

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